O Estado democrático existe de fato e de direito no Brasil?
Maria Elisa Andrade Vasconcelos
Aluna do curso de Direito da PUC-Minas
Estagiária do Projeto de Acompanhamento do Legislativo
“O Estado Democrático, de acordo com a idéia que o sustenta, é uma ordem desejada pelo próprio povo e legitimada pelo livre estabelecimento da vontade desse mesmo povo. Segundo Rousseau e Kant, os destinatários do direito também devem entender-se como seus próprios autores”. (Habermas)
Jurgen Habermas, filósofo alemão e herdeiro da Escola de Frankfurt, aborda como um de seus temas no livro A Inclusão do Outro – estudos de teoria política, a questão do que se pode chamar a “identificação” do cidadão com o poder. Para ele: “O Estado Moderno já vinha regulando desde o início seus limites sociais sobre os direitos de nacionalidade, isto é, os direitos de integrar o Estado. Mas integrar o Estado, no início, não significava mais do que a submissão ao poder estatal. É só com a transição ao Estado democrático de Direito que deixa de prevalecer esse caráter de concessão que se faz ao indivíduo, de que ele possa integrar uma organização, para então prevalecer a condição de membro integrante do Estado conquistada por cidadãos participantes do exercício da autoridade política”.
Infelizmente, o Brasil anda a passos lentos em direção a essa segunda fase da democracia moderna (consolidação do Estado Democrático de Direito) citada por Habermas em seu livro.
Exemplo dessa lentidão pode ser verificado na forma como o brasileiro compreende a participação política. Na história política do país podemos verificar um “culto” a representação política, sem que conjuntamente a ela pratiquemos a cultura da participação. O brasileiro se vê representado pelo poder e não parte do poder. Essa tendência a valorizar o representante e o fato de o cidadão nem sempre se sentir partícipe do poder, é, a meu ver, um dos males da democracia brasileira. A falta de assimilação pelo cidadão de que o poder provém dele, que é o seu voto que legitima os governantes e é por legitimá-los que temos o dever e a responsabilidade de cobrar e acompanhar as suas atividades pode contribuir para a permanência da política do favorecimento e da corrupção.
Se a forma de participar da vida política não mudar, o brasileiro vai continuar a presenciar vários escândalos de corrupção, os poderes da república serão desprestigiados (como se viu os recentes escândalos do Senado – será que a solução é acabar com o bicameralismo?) teremos cada vez mais leis “impostas”, sem que a realidade do cidadão não se veja espelhada na norma. Por isso é que no Brasil fala-se tanto em “lei que pega e lei que não pega”.
Tomemos um exemplo concreto. Acompanho e estudo a Assembléia Legislativa de Minas Gerais há dois anos por fazer parte do Projeto Meu Deputado, e nesse tempo venho presenciando fatos que me levaram a refletir sobre a participação dos mineiros na vida política do estado e do país.
Todos nós sabemos que os poderes e seus órgãos auxiliares sempre encontraram formas de impedir que a participação popular se aprofundasse (no caso do Poder Legislativo podemos citar o excesso de convocações de extraordinárias em horário de difícil ou impossível acompanhamento, a divulgação de última da hora de pautas e reuniões importantes, os acordos de gabinete, entre outros).
Porém, esse cenário deveria necessariamente ter sofrido algumas alterações com a promulgação da Constituição Cidadã. Nesses 21 anos de Constituição Federal e 20 anos de Constituição Mineira, pouca coisa podemos notar de diferente. Que houve mudanças, não podemos negar, mas também não podemos fechar os olhos para o fato de que essas mudanças, na maioria das vezes, foram realizadas pelos próprios poderes (pelas próprias instituições).
Poderia citar vários mecanismos de participação ligados às instituições políticas. A Assembléia Legislativa de Minas Gerais, por exemplo, possui como mecanismo de facilitação da participação popular a TV Assembléia, o Expresso Cidadania, o Site, as Comissões de Participação Popular e Direitos Humanos que funcionam como verdadeiras ouvidorias, entre outros meios.
Todavia, não se pode perceber o mesmo expediente na sociedade civil. Raríssimas são as iniciativas tomadas pelo cidadão para se aproximar do poder público. Como exemplo de iniciativas tomadas pelo cidadão podemos citar o Movimento Nossa BH, Transparência Brasil e também o Projeto Meu Deputado. Todas essas iniciativas, no entanto, por mais válidas que sejam só começarão a produzir efeito quando a mentalidade política do brasileiro mudar. A partir do momento que nós nos sentirmos responsáveis pelo futuro do país e começarmos a fazer uso de nossos direitos políticos não somente na hora da eleição, mas também nos quatro anos que se seguem a ela, poderemos dizer que o Estado Democrático de Direito, definido por Habermas como “uma ordem desejada pelo próprio povo e legitimada pelo livre estabelecimento da vontade desse mesmo povo,” existe de fato e de direito no Brasil.