OPINIÃO: Artimanhas do mercado para socializar prejuízos

Em 08/04/2020. Artigo de Paulo Kliass, em OUTRAS PALAVRAS

Aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado, PEC 10/2020 visa usar recursos públicos para amenizar as agruras financeiras dos bilionários. Estado compraria título e papéis sem valor — as apostas furadas do rentismo.

Fonte: OUTRAS PALAVRAS

O agravamento diário das consequências da crise da pandemia não parece ter sensibilizado em nada o núcleo mais ideológico do governo do capitão Bolsonaro. O presidente faz questão de continuar espalhando, a cada dia, novas notícias falsas a respeito da pandemia. Mantém o discurso genocida de que se trata apenas de mais uma “gripezinha” e que não faz sentido essa preocupação toda com as medidas de isolamento.

Já o superministro da economia, Paulo Guedes, não perde a oportunidade de trabalhar contra toda e qualquer medida que implique em aumento de gastos públicos. No entanto, o Chicago old boy – como sempre – abre aqui uma nada honrosa exceção para os seus coleguinhas do sistema financeiro. No caso de promover mais uma ajuda à banca amiga, o governo libera automaticamente valores da ordem de trilhões de reais. Bancos e instituições financeiras nunca tiveram do que reclamar. Estão sendo plenamente retribuídos pelo apoio que a maioria de seus dirigentes ofereceram ao vencedor do pleito de outubro de 2018.

Quando se trata de alocar recursos do Tesouro Nacional para amenizar as dores dos setores que mais dependem do apoio do Estado, bem nesse caso os valores tardam a chegar na ponta. O governo enrola como pode e adia o pagamento de míseros R$ 600 às pessoas na informalidade, sob o argumento de que isso se caracterizaria como uma verdadeira “farra fiscal”. Uma loucura!

Orçamento de Guerra? Nada disso!

Pois no meio dessa confusão toda, eis que surge – praticamente do nada – para tramitação no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) meio “diferentona”. A proposição foi articulada pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e tem em suas digitais claramente uma encomenda vindo do coração do financismo. Como acontece nesses momentos especiais, articulou-se uma frente ampla em defesa da mesma, envolvendo a tecnocracia do comando econômico na Esplanada, a fina-flor do conservadorismo raiz que não se deixou influenciar pela gravidade da crise e as editorias dos grandes meios de comunicação.

O profissionalismo da operação chega a fazer inveja às artimanhas de manipulação midiática da famiglia Bolsonaro nas redes sociais. De imediato ela foi apelidada de PEC do “Orçamento de Guerra”, com o claro intuito de obter apoio da opinião pública em momento tão grave da vida nacional. Afinal, se é para combater a covid-19, deve ser coisa boa! Só que não! Na verdade, de guerra esse texto não tem nada. E pelo que se propõe a resolver, os juristas confirmam que não era necessário nem mesmo alterar a Constituição Federal.

Vamos, portanto passar a chamá-la tão somente pelo seu nome — PEC 10/2020. Nada desse Carnaval já fora de época em torno de uma medida que poderia ser mais simples. Afinal, o que pretende a PEC para merecer esse adjetivo que nos faz lembrar de algum esforço bélico? Pois quem se deu o trabalho de ler o parecer aprovado no rito sumário e virtual da Câmara dos Deputados, em 03 de abril, perceberá que a unanimidade pode ser enganosa. Afinal, foram 423 votos a favor e apenas um voto contrário.

A proposição se compõe de um único artigo relevante, que introduz o art. 115 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Por meio da medida, fica explícito que a excepcionalidade do momento da pandemia autoriza também a União a adotar um “regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender as necessidades dela decorrentes”. Além disso, o texto entra em um nível absurdo e fora de contexto de detalhamento constitucional de um Comitê de Gestão de Crise. Estabelece quem compõe esse órgão, como as decisões serão tomadas e outras disposições que seriam características de um decreto presidencial. Nada que precise de mudança constitucional.

Não precisava alterar a Constituição

Além disso, alguns parágrafos desse mesmo artigo passam a detalhar procedimentos para elaboração e aprovação de créditos extraordinários de verbas orçamentárias. Na verdade, os membros da equipe de Paulo Guedes estão morrendo de medo de serem enquadrados por descumprimento das regras draconianas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que eles tanto idolatram e por desobedecer à chamada “regra de ouro”. Afinal, a crise é tão grave que o governo se vê obrigado a lançar instrumentos de aumento da dívida pública para cobrir gastos correntes. Enfim, algo compreensível face às dificuldades da conjuntura. Mas, não custa repetir, nada disso estaria a requerer uma alteração constitucional.

Na verdade, esse receio de processos judiciais por parte dos responsáveis do comando da economia foi objeto de uma Medida Provisória (MP) encomendada para esse fim. A MP 930/2020 contém um artigo específico que isenta os dirigentes do Banco Central (BC) de qualquer possibilidade de responsabilização por atos cometidos durante pandemia. Na verdade, trata-se de uma verdadeira licença para matar. Algo como se fosse um excludente de ilicitude para o âmbito do mundo das finanças. Uma loucura!

LEIA O ARTIGO COMPLETO EM: https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/artimanhas-do-mercado-para-socializar-prejuizos/

Fonte: Outras Palavras

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