A bancada cristã na Câmara Municipal de Belo Horizonte
Texto de Luiz Morando, publicado originalmente em “Resista! Observatório de Resistências Plurais”
Candidatos que proferem declaradamente uma religião cristã e constroem uma plataforma política sustentada por esse discurso começaram a ser eleitos no Brasil, de modo mais orgânico, no começo dos anos 1970. A princípio timidamente, já nos anos 1980 começaram a se fortalecer nas duas casas legislativas da cidade do Rio de Janeiro e algumas outras capitais. Desde o início dessa trajetória, esses candidatos se situam majoritariamente no campo cristão (neo)pentecostal.
Notadamente, esse campo se organizou para defender interesses da corporação religiosa; apresentar projetos de lei que ‘protejam’ pretensos valores da moral e dos costumes sob a perspectiva religiosa; perseguir e censurar denominações religiosas não cristãs; confrontar direitos sexuais, sociais, humanos e civis adquiridos nas últimas décadas; combater uma linha progressista e de esquerda na política brasileira. Em suma, possuem um discurso conservador e repressor, situado no campo da (ultra)direita.
Atualmente, parece ser inescapável que cada casa legislativa do país tenha sua bancada cristã. No dia 4 de setembro passado, essa bancada foi constituída informalmente na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), conforme o boletim informativo divulgado pelo pastor-vereador Jair Di Gregório (PP). Nesse material, fica-se sabendo que dos 41 vereadores, 27 (65%) foram anunciados como seus integrantes desse grupo, sob a liderança de Gregório. O objetivo declarado desse grupo cristão de parlamentares municipais é lutar por projetos em defesa da família e evitar que propostas contrárias tramitem na Casa. Leia-se aí, da perspectiva deles, sobretudo projetos que envolvam a teoria de gênero e direitos da população LGBTQIA.
Então, vejam como ficou composta a bancada cristã de 27 vereadores – seus nomes e respectivos partidos:
Álvaro Damião e Bispo Fernando Luiz (PSB);
Autair Gomes (PSC);
Bim da Ambulância, Juninho Los Hermanos e Pastor Henrique Braga (PSDB);
Carlos Henrique e Cláudio da Drogaria Duarte (PMN);
Catatau da Itatiaia (PSDC);
Eduardo da Ambulância, Flávio dos Santos e Wellington Magalhães (Podemos/ex-PTN);
Elvis Côrtes (PSD);
Fernando Borja e Orlei (Avante/ex-PT do B);
Hélio da Farmácia, Osvaldo Lopes e Wesley Autoescola (PHS);
Irlan Melo (PR);
Jair Di Gregório (PP);
Jorge Santos e Marilda Portela (PRB);
Juliano Lopes (PTC);
Léo Burguês (PSL);
Pedrão do Depósito (PPS);
Reinaldo Preto Sacolão (DEM);
Repórter Rafael Martins (PMDB).
Alguns aspectos merecem destaque:
- Belo Horizonte tem uma população estimada de 2,5 milhões de habitantes. O total de eleitores belo-horizontinos aptos a votar nas eleições de 2016 foi 1.911.142. Os integrantes da bancada cristã foram eleitos com 184.021 votos nominais. Ou seja, tal bancada reunida recebeu apenas 9,63% dos votos!!! Os três mais votados foram: Wellington Magalhães (13.191 votos), seguido de Juninho Los Hermanos (12.866 votos) e Bispo Fernando Luiz (12.645). Os três menos votados foram: Osvaldo Lopes (3.018 votos), e Wesley Autoescola (3.341 votos) e Leo Burguês (3.519 votos).
- quando vistos pelo prisma das coligações partidárias, a distribuição acima assume a seguinte configuração:
PSDB/PRB – Bim da Ambulância, Juninho Los Hermanos, Pastor Henrique Braga, Jorge Santos e Marilda Portela
PR/PSDC – Catatau da Itatiaia e Irlan Melo
PMDB/PSC – Autair Gomes e Repórter Rafael Martins
PSL/SD – Leo Burguês
Com esses dois primeiros dados, pode se perceber que não basta votar no candidato em si. É necessário entender em que partido ele está e de qual coligação ele faz parte, pois mesmo com poucos votos ele pode ser eleito. No processo eleitoral vigente no Brasil, o que vale são os votos do partido/coligação. Assim, é importante saber quais partidos e coligações compõem essa bancada cristã para evitar votar novamente neles.
- quinze vereadores foram eleitos pelo quociente partidário (QP) e outros doze foram eleitos por média.
O cálculo do quociente eleitoral (QE), do quociente partidário (QP) e da eleição por média é apresentado no site <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Setembro/saiba-como-calcular-os-quocientes-eleitoral-e-partidario-nas-eleicoes-2016>. Esses referentes estão baseados nos votos válidos. A eleição por média é uma espécie de ‘repescagem’ feita quando o quociente partidário não consegue preencher o número de vagas destinadas ao partido ou coligação, o que acaba por caracterizar certa distorção no processo eleitoral. Candidatos com número minguado de votos e baixa representatividade acabam sendo eleitos.
- desse universo de 27 vereadores, 16 cumprem primeiro mandato: Álvaro Damião, Bispo Fernando Luiz, Carlos Henrique, Catatau da Itatiaia, Cláudio da Drogaria Duarte, Eduardo da Ambulância, Fernando Borja, Flávio dos Santos, Hélio da Farmácia, Irlan Melo, Jair Di Gregório, Jorge Santos, Marilda Portela, Osvaldo Lopes, Pedrão do Depósito, Repórter Rafael Martins, Wesley Autoescola.
- na bancada cristã da CMBH, dez vereadores são declaradamente professos e atuantes em religiões (neo)pentecostais: Autair Gomes e Henrique Braga são pastores da Igreja do Evangelho Quadrangular; Fernando Luiz e Jorge Santos são bispos na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD); Elvis Côrtes é pastor da Igreja Batista Missionários do Avivamento; Fernando Borja participa da gestão da Igreja Batista da Lagoinha; Jair Di Gregório é pastor na Assembleia de Deus; Juliano Lopes, Juninho Los Hermanos e Marilda Portela são membros da Igreja Batista.
- Marilda Portela é a única vereadora nessa bancada. Além disso, ela guarda outra peculiaridade: é esposa do pastor-deputado federal Lincoln Portela (PRB) e mãe do pastor-deputado estadual Léo Portela (PRB). Léo Portela é autor do projeto Escola sem Partido na ALMG. Ou seja, já temos construída uma dinastia familiar de legisladores religiosos em Minas!
- coincidentemente, todos os vereadores dessa bancada são visivelmente brancos e, conforme biografia no site da CMBH, pertencem majoritariamente à classe média/média alta.
- com relação ao total de recursos financeiros arrecadados para a campanha de 2016, conforme dados registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – o que não significa que sejam dados totalmente correspondentes à realidade –, a campanha mais cara foi a de Wellington Magalhães (R$454.404,00), seguido de Álvaro Damião (R$355.879,93) e Leo Burguês (R$318.779,31). As mais baratas foram as campanhas de Osvaldo Lopes (R$1.500,00), seguido de Eduardo da Ambulância (R$13.247,90) e Flávio dos Santos (R$17.242,15).
- conforme levantamento do jornal O Tempo, de 26 de novembro passado, alguns vereadores declararam interesse em se candidatar a um cargo parlamentar mais alto nas eleições de 2018. Da bancada cristã mapeada acima, são os seguintes: Bim da Ambulância, Catatau da Itatiaia, Cláudio da Drogaria Duarte, Fernando Borja, Jair Di Gregório, Reinaldo Preto Sacolão pretendem uma vaga como deputado estadual. Elvis Côrtes, Juninho Los Hermanos e Wellington Magalhães pretendem uma vaga como deputado federal. Juliano Lopes está indeciso entre a Assembleia Estadual, a Câmara dos Deputados e o Senado.
Se ainda não sabemos em quem votar, pelo menos já sabemos contra quem fazer propaganda.
Os deputados estaduais também não se organizaram formalmente em uma bancada cristã. Mas é possível mapear entre aqueles 77 parlamentares, os que enviesam nitidamente para uma bancada cristã informal. Em breve, o Resista! divulgará esse mapa.
Agradeço a imensa colaboração do Samuel Araújo na reunião de dados, preparação do mapeamento e colaboração na análise desse material.
Fonte: texto de Luiz Morando, publicado originalmente em “Resista! Observatório de Resistências Plurais”
Nota: textos assinados não representam, necessariamente, a opinião do Nesp. São publicados como forma de promoção do debate, acerca de temas de interesse social e político.