ELEIÇÕES INDIRETAS FORTALECEM A AGENDA DE REFORMAS IMPOSTA PELA ELITE FINANCEIRA
Reportagem de Helena Borges, para o The Intercept Brasil.
A IMPRENSA TRADICIONAL não entrou no coro pelas diretas (de novo), mas abraçou a saída de Temer. E o faz de tal forma que já especula quais seriam os nomes para sua substituição, inclusive com cotação atualizada em tempo real. Apesar de serem vários os “pré-candidatos” elencados para possíveis eleições indiretas, salta aos olhos o fato de todos apresentarem um único discurso sobre as reformas trabalhista e da Previdência: o da necessidade da aprovação e do seguimento dos trabalhos. De Cármen Lúcia a Rodrigo Maia, todos se mostram afinados com a agenda econômica “pró-mercado” de redução do Estado, aquela que segue os interesses da elite financeira.
Mais do que listar os nomes cotados para uma possível retirada de Temer, é importante analisar o que eles representam. “Qualquer nome que se considere agora, temos de pensar que não são nomes soltos, são nomes que fazem parte de acordos para manter, ou não, determinadas agendas”, observa Flávia Biroli, cientista política e professora da Universidade de Brasília (UnB). Ela pontua que todos os nomes levantados defendem que se mantenha a agenda que ela chama de “desmonte do Estado e dos direitos adquiridos pela Constituição de 88”:
“Com a crise política, temos uma indefinição dos grupos partidários, mas não uma indecisão dos interesses colocados. Existe uma agenda de desmonte do Estado que Temer vinha cumprindo. Está claro que algo aconteceu no meio do caminho, mas só com o tempo entenderemos o quê.”
E os indicados são…
No momento em que a palavra “governabilidade” volta a estampar manchetes, surge a lista dos potenciais candidatos para uma potencial eleição: Rodrigo Maia, Henrique Meirelles, Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Cármen Lúcia e Tasso Jereissati.
Maia é o presidente da Câmara e tem trabalhado ao máximo para aprovar as reformas. Meirelles é o pai das reformas e já afirmou que está disposto a seguir com elas mesmo se Temer não permanecer no poder. Mendes é defensor das reformas, notadamente da “modernização da legislação trabalhista”, que já chamou de “engessada e obsoleta”. Jobim é sócio do banco BTG Pactual, postula pela diminuição da máquina pública e por uma estratégia agressiva a favor da Reforma da Previdência, como se pode observar no vídeo abaixo:
Cármen Lúcia, apesar de historicamente se posicionar como parte do Judiciário — em suas palavras, um espaço que “não é político” —, tem tido um comportamento cada vez mais politizado. Sobre indiretas ou diretas, defendeu que se siga a Constituição (que prevê eleições indiretas em caso de vacância da Presidência nos dois últimos anos do mandato), “ou vamos ter mais problemas”. A presidente do STF se encontrou com Rodrigo Maia fora da agenda oficial no dia 23 de maio para falar de benefícios fiscais concedidos a empresas. Antes, porém, no início do mesmo mês a ministra se reuniu com 11 grandes empresários para falar das reformas e da conjuntura econômica nacional. Esta foi sua segunda reunião com o empresariado, a outra foi feita em janeiro.
Jereissati, foi alçado a presidente interino do PSDB após o então presidente nacional do partido, Aécio Neves (PSDB-MG), ser afastado das funções de senador pelo Supremo Tribunal Federal. Aécio é acusado de receber R$ 2 milhões em propina da JBS. Ex-governador do Ceará, Jereissati preside também a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que analisa e debate as reformas. Ele tem imprimido força para agilizar as discussões e aprová-las logo. Seu envolvimento com o empresariado é congênito: a Jereissati Participações S.A., holding de seu irmão Carlos, controla empresas como a rede shopping centers Iguatemi, a La Fonte Telecom S.A, o Grande Moinho Cearense e que tem grande parte das ações da Oi.
Outras personalidades apontadas como potenciais candidatos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foram tidas como menos prováveis em análises feitas por The Intercept Brasil com cientistas políticos e nos bastidores do Congresso. São nomes que carregam uma oposição muito forte entre os parlamentares e que teriam poucas chances de eleição.
O professor Ernani Carvalho, da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), está em Paris participando do seminário “Quelle droite a pris le pouvoir au Brésil?” (“Qual direita tem tomado o poder no Brasil?”), que debate as mudanças na agenda do país desde a saída de Dilma Rousseff. Ele falou ao The Intercept Brasil sobre os possíveis candidatos em caso de afastamento de Temer:
“No atual cenário do país, é bem provável que os nomes Rodrigo Maia, Henrique Meirelles e Tasso Jereissati sejam realmente os que, no primeiro plano, estariam cotados para exercer essa segunda presidência-tampão”.
Ele descarta Gilmar Mendes e Cármen Lúcia por achar difícil que abandonem posições tão importantes na Suprema Corte por “pretensões eleitoreiras”. Já Nelson Jobim, ex-ministro do STF, teria mais chances. Mas Carvalho acredita que o nome será de alguém que já está ativo na política: “É um jogo que hoje está muito mais dentro do Congresso Nacional do que fora dele. As lideranças de fora do Congresso têm importância e apitam muito, mas é pouco provável que saia algum candidato do ambiente externo ao Congresso”.
PORÉM, NÃO NOS PRECIPITEMOS. Todos estes nomes listados e debatidos, no entanto, devem levar em conta que, caso de fato Temer saia, o Congresso passará por uma reconfiguração. Será necessário, a quem quer que seja, costurar alianças caso queira aprovar as reformas que já são reprovadas por 71% da população. “Não sei se eles teriam disposição, composição política e tempo para isso”, avalia Adriano Oliveira, professor de ciência política da UFPE.
Oliveira ainda pontua que existe uma precipitação por parte da mídia e de analistas políticos em já considerar Temer como carta fora do baralho. Em seu ponto de vista, Temer vem dado sinais de que se agarra ao posto (e com mãos de ferro):
“O que observo da semana passada até hoje são movimentos que permitem a Temer se fortalecer. Ele fez dois pronunciamentos à nação onde demonstrou proteger a classe política da Lava Jato, demonstrou ter vontade e disposição para manter as reformas que o mercado exige. Colocou o exército nas ruas como uma mensagem às manifestações contrárias a ele e, por fim, nomeou um novo ministro da Justiça que fez declarações contra a Lava Jato.”
Para o cientista político, o mercado financeiro ainda não bateu o martelo sobre a saída de Temer, sob o risco de maior instabilidade caso o país troque novamente de presidente. “No final, vai ocorrer um processo de negociação política e avaliação do setor produtivo. Desde a semana passada o presidente encaminhou uma mensagem para esse setor produtivo e vejo certa paciência por parte deste setor, no momento”, pontua Oliveira.
Já Carvalho acredita que a tendência mais forte é em acreditar na saída de Temer. Ainda assim, ele não descarta a possibilidade de uma reviravolta que mantenha Temer no poder:
“Se os custos potenciais para a escolha de uma sucessão de Temer forem mais altos do que mantê-lo aos trancos e barrancos à frente da Presidência — mesmo ele estando com sérios problemas com a Lava Jato e se pondo uma dúvida muito grande sobre a possibilidade de ele conseguir conduzir as reformas estruturais as quais se prestou a fazer — há a possibilidade de reversão.”
SOBRE A CABEÇA DE TEMER ainda pairam duas ameaças. A primeira é o julgamento da chapa Dilma-Temer que voltará ao Tribunal Superior Eleitoral no próximo dia 6. Uma cassação pelo TSE seria a forma mais rápida e “menos traumática” de afastamento do presidente, segundo analistas. Ao que tudo indica, no entanto, é mais provável que algum dos ministros faça um pedido de vista na próxima terça. Assim, o julgamento seria novamente adiado, dando mais tempo de permanência a Temer e abrindo espaço para acalmar os ânimos da opinião pública. A aposta nos pedidos de vista se dá porque dois dos sete ministros, Admar Gonzaga e Tarcísio Neto, foram empossados há menos de um mês.
O próprio ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, amigo pessoal de Temer e um dos cotados como “possíveis candidatos” para sua substituição, afirmou esta semana ser “absolutamente normal” o pedido de vista, tratando-se de um processo de alta complexidade. Mendes também disse que “não cabe ao TSE resolver crise política”.
A segunda ameaça é uma possível delação do deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Ele ficou conhecido como o “deputado da mala” por ter sido flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil de executivos da JBS. Segundo os delatores da empresa, o dinheiro seria um suborno para que o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não fizesse delação premiada. Uma delação de Loures colocaria Temer em risco por se tratar de um de seus principais assessores.
O novo advogado de Loures, Cezar Bitencourt, assumiu o caso na segunda, 29, dizendo que delação seria “o último recurso”. Antes disso, o responsável por sua defesa era José Luís de Oliveira Lima, que também defendeu um dos executivos da empreiteira Galvão Engenharia e o sócio da OAS José Adelmario Pinheiro Filho (Léo Pinheiro) no âmbito da Lava Jato. Ambos fizeram delações.
Nesta terça, 30, Loures — que estava na corda bamba desde o fim de semana — perdeu o cargo de deputado. Na Câmara, ele é suplente do ex-ministro da Justiça, Osmar Serraglio, que rejeitou o cargo de ministro da Transparência para voltar ao seu assento no Congresso. Fora do cargo, Loures perde também o foro privilegiado.
Isso não necessariamente tira do STF o inquérito do qual ele é parte — que envolve Temer e o senador Aécio Neves, ambos com foro privilegiado. Caberá ao relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, decidir se o encaminhamento segue no STF ou se passa a parte relativa a Loures para as mãos do juiz Sergio Moro. Indo para Moro, a pressão por uma delação aumenta.
Nas palavras do professor Adriano Oliveira, da UFPE, “o momento é de esperar, mas mantendo-se atento aos eventos”. Neste raro momento de calmaria em Brasília, parece se aproximar novamente uma tempestade perfeita.
Fonte: The Intercept Brasil.