Paulo Guedes: o ultraliberal das reformas que aumentam a desigualdade

Em 05/11/2019, de várias fontes

Pobre não poupa, diz ministro do país onde trabalhador não ganha nem um salário mínimo.

Guedes reclama que o trabalhador pobre gasta tudo o que ganha, enquanto rico poupa

São Paulo – “Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada na edição de domingo (3). Guedes é ministro em um país onde 16 milhões de famílias ganham em média R$ 1.232,17 (R$ 411 por pessoa) e 13 milhões, R$ 2.332,98 (R$ 778), segundo dados do IBGE. Para metade da população brasileira, é preciso sobreviver com o equivalente a menos da metade de um salário mínimo.

A repórter que entrevistava Guedes até tentou argumentar, perguntando se uma pessoa pobre consegue guardar dinheiro. “Ele já guarda e não sabe. O FGTS é um dinheiro que tiram dele e fica depositado”, respondeu o ministro, para então ser lembrado que a maioria dessas pessoas não tem emprego formal. Nem assim ele se deu por vencido: “Mas terão com mudanças que teremos pela frente. O que precisa ficar claro é que as coisas estão andando”.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, em 2018 o rendimento total das famílias foi, em média, de R$ 5.088,70, incluindo rendimento do trabalho, transferências de renda e outras fontes de renda, ou algo em torno de  quase R$ 1.700 por pessoa. Mas a diferença vai dos R$ 411 já citados a R$ 11.423 na última faixa.

Além disso, quase um quarto das despesas das famílias mais pobres (23,8%) se destina ao básico: alimentação. No caso da faixa de renda mais abonada, esse gasto cai para 11%. De acordo com o instituto, famílias que ganham o equivalente a dois mínimos gastam 61% com alimentação e transporte.

O ministro entusiasta do modelo chileno de capitalização também não pode usar o mercado de trabalho como argumentação: a informalidade está em nível recorde. O número de empregados sem carteira assinada cresceu em 384 mil em 12 meses e chegou a 11,8 milhões em setembro, recorde na série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, também do IBGE. E os trabalhadores por conta própria somam 24,4 milhões, outro recorde – são 1 milhão a mais em 12 meses.

Mais um dado do instituto vai contra a crença de Guedes na capacidade de poupança do brasileiro. Em 2018, o rendimento médio mensal do trabalho da população 1% mais rica correspondeu a quase 34 vezes o recebido pela metade mais pobre. Enquanto no primeiro caso a renda foi de R$ 27.744, no segundo o valor era de R$ 820. Novamente, menos de um salário mínimo.

Fonte: Rede Brasil Atual

Modelo atrasado

O governo Bolsonaro ainda não apresentou sua proposta de “reforma” tributária, mas todas as sinalizações indicam que será conservadora: focada apenas na união do PIS e do Cofins e não mexendo nos impostos estaduais e municipais. Outras propostas estão em debate no Legislativo – e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, promete “costurar” todas elas. Mas tampouco enfrenta um dos maiores problemas de nosso modelo: a gigantesca desigualdade na tributação entre pobres e ricos.

Temos um sistema de tributação arcaico, injusto e que isenta as elites de contribuir com a rede de serviços básicos oferecida pelo Estado brasileiro. Os mais pobres e a classe média pagam mais impostos, proporcionalmente, do que pessoas com rendas muito altas. Apesar de nossa carga tributária bruta girar em torno de 33% do PIB, patamar parecido ao dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil, Turquia e Chile são os únicos países onde tributos indiretos (consumo) superam os diretos (renda e patrimônio) na composição da carga tributária.

Além disso, o Brasil é o que menos tributa renda e patrimônio como proporção da carga tributária bruta (CTB), pouco mais de 22%. Na média da OCDE, esse nível é de 40%. Por outro lado, a tributação indireta brasileira chega a quase 50%, enquanto na OCDE não passa de 33% na média.

Fonte: Outras Palavras

[OPINIÃO]: Paulo Guedes, exemplar aprendiz do ultraliberalismo

“Reforma” da Previdência e privatizações foi só o começo. Ministro apresenta à Câmara sua grande cartada: o PL 5387/2019, que propõe a abertura total do nosso mercado de câmbio — e fazer a economia brasileira refém do financismo global.

ARTIGO DE PAULO KLIASS (*), no Outras Palavras.

Os devaneios liberaloides do superministro Paulo Guedes parecem não ter mesmo nenhum tipo de limite. Desde que recebeu a missão do então candidato Jair Bolsonaro no segundo semestre do ano passado, o ex-Chicago boy parece ter acreditado que estava frente à oportunidade de aplicar por aqui todos os sonhos do neoliberalismo mais tacanho. O dublê de capitão e deputado federal nunca escondeu sua ignorância para temas econômicos e delegou ao operador do mercado financeiro a responsabilidade de desenhar e implementar essa agenda.

Essa estratégia foi exitosa no sentido de abrir as portas de sua candidatura junto aos demais agentes do financismo e contribuiu para facilitar sua aceitação junto a uma parcela das elites que ainda mantinha um certo pé atrás quanto às reais intenções daquele político ainda bastante desconhecido, integrante do baixo clero, tosco e defensor da tortura e da pena de morte. A contrapartida dessa delicada operação foi o recém-convertido ao liberalismo oferecer uma ampla autonomia a Paulo Guedes para o tratamento das matérias de natureza econômica.

O passado de Bolsonaro teve de ser rapidamente varrido para debaixo do tapete. Aquele parlamentar que se declarava nacionalista e contrário à privatização das empresas estatais foi sutilmente recolhido à caserna. Aquele deputado federal que sempre havia votado contra a propostas de reforma da previdência também teve de deixar a cena e os holofotes. Algo como um “esqueçam o que falei e escrevi” em sua versão 2.0. As suas palavras de ordem agora passaram a ser internacionalização, modernização e austeridade fiscal.

Guedes, o poderoso

Esse intenso e arriscado movimento de troca de pneu com o veículo ainda em movimento tem provocado algumas dificuldades de articulação política e um sem número de arestas no interior do próprio bloco de apoio ao governo. Mas como o presidente precisa urgentemente que o superministro lhe ofereça alguma notícia boa no front da economia, a relação de dependência política entre ambos se aprofunda e se estende. Operam como hospedeiro e parasita, ambos sabendo que uma hora a coisa acaba.

Guedes conseguiu fazer com que o governo formalmente encampasse o texto original da PEC 06 da Reforma da Previdência, com um conjunto impressionante de maldades, enviado no início à Câmara dos Deputados. Ali estavam temas como a capitalização, a quase extinção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), os obstáculos à aposentadoria rural e outros assuntos na linha da destruição do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Apesar das mudanças todas ocorridas ainda na tramitação no interior da Câmara e agora no Senado, o fato concreto é que aquela proposta original tinha a chancela do Palácio do Planalto.

Em outro front de intento destruidor, Guedes nunca escondeu seu desejo de promover a privatização completa das empresas estatais federais. Fazia um jogo de cena com ensaios de alguns recuos recheados de oportunismo, mas no fundo sempre que podia ele abria seu projeto maximalista: vender tudo que significasse presença estatal na economia. No fundo, era a satisfação de colocar em prática aquela busca pelo Estado mínimo, ícone liberal que seu mestre e guru Milton Friedman tanto defendia. O fato é que a privatização avança pelas beiradas. Toda a área do Pré-sal já foi licitada e leiloada para as grandes empresas petrolíferas internacionais, concorrentes da Petrobrás. O governo conseguiu a bizarra liberação do Supremo Tribunal Federal (STF) para privatizar as subsidiárias das estatais sem necessidade de autorização legislativa. O empresário Salim Mattar, à frente da Secretaria das Estatais, espera o momento apropriado para comandar o bote final.

No quesito Reforma Tributária também Paulo Guedes não desiste. Forçou a barra com a ideia do Imposto Único de seu colaborador Marcos Cintra, mas foi obrigado a demiti-lo por exigência do Presidente. Afinal, o então Secretário da Receita Federal defendia abertamente em eventos a criação dessa medida que se inspirava na antiga CPMF. Uma proposta que traga à baila qualquer tipo de compromisso de Bolsonaro com aquele tributo massacrado pelas elites e pelos grandes meios de comunicação é vista com muita desconfiança por Bolsonaro. Mas Paulo Guedes mostra autoconfiança, peita Bolsonaro de público e não desiste. A ver os próximos passos também nesse domínio.

Brincando de câmbio e destruindo o Brasil

Mas a iniciativa tresloucada de Guedes para o momento atual envolve a liberalização geral do nosso mercado de câmbio. A medida já vinha sendo estudada a boca pequena pelos dirigentes do Banco Central (BC) e do Ministério da Economia. Mas eis que a semana começa com um grande estardalhaço. O Palácio do Planalto resolve oferecer ampla visibilidade ao PL 5387/2019, cuja exposição de motivos havia sido encaminhada a Bolsonaro ainda em 18 de setembro. Ali, como sempre, a narrativa apresentada pelo pessoal da área econômica é sempre a mesma:

(…) “se propõe a modernizar, simplificar e trazer mais eficiência ao mercado de câmbio brasileiro” (…) “barreiras não são mais consistentes com a economia globalizada e que se vem modernizando com crescente nível de inovação” (…) “tendo como alicerce os princípios da inserção da economia brasileira no mercado internacional, da livre movimentação de capitais e da realização das operações no mercado de câmbio de forma mais simples, transparente e com menor grau de burocracia” (…)

A retórica da necessidade de modernização do mercado de câmbio e de sua estrutura operacional não passa de cortina de fumaça para justificar a abertura generalizada de nossa economia à dinâmica do capital financeiro internacional. A soberania da sociedade brasileira frente aos demais atores da economia global se efetiva por meio da existência de moeda própria e de um sistema de controle de entrada e saída de recursos estrangeiros. Prática essa, aliás, adotada pela grande maioria dos países do mundo que não tenham optado por se transformar em paraísos fiscais. Isso significa dizer que o padrão monetário de livre trânsito por aqui é a moeda brasileira – o real. Todo o processo de conversão passa por procedimentos de controle da autoridade monetária, no caso o BC. Vai daí que existem os bancos oficialmente autorizados a realizar operações de câmbio – compra e venda de moeda estrangeira, como dólar norte-americano, euro, iene, yan e outros.

As razões para tal conformação institucional se relacionam ao grau de fragilidade das economias nacionais face à convulsão cada vez maior que está reinante no ambiente da especulação internacional. Os países tendem a adotar medidas de proteção econômica e financeira para evitar que os cenários internos sejam negativamente impactados pelas crises recorrentes no resto do mundo. Precaução, aliás, mais do que necessária e recomendável nos tempos atuais.

Pois a mais recente das maquinações do aprendiz de liberal pretende justamente criar um foco potencial de perturbação em uma área onde a economia brasileira está felizmente conseguindo resistir aos solavancos do financismo global. Refiro-me à dinâmica de capitais externos e seu impacto sobre a nossa realidade interna. Basta ver o que está acontecendo com a nossa vizinha Argentina para avaliarmos os riscos de um país que não apresenta uma robustez de proteção externa como a nossa. Afinal, nossa dívida externa foi reduzida a quase nada e contamos atualmente com uma importante rede de proteção representada por quase 390 bilhões de dólares na forma de reservas internacionais junto ao BC.

Contas em dólares pra quem quiser

A proposta de Guedes sugere a liberalização completa do mercado de câmbio, um liberou geral tão ou mais irresponsável quanto a sua intenção de destruir a previdência social ou privatizar todas as empresas do governo federal. Vale observar que ele é sempre guiado por uma estratégia que visa a beneficiar apenas os interesses do financismo. No lugar do INSS viria a capitalização dos bancos das seguradoras. No lugar da empresa estatal, surge a generosa oferta aos conglomerados financeiros internacionais.

Segundo o projeto de lei, qualquer instituição financeira – inclusive as que começam a pipocar sem controle algum (as chamadas fintecs) – poderiam operar com câmbio por aqui. Além disso, qualquer cidadão ou empresa poderia passar a ter uma conta bancária operando em moeda estrangeira em nossas terras. Uma loucura! Com o tremendo grau de instabilidade e especulação atualmente reinantes nos ambientes interno e global, qualquer movimento mais sério e comprometedor dos grandes agentes nesse mercado descontrolado pode transformar nosso estoque de reservas internacionais em pó.

Algum grau de instabilidade e risco nós já temos pela própria dinâmica da globalização. Situação essa que já vem sendo agravada há muito tempo pela ausência de qualquer controle sobre a conta de capitais. O capital especulativo entra e sai como quiser, mas sempre com algum tipo de controle exercido pelo BC. No entanto, o que o PL 5387 introduz como novidade é a obrigatoriedade da conversibilidade para moeda estrangeira em qualquer circunstância sem esse controle da autoridade oficial. Enfim, mais um experimento de laboratório pseudoliberal levado a cabo pelo superministro, com custos e riscos elevadíssimos para o conjunto da sociedade.

É preciso barrar o PL 5387!

As economistas Prates, Farhi e Ramos desenvolvem com bastante competência as consequências negativas de uma eventual aprovação da proposição. Em seu artigo, as professoras e pesquisadoras da UNICAMP alertam para os perigos de maior turbulência nas operações do mercado interno em razão da sofisticação dos produtos oferecidos pelo sistema financeiro. Além disso, passaríamos a conviver com a iminência de substituição monetária também internamente, uma vez que todos os agentes poderiam trocar sua conta em reais por outra em dólar ou outra moeda estrangeira.

O Presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia expressou seu deslumbramento com a medida e prometeu oferecer “celeridade” à sua tramitação. Na linguagem codificada do parlamentês, isso significa atribuir grau de urgência à matéria, de forma a que não haja uma discussão ampla nas comissões temáticas, com audiências públicas chamando especialistas para debater a matéria tão polêmica quanto essa.

Cabe aos partidos de oposição e às forças políticas comprometidas com um projeto de desenvolvimento brasileiro evitar que mais esse devaneio liberal de Guedes se transforme em pesadelo para a maior parte da nossa sociedade.

(*) Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

OBSERVAÇÃO: artigos opinativos não refletem, necessariamente, a opinião do Nesp.

Fonte: OUTRAS PALAVRAS.