Toda manipulação tem limite: as verdades inconvenientes sobre a Amazônia que Bolsonaro quer esconder…

Em 23/08/2019 – De agências nacionais e internacionais

Em artigo para o El País, o jornalista Jamil Chade diz: “A manipulação de informação por parte de um poder é tão antiga quanto a humanidade. E a história está repleta de episódios em que governos tentam organizar os fatos a seu favor, a demitir aqueles que optam pelos dados científicos e, se necessário, cortar o financiamento de estudos sobre “verdades inconvenientes”.

E continua: “A longa biografia da censura e manipulação ganhou nesta semana mais um capítulo. E foi no Brasil. Em 2019, quando circula pelo mundo fotos nos principais jornais sobre a escuridão que se fez numa das maiores cidades do planeta, não adianta qualificar o fato de “sensacionalismo”, na esperança de que a vulgaridade intelectual vença. Tampouco adianta culpar termômetros colocados em locais “errados”, denunciar um complô marxista e nem cantar o hino nacional sobre troncos mortos. O Governo, sem provas e como nos momentos mais primários da busca por uma nova narrativa, optou por encontrar culpados entre as ONGs. Apenas para ser alvo de uma imensa reação de desprezo internacional. Como em um trailer de um filme futurista, a fumaça das queimadas que se espalhou mais parecia ser um alerta de que toda manipulação tem seu limite. E que um Governo democrático tem obrigações perante seus cidadãos. A escuridão veio com um recado claro: a verdade sufoca.”

Papa pede ajuda de líderes mundiais para salvar a Amazônia

O mundo está preocupado com o avanço do desmatamento na floresta Amazônica. Apenas durante o mês de junho deste ano, foram destruídos 920,2 km² de floresta na Amazônia. O número representa um aumento de 88% em comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados são do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), serviço de alerta sobre o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia Legal.

De acordo com o balanço, junho de 2019 foi o pior mês em termos de desmatamento desde que o sistema de monitoramento de alertas foi criado, em 2015. De abril a junho, houve o desmatamento de 1.907,1 km². Em 2018, foram registrados 1.528,2 km² no mesmo período, ou seja, houve um crescimento de 24,8%.

A revista The Economist pediu um boicote à carne e à soja do Brasil, contra o desmatamento ilegal. Recentemente, a Alemanha congelou um financiamento de R$ 155 milhões para projetos de preservação do meio ambiente na Amazônia, por entender que a política adotada pelo governo brasileiro está indo na contramão de qualquer tentativa de preservação.

Agora é a vez de o Papa Francisco manifestar sua indignação com o que vem ocorrendo na maior floresta tropical do mundo. Segundo o jornal italiano La Stampa, o Papa Francisco acredita que é papel dos líderes mundiais ajudar a salvar a Amazônia.

A Amazônia, que abrange nove países da América do Sul, “é um lugar representativo e decisivo”, afirmou o Papa.
“Junto com os oceanos, contribui determinantemente para a sobrevivência do planeta”, recordou o Papa, que convocou para outubro um sínodo de bispos sobre esse tema no Vaticano.

Francisco também denunciou na entrevista os verdadeiros obstáculos que impedem a salvaguarda desse enorme território ameaçado pelo desmatamento: o agronegócio e a indústria madeireira. “A ameaça da vida das populações e do território deriva de interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade”, resumiu.

O Papa convidou os líderes políticos a eliminarem “os próprios conluios e corrupções” para que se concentrem nesses temas.

“Devem ser assumidas responsabilidades concretas, por exemplo, sobre o tema das minas ao ar livre, que envenenam a água provocando tantas doenças”, afirmou Francisco, que alertou também sobre a “questão dos fertilizantes”. O Brasil bateu recorde em liberação de agrotóxicos este ano.

Para o Papa, “grande parte do oxigênio que respiramos vem de lá. É por isso que o desmatamento significa matar a humanidade”, alertou Francisco.

Focos de incêndio na Amazônia têm assinatura do desmatamento, diz Nasa

Pesquisadores da Nasa que monitoram focos de queimada no planeta afirmam que seus dados sobre o Brasil estão consistentes com o aumento abrupto que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) vem reportando nas últimas semanas. 

“Vimos sinais de que o desmatamento está aumentando neste momento”, diz Douglas Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas do Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa, em Maryland, nos Estados Unidos.

Segundo o pesquisador, é possível correlacionar os principais focos de calor detectados pelos satélites Terra e Aqua da Nasa ao corte raso de floresta na região, e não a outros tipos de atividade que implicam queimadas sem desmatamento, como limpeza de pastos, preparo de plantios ou queima de bagaços.

Alemanha, Canadá e Irlanda unem-se à França contra Bolsonaro

Porta-voz de Merkel, Steffen Seibert afirmou que “a chanceler está convencida que a questão deve constar na agenda dos países do G7 quando se reunirem este final de semana””

“A magnitude dos incêndios no território da Amazônia é assustadora e ameaçadora, não só para o Brasil e os outros países envolvidos, mas para todo o mundo”, acrescentou Seibert. 

De acordo com o primeiro-ministro do Canadá, é preciso “agir pelo planeta”. “Eu não poderia concordar mais, Emmanuel Macron. Fizemos muitos trabalhos para proteger o meio ambiente no G7 do ano passado, em Charlevoix, e precisamos continuar neste fim de semana. Precisamos de #ActForTheAmazon (agir pela Amazônia, em tradução livre) e agir pelo nosso planeta —nossos filhos e netos estão contando conosco”, escreveu Trudeau ao republicar, na rede social Twitter, mensagem anteriormente escrita por Macron.  

O primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, ameaçou votar contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul se o Brasil não respeitar seus “compromissos ambientais”, em meio a críticas ao presidente Jair Bolsonaro pelos incêndios que assolam a Amazônia. “De maneira alguma a Irlanda votará a favor do acordo de livre comércio UE-Mercosul se o Brasil não cumprir seus compromissos ambientais”, declarou o primeiro-ministro Leo Varadkar em um comunicado divulgado na quinta-feira à noite.”

Enquanto Amazônia arde, governistas e ruralistas aprovam mais incentivos à devastação no Senado

Na mesma semana em que o recorde de focos de queimada na Amazônia foi notícia em todo o mundo, senadores resolveram incentivar ainda mais a devastação. O Senado aprovou a Medida Provisória (MP881/2019, que altera a legislação ambiental para facilitar o desmatamento. O texto já tinha passado pela Câmara e segue agora à sanção presidencial.

A chamada “MP da liberdade econômica” tem o pretenso objetivo de diminuir burocracias e regulamentações para incentivar o crescimento econômico. De acordo com a oposição, no entanto, foram incorporadas à norma alterações não diretamente relacionados ao texto original da medida, os chamados “contrabandos legislativos” ou “jabutis”.

Por exemplo, foram incluídas mudanças na legislação trabalhista, como a regulamentação do trabalho aos domingos e feriados. Por acordo, o item acabou sendo excluído antes da votação final.

Problemas para o meio ambiente

O texto aprovada da MP prevê a dispensa de qualquer tipo de licença ambientalou outra autorização para “atividades econômicas de baixo risco”. O artigo 3º da medida dá carta branca para “atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação”. A questão é que o conceito de “baixo risco” terá de ser regulamentado pelo Executivo posteriormente, abrindo brecha para que um número indefinido de atividades seja assim classificado e dispensado de controle ambiental.

MP também prevê que certas autorizações ambientais sejam concedidas por decurso de prazo, ou seja, se o órgão responsável não cumprir o prazo estipulado a autorização será concedida automaticamente. De acordo com o texto aprovado, desmatamento e outorga de água poderiam ser liberados segundo esse modelo, por exemplo, mas não licenças ambientais.

“Aos governos que não interessar uma boa gestão ambiental bastará sucatear os órgãos para acelerar as autorizações”, critica Adriana Ramos, especialista em políticas públicas do ISA.

A redação validada pelo Senado diz ainda que os empresários não serão mais responsabilizados por “impactos ambientais indiretos” de suas atividades. O problema é que a imensa maioria do desmatamento, da exploração madeireira ilegal e da grilagem de terras na Amazônia, por exemplo, é resultado da construção de estradas e outras grandes obras, como hidrelétricas, e isso seria desconsiderado no licenciamento ambiental. O tema é alvo de polêmica na discussão da Lei Geral do Licenciamento, em tramitação na Câmara.

“Essa MP institucionaliza o desmatamento! Estamos incluindo dispositivos como esses quando as cinzas da Floresta Amazônica escureceram o entardecer da capital paulista”, alertou o senador Randolfe Rodrigues (RedeRR). Assim como outros senadores, ele reclamou do que classificou de contrabandos legislativos e da pressão para aprovar a matéria sem alterações. Se fossem feitas mudanças no texto, ela teria de voltar ao plenário da Câmara. O problema é que a MP perde validade na próxima terça e uma nova votação fatalmente faria a medida caducar.

“Os impactos contra o meio ambiente dessa medida são irreversíveis e de grandes proporções”, alerta o consultor jurídico do ISA Maurício Guetta. “Também é flagrante a inconstitucionalidade da aprovação automática de atos oficiais, como a autorização de supressão de vegetação”, destaca.

“É inaceitável a aprovação da MP, seja do ponto de vista dos graves retrocessos ambientais, seja pela sua inconstitucionalidade, ainda mais com a atenção da sociedade brasileira e global voltada para a Amazônia em chamas e os descalabros do governo Bolsonaro na área ambiental. Agora, a legislação brasileira passa a prever a emissão automática de autorização de desmatamento por decurso de prazo. Não há outro caminho senão a judicialização”, critica Guetta.

Fonte: El País, Instituto Socioambiental, Observatório do 3º Setor, Brasil 247, Portal UOL,