O Mississipi não é aqui

Por Marcos Rolim*

Ilustração de Pedro Alice para coluna de Marcos Rolim | Extra Classe nº 172, de Abril de 2013

Crianças e adolescentes são presos rotineiramente por problemas disciplinares em escolas do Mississipi, nos EUA. Quase todos os casos dizem respeito à “conduta desordeira”, uma expressão que pode abarcar, inclusive, situações de “flatulência”, ou “profanação”. Crianças podem ser algemadas ou conduzidas para casa em viaturas policiais por terem se apresentado com sapatos fora do padrão. A taxa de suspensões nas escolas do Mississipi é, também, muito mais alta do que a dos demais estados. Legisladores americanos querem que as escolas tenham policiais armados também para resposta a casos de “indisciplina”, posição que ganhou força após o massacre de Newtown, em Connecticut. Nem todos estão de acordo, claro. Atualmente, o Departamento de Justiça tenta reverter práticas abusivas (ver matéria em:http://migre.me/d2SQ9 ).

No Brasil, medidas como as do Mississipi despertariam a simpatia de grupos fascistas, mas não têm chances de serem implementadas. Vivemos, entretanto, a tendência de judicialização de conflitos, encaminhando às delegacias especializadas da criança e do adolescente (Decas) casos que, no passado, seriam normalmente resolvidos no âmbito da escola.

A maioria das escolas brasileiras não possui regras claras. Com esta expressão, me refiro à existência de direitos, deveres e procedimentos conhecidos por todos, dispostos em material impresso de ampla circulação. Os alunos não possuem estas regras; professores, funcionários e pais, tampouco. Esta ausência é funcional ao descontrole e à reprodução de condutas indesejadas que acabam sendo enfrentadas por direções e professores mais com base na intuição do que em procedimentos técnicos amparados por estudos empíricos. A solução exige política pública que traduza as evidências sobre o que funciona no manejo de conflitos na escola. O tipo de pesquisa que não desperta maior interesse no Brasil. Na ausência desta política, se agravam os problemas disciplinares e aumentam os casos levados a registro policial. O vácuo é preenchido pelas boas intenções e pela adesão dogmática a esta ou àquela doutrina, enquanto o clima escolar se deteriora e o medo se dissemina.

Crianças e adolescentes vivem situações difíceis na escola. Algumas podem mesmo ser fonte de muita dor, como as formas mais sérias do bullying. Os alunos precisam da autoridade para adquirir limites e a autoridade não é o resultado natural da posição que se ocupa, mas da admiração que se conquista. Eles devem aprender a superar antagonismos por pactos, exercitando as possibilidades virtuosas da palavra. Um dos mais importantes desafios pedagógicos reside precisamente aí. As crianças não nascem sabendo como superar conflitos e as lições que trazem de casa apontam, não raro, para a imitação das respostas violentas. Os pais, afinal, quando batem em seus filhos, lhes ensinam apenas que a violência é meio legítimo para a superação de conflitos. Cabe à escola mostrar que não.


* Jornalista, sociólogo e professor do IPA
(Fonte: Jornal Extra Classe,  ano 18, nº 172, abril de 2013)