Papa Francisco: “Só se pensa em salvar os bancos, as pessoas que estão arruinadas não interessam mais a ninguém.”

O jornal italiano Corriere della Sera,  publicou alguns trechos das conversas do Papa Francisco com os jesuítas em Myanmar e Bangladesh, por ocasião das duas recentes viagens.

A transcrição das conversas, feita por Antonio Spadaro, padre jesuíta, e publicadas, depois de revisadas pelo Papa, na revista Civiltà Cattolicacuja íntegra pode ser vista aqui.

A tradução é de Luisa Rabolini para o IHU on line.

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Imagem: Papa Francisco com os jesuítas em Myanmar (Foto: Antonio Spadaro | Reprodução do Twitter)

O que se espera de nós?

Creio que nós não podemos pensar em uma missão – digo isso não apenas como jesuíta, mas como cristão – sem o mistério da Encarnação. O jesuíta é aquele que deve sempre se aproximar, como se aproximou o Verbo feito carne. Os desafios não estão para trás, estão à frente. Nisso o Beato Papa Paulo VI realmente ajudou muito a Companhia, e em 3 de dezembro de 1974, endereçou-nos um discurso que permanece plenamente atual. Disse, por exemplo: “Em todos os lugares, nas encruzilhadas da história, há jesuítas. E para estar nas encruzilhadas da história é preciso orar.

Muitas mídias falaram que a sua visita a Mianmar é uma das mais difíceis. É isso mesmo?

Esta é uma viagem muito difícil, sim. Em determinado momento correu até mesmo o risco de ser cancelada. Mas, justamente por ser difícil, eu tinha que fazer isso! O Povo de Deus é feito de pessoas pobres, humildes, que têm sede de Deus. Nós, pastores, precisamos aprender com o povo. Portanto, se esta viagem parecia difícil, eu vim porque nós devemos estar nas encruzilhadas da história”.

O senhor gosta de repetir que devemos ter o cheiro das ovelhas. Alguns de nós sentem o cheiro dos refugiados.

Eu visitei até agora quatro campos de refugiados. Três enormes: LampedusaLesbos e Bolonha. E lá o trabalho é de aproximação. Às vezes, são verdadeiros campos de concentração, prisões. Tento visitar, falo de forma clara, especialmente com os países que fecham as suas fronteiras. Infelizmente, na Europa há países que optaram por fechar as fronteiras. A coisa mais dolorosa é que para tomar essa decisão precisaram fechar seu coração. E o nosso trabalho missionário deve alcançar também aqueles corações que estão fechados para o acolhimento dos outros. Essas coisas não conseguem chegar até as salas de estar das nossas grandes cidades. Temos a obrigação de denunciar e tornar públicas as tragédias humanas que tentam silenciar.

Venho de uma região onde há muitas tensões com os muçulmanos. Eu me pergunto como é possível cuidar de pessoas que têm essa tendência para o fundamentalismo.

Veja bem, fundamentalismo existem em toda parte. E nós católicos temos a “honra” de ter fundamentalistas entre os batizados. É uma atitude da alma que se assoma a juíza dos outros e daqueles que compartilham de sua religião. É um ir ao essencial – pretender ir ao essencial – da religião, mas de tal forma que se esquece o que é existencial. Esquecem-se as consequências. As atitudes fundamentalistas assumem diferentes formas, mas têm o fundo comum de enfatizar demais o essencial, negando o existencial. O fundamentalista nega a história, a pessoa. E o fundamentalismo cristão nega a Encarnação.

Sua Santidade, obrigado por ter falado do povo Rohingya. São nossos irmãos e irmãs.

Jesus Cristo hoje se chama Rohingya. Você fala deles como irmãos e irmãs: e é isso que eles são. Penso em São Pedro Claver, que me é muito caro. Ele trabalhou com os escravos de seu tempo. E pensar que alguns teólogos da época – não muitos, graças a Deus – discutiam se eles tinham ou não uma alma! A sua vida foi uma profecia, e ajudou seus irmãos e irmãs que viviam em uma condição vergonhosa. Mas essa vergonha hoje ainda não acabou. Hoje discutimos muito sobre como salvar os bancos. O problema é a salvação dos bancos. Mas quem salva a dignidade dos homens e das mulheres hoje? As pessoas que estão arruinadas não interessam mais a ninguém.

O diabo consegue agir assim no mundo de hoje. Se tivéssemos um pouco de senso de realidade, ficaríamos escandalizados. O escândalo midiático hoje diz respeito aos bancos e não às pessoas. Diante de tudo isso, precisamos pedir uma graça: de chorar. O mundo perdeu o dom das lágrimas. O descaramento do nosso mundo é tal que a única solução é orar e pedir a graça de lágrimas. Diante daquelas pobres pessoas que conheci eu senti vergonha! Senti vergonha de mim mesmo, do mundo inteiro! Desculpem, só estou tentando compartilhar com vocês os meus sentimentos….

O senhor veio a Bangladesh, ordenou cardeal o arcebispo da capital. Por que essa atenção?

Com a nomeação de cardeais, eu tentei olhar para as pequenas igrejas. Não para dar um consolo, mas para enviar uma mensagem clara: as pequenas igrejas que crescem nas periferias e não têm antigas tradições católicas agora têm que falar com a Igreja universal. Sinto claramente que têm algo a nos ensinar.

Fonte: IHU on line