Atividades minerárias sem autorização de órgãos reguladores

Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – Nesp explica alterações propostas para o novo código minerário

Arquivo ALMG/Sarah Torres

Marcelo Gomes – 20 de dezembro

Na política nacional, neste momento, as atenções se concentram nos problemas econômicos e na pandemia ainda não totalmente controlada. Enquanto isso, um grupo de parlamentares na Câmara Federal tenta mudar as regras de um dos setores mais importantes do país, a mineração.

Esses deputados querem, por exemplo, permitir que as atividades minerárias sejam realizadas sem a autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão regulador do setor. O estado de Minas Gerais seria um dos mais afetados com as alterações por ser um grande celeiro mineral do Brasil.

Em julho deste ano, iniciou-se, na Câmara dos Deputados, um grupo de trabalho para propor o novo Código da Mineração. O atual é de 1967. Todo o processo minerário é regulado por essa legislação, principal do setor. Houve uma atualização dessa legislação de referência em 2018. No entanto, embora continue sendo objeto de críticas dos movimentos sociais, frequentemente esse “Novo Marco Regulatório da Mineração” é rechaçado por mineradoras que o consideram excessivamente rígido.

Não está claro o que ou quem impulsionou a retomada desse tema neste momento em que o país é afetado por aflitivos problemas. Nota-se que a maioria dos parlamentares que integram o grupo são de partidos do Centrão, fração do Congresso Nacional cuja atuação mostra pouco compromisso ideológico com um projeto de país e grande suscetibilidade a pressões desse setor econômico.

Entre os integrantes, a mineira Greyce Elias (Avante) foi a responsável pela relatoria. Nessa função, o parlamentar elabora uma prévia do texto, acatando ou excluindo as sugestões oferecidas ao longo da discussão. Greyce apresentou seu relatório em 1 de dezembro.

Neste texto, foram selecionadas algumas das mudanças propostas. O relatório de 55 páginas, porém, contém um rol muito maior de sugestões.

1 – O prazo para a Agência Nacional de Mineração (ANM) se manifestar sobre os processos de licenças passa de 180 dias para um ano. A autorização para as mineradoras pesquisarem se em determinada área há substâncias de seu interesse deve durar 60 dias. Na hipótese de esses períodos serem ultrapassados, os processos serão automaticamente aprovados. Conforme a relatora, essas sugestões são dos deputados Evair Vieira de Melo (PP-ES) e Nereu Crispim (PSL-RS).

Auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) de 2018 mostrou que havia na ANM de Minas 1.916 processos pendentes de alguma providência e 3.492 processos paralisados, relativos a dívidas e multas aplicadas às mineradoras. Naquele ano, eram quatro servidores responsáveis pela área de fiscalização e cobrança. Segundo a CGU, necessário seriam, ao menos, 21 profissionais.

Diante da informação da Controladoria, a proposta acima suscita preocupação. Isso porque existe grande probabilidade de a análise dos processos ultrapassar os prazos sugeridos, dada a falta de funcionários. Assim as atividades minerárias seriam executadas sem nenhum respaldo da ANM.

2 – As penalidades aos mineradores que descumprirem as normas praticamente se mantém. A depender dos casos, as multas seguem variando de R$ 2 mil a R$ 1 bilhão.

3 – De acordo com o parecer, no que diz respeito ao plano de aproveitamento econômico a análise da ANM se restringirá apenas às questões de higiene e segurança. Esse documento contém todas as informações de como na prática irá ocorrer o processo de extração mineral, o beneficiamento (lavagem das substâncias, em termo mais simples) e a comercialização. Ele é importante uma vez que dimensiona, por exemplo, os impactos ambientais, econômicos e sociais.

Pela proposta, o órgão não analisaria os outros aspectos do plano. “A redução de discricionariedade da ANM, restringindo-a a questões de salubridade e segurança, confere maior agilidade à tramitação do processo minerário,” diz-se no relatório em que se acrescenta, genericamente, que estão “preservadas as questões relacionadas à preocupação socioambiental”.

4 – Durante a fase de pesquisa, deputados sugeriram que seja o próprio minerador a declarar as informações, sendo responsabilizado por elas. Ou seja, a empresa não será supervisionada pela ANM nessa etapa inicial do processo de licenciamento. A questão que fica é quem irá conferir os dados prestados.

5 – Para a pesquisa de areias, argilas, cascalhos, carbonatos de cálcio e rochas será dispensado a licença ambiental.

6 – Também é sugerida a permissão para os municípios participarem dos processos de licenciamentos. “Entendermos que a participação dos demais entes federativos é necessária para assegurar a harmonia entre a atividade mineral e os aspectos locais.” O relatório da parlamentar lembra que a ocupação e o uso do solo são uma prerrogativa municipal, tal como consta na Constituição Federal. No entanto, grande parte das cidades mineradoras não possuem condições estruturais e agentes capacitados ao processo minerário.

7 – Os parlamentares sugeriram que a mineração se torne atividade de interesse nacional e essencial à vida humana. Isto é, ela se sobrepõe às demais práticas econômicas.

Técnicos avaliam o parecer da deputada

Para o professor do departamento de Engenharia de Minas da UFMG, Roberto Galery, antes das discussões do novo Código da Mineração, deveria haver investimentos em pesquisas e tecnologia.

Os investimentos na tecnologia permitiriam que os processos fossem analisados com celeridade. Já a alocação de mais recursos às pesquisas possibilitaria encontrar soluções a um dos grandes gargalos da mineração, sobretudo em Minas Gerais: a quantidade de rejeitos minerais.

A mineração empreendida aqui é diferente da executada em outros polos minerais. Em linguagem simples, os minérios encontrados em Minas têm baixo teor de ferro. Assim, é requerido o beneficiamento, espécie de lavagem no material. A partir dessa lavagem, é retirada dos materiais a parte contendo ferro, o qual será comercializado. O resto, intitulado de rejeito, fica estocado em barragens. Portanto, quanto maior a produção minerária no estado mais barragens serão necessárias ou o aumento das existentes.

“A gente precisa de investir em pesquisas que irão apontar caminhos sobre como utilizar os rejeitos. Nós daqui da universidade já pesquisamos alguns desses caminhos. Como a criação do cimento feito à base de rejeito de minério”, explicou o professor. “O código de mineração precisa ser modernizado. Por exemplo, essa situação dos rejeitos precisa ser equacionada. Hoje em dia, ele não trata muito disso”, completou.

O engenheiro de minas e consultor da JP Geologia Mineração e Meio Ambiente Ltda. não vê com bons olhos a autorização tácita após os prazos. Na avaliação dele, isso pode gerar insegurança jurídica, uma vez que o empreendedor pode sentir-se inseguro em operar algo sem nenhum respaldo das autoridades. “Para mim, isso não é a melhor medida para acelerar os processos. O melhor seria dar mais condições à ANM”, pontuou.

Setor comemora parecer e movimentos sociais resistem

Procuramos conversar com algum representante do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Obtivemos uma nota da entidade, cuja avaliação é de que o parecer “se mostra bem equilibrado e que aponta para caminhos promissores para a simplificação da gestão do direito minerário brasileiro”. “A Relatora acatou muitas das sugestões que foram apresentadas pela indústria mineral e que também foram colhidas nas diversas audiências públicas que foram realizadas”, continuou.

Na nota enviada ao Nesp, o Ibram destaca alguns aspectos do relatório que, do ponto de vista desse órgão que representa o setor minerário no país, são positivos: a elevação da mineração à categoria de utilidade pública e de interesse nacional, em razão da qual a ANM poderia desapropriar áreas necessárias à implantação de instalações; a adoção de padrões internacionais no processo de definição de jazidas; e a necessidade de indenização em favor de minerador em caso de criação de Unidade de Conservação sobre a área do Direito Minerário.

Para o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), entretanto, o parecer da relatora é um retrocesso. “O Estado passa a ser apenas um organizador dos interesses das empresas”, conclui o movimento. Segundo a organização, preocupa o fato de as funções da ANM serem reduzidas. “A ANM já está sucateada. Com a redução do papel dela ela pode ficar ainda mais sucateada, já que poderá perder importância”, diz Jarbas da Silva, da direção nacional do MAM.

“Da forma como conteúdo foi colocado a mineração se sobrepõe a todo e qualquer interesse sobre o solo. A mineração vai ter prioridade. Nenhuma outra atividade poderá ser exercida se existir o interesse do setor mineral”, opinou. “Casos como o de Brumadinho e Mariana poderão ocorrer. Isso porque uma das disposições é a aprovação tácita. Já estamos nos articulando até judicialmente para não deixar passar esse relatório”, assegurou.

Em 2022, o grupo de trabalho retorna às atividades. A intenção é no primeiro semestre votar as novas alterações, encerrar a votação no Congresso Nacional e encaminhar a matéria ao presidente. Assim, já no segundo semestre, o país teria o novo código da mineração.