8 de março: Presidiárias no Brasil: jovens, negras, mães, pobres e invisíveis

Por: Patricia Moribe

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Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia).Luiz Silveira/Agência CNJ

 

A população feminina nos presídios brasileiros aumentou quase 700% em 16 anos, segundo dados de 2016 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça. Ou seja, 44.721 mulheres presas no país. Como vive essa população invisível, composta em grande parte por mães, negras, pobres, jovens e moradoras de periferias?

Durante o último Carnaval, em meio a notícias de desfiles engajados e muita alegria de blocos, uma notícia ganhou as redes sociais. Mais especificamente, a de uma mulher presa com um bebê recém-nascido em Franco da Rocha, Grande São Paulo.

Jéssica Monteiro, então grávida de nove meses, foi detida em flagrante por tráfico de drogas. Mãe de outra criança de três anos, sem passagem pela justiça, ela teve os pedidos de relaxamento do flagrante e de prisão domiciliar negados. Deu à luz e foi fotografada na cela, junto com o bebê de dois dias.

A imagem provocou críticas e mobilizações. E tirou um pouco a mulher fantasiada das avenidas e a colocou numa realidade mais sombria e frequente, a da encarcerada, privada de liberdade e com direitos ignorados.

 

A crueldade da lei que não é cumprida

O Supremo Tribunal Federal (STF) acabou intervindo diante da repercussão do caso de Jéssica e concedeu um habeas corpus determinando que mulheres grávidas ou que tenham filhos de até 12 anos, fossem transferidas para prisão domiciliar. A decisão beneficia apenas presas que ainda esperam julgamento.

“Na verdade, foi aplicado o que já estava previsto em lei”, explica a advogada e pesquisadora Raíssa Belintani, que atua no Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), organização de defesa dos direitos humanos fundada em 1997 que tem como objetivo erradicar a desigualdade de gênero, garantir direitos e combater o encarceramento.

“Temos hoje a lei n. 13.257/2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, que trouxe alterações no Código de Processo Penal e mudou o caráter de aplicação da prisão para mulheres que são mães, gestantes ou que têm dependentes. Esse habeas corpus foi um pedido de liberdade coletiva, para mulheres presas atualmente nessa situação”, diz Raissa. “Foi preciso chegar ao mais alto grau da hierarquia da justiça no Brasil para obter essa ordem de aplicação de algo já previsto por lei”.

“No Brasil, o encarceramento feminino está muito ligado ao problema das drogas”, explica Maria Clara D’Ávila, também advogada do ITTC. “Elas não estão necessariamente no tráfico, mas são mulas, pequenas traficantes ou mesmo usuárias”, acrescenta.

Machismo, abusos, torturas

Esse é só o começo da via crucis de uma mulher que vai para a cadeia. “Há ainda a reprodução de toda a sistemática machista no mundo da prisão, elas são punidas de diversas formas em todas as etapas da justiça criminal”, relata Maria Clara D’Avila. “Durante a abordagem policial, elas são frequentemente vítimas de revistas vexatórias, íntimas. Sofrem abusos dos policiais, torturas, ofensas psicológicas e físicas, recebem xingamentos e discriminações, sempre ligados ao gênero, ameaças e violências sexuais efetivas”, acrescenta.

E não para por aí, pois além da questão ligada ao gênero, o encarceramento feminino também é fortemente influenciado pelo racismo e classe social. “Duas em cada três mulheres presas no Brasil são negras”, lembra Maria Clara. “Quando a mulher é presa, toda a rede familiar sofre, as penas impostas às mulheres se estendem à família. Os filhos são outro grupo muito invisibilizado. Além disso, são abandonadas pelos parceiros, não recebem visitas e, muitas vezes, não têm direito a visitas íntimas”, explica a advogada.

“Os números oficiais, de 2014 e 2017, confirmam uma realidade”, diz Raíssa Belintani, “a de que a grande maioria das encarceradas é a mulher negra, periférica, muitas vezes é mãe, jovem, de baixa renda e baixa escolaridade”.

Acesso limitado à justiça

Quanto ao acesso à justiça, é algo complicado, lamenta Belintani: “Há algumas instituições dedicadas ao atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade, como a defensoria pública, mas que não está presente em todos os estados, em todas as cidades, dificultando o acesso à justiça; além de, muitas vezes, não terem estrutura suficiente para corresponder à demanda”.

“Há convênios da defensoria com advogados, com instituições para auxiliar de forma gratuita, mas não é suficiente. Muitas vezes as mulheres não sabem o que está acontecendo nos próprios processos, não têm acesso aos documentos e acabam voltado ao cárcere porque não foram devidamente instruídas. O acesso à justiça no caso de populações vulneráveis no Brasil, especialmente de mulheres encarceradas, é muito deficitário”, relata Raíssa Belintani.

Em 2017, o ITTC fez um grande levantamento sobre o perfil da mulher encarcerada no Brasil, o relatório Mulheres em Prisão. Os órgãos estatais responsáveis pela administração penitenciária foram instados a informar qual o número de mulheres presas que poderiam se encaixar nas características do marco legal da primeira infância, ou seja, que pudessem ser beneficiadas pela prisão domiciliar ou mesmo responder ao processo em liberdade.

Esperança em momento político turbulento

Levantou-se que pelo menos 4.560 mulheres no Brasil poderiam ser beneficiadas pela previsão legal. “Só em São Paulo, para se ter uma ideia, seria possível ter duas prisões esvaziadas”, compara Raissa. “O Brasil está vivendo um momento político muito complicado, de grande conservadorismo, e uma decisão do STF que dá visbilidade a uma questão tão delicada, é um sinal de esperança”, diz.

O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania tem outros projetos ligados à redução da população carcerária feminina, com apoio a estrangeiras, egressas (suporte prático para as que voltam à vida fora do cárcere), lidando também com questões de gênero e drogas.

Fonte: RFI