Assassinato de Marielle escancara a violência institucional brasileira
“Mulher negra, cria da Maré e defensora dos Direitos Humanos.” A vereadora Marielle Franco, assassinada na noite de quarta-feira no Rio, aos 38 anos, se descrevia desta maneira nas redes sociais, pontuando em primeiro lugar sua cor e gênero; sua origem, nascida e criada no conjunto de favelas do Complexo da Maré, na zona norte do Rio; e a missão que escolheu seguir na política.
Segundo reportagem da BBC Brasil, Marielle nasceu e cresceu no Complexo da Maré, e saiu do curso de pré-vestibular comunitário para a graduação em ciências sociais na PUC-Rio, universidade particular onde ela e outra colega eram as únicas mulheres negras do departamento. Para fazer o curso, teve 100% de bolsa.
Aos 19 anos, se tornou mãe de uma menina, Luyara. “Isso me ajudou a me constituir como lutadora pelos direitos das mulheres e debater esse tema nas favelas”, descreveu na biografia de seu site.
Mais tarde, completou o mestrado em administração pública na Universidade Federal Fluminense (UFF), defendendo a dissertação com o título “UPP: a redução da favela a três letras”.
“Ela sempre foi uma pessoa muito forte, entendendo seu papel de lutar pela galera da favela, entendendo que a favela faz parte da cidade e que a gente precisava criar uma outra narrativa entre a favela e a cidade, e garantir os direitos dos moradores”, diz a pedagoga Shyrlei Rosendo, coordenadora do setor de mobilização do eixo de segurança publica da ONG Redes da Maré.
Shyrlei conhecia Marielle desde que ela era uma jovem universitária e trabalhava como secretária do pré-vestibular do Centro de Ações Solidárias da Maré (CEASM).
“Ela era uma pessoa muito forte. Uma figura que não levava recado para casa. Isso era muito marcante. Sempre muito firme nos seus objetivos, sabendo o que queria, mas também sabendo escutar as pessoas e dialogar.”
Hoje, ela diz que a comunidade está triste e atordoada. Para além dos elogios à atuação da vereadora, Shyrlei ressalta o significado político de sua morte “diante da conjuntura de retrocesso de direitos que estamos vivendo”.
“A cidade tem que se perguntar o que a morte da Marielle significa”, afirma.
“Mexer com direitos humanos é uma agenda muito delicada. A Marielle sabia onde ela estava entrando. Mas não imaginava que iria morrer por isso. Ninguém imagina.”
Do pré-vestibular comunitário, Marielle foi trabalhar na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), coordenada pelo deputado federal Marcelo Freixo – que teve papel decisivo em sua carreira.
Na quarta-feira, Marcelo Freixo foi à cena do crime e se emocionou. “Ela era cria nossa”, disse. “Eu conheci a Marielle muito jovem, trabalhou dez anos na minha equipe. Era uma figura extraordinária. Isso é inadmissível. É um absurdo”, afirmou, considerando haver sinais de execução no assassinato.
Para o filósofo Vladimir Safatle, em artigo nesta sexta (16/03) na Folha de São Paulo, “quem cometeu tal crime sabe que pode contar com a segurança e a impunidade de quem faz parte de um Estado dentro do Estado, de quem tem carta branca para usar a violência sem temer suas consequências. Quem cometeu tal crime não quis apenas assassinar uma vereadora combativa. Quis também atemorizar qualquer um que queira ocupar seu lugar, agir da mesma forma, impondo com isso um sentimento generalizado de impotência e de paralisia diante da violência de Estado. Por isso, esse assassinato é o modo normal de funcionamento do sistema brasileiro. É assim que se governa no Brasil: usando impunemente a violência policial, assassinando políticos quando necessário, atirando contra manifestantes, executando cidadãs e cidadãos pobres e vulneráveis.”
Para Frei Betto, “os tiros que ceifaram a vida de Marielle atingem todos nós que lutamos para que, nas palavras de Jesus (João 10, 10), “todos tenham vida e vida em plenitude. A morte dos mártires comprova que em vão a injustiça busca predominar sobre a justiça. Gandhi, Luther King, Chico Mendes são apenas alguns exemplos de como os mortos comandam os vivos. (…) Marielle é, hoje, uma mulher insepulta. Seu exemplo de vida, seus ideais políticos, sua garra em prol das comunidades marginalizadas nas favelas e das crianças e jovens excluídos de direitos básicos como educação, haverão de perdurar em todos nós que fizemos da vida oferenda destemida para que todos tenham vida.”
Não é só Marielle: conheça mais 24 casos de lideranças políticas mortas nos últimos quatro anos
O site Opera Mundi publicou um texto chamando a atenção para um fato alarmante: desde 2014, ao menos outros 24 líderes comunitários, ativistas e militantes políticos foram evidentemente executados em diferentes regiões do Brasil. O levantamento não inclui mortes suspeitas de lideranças nem trabalhadores que não tinham, pelo menos de forma evidente, papel político de liderança. Usando esses dois critérios adicionais, a lista chegaria a centenas de nomes.
O historiador Fernando Horta, doutorando na Universidade de Brasília, reuniu uma lista dessas vítimas. Opera Mundi conta um pouco da história destes militantes, executados por conta dos trabalhos que desenvolviam por suas comunidades.
Marielle Franco, vereadora no Rio de Janeiro pelo PSOL – 15.mar.2018
A socióloga, ativista dos movimentos feminista e negro, foi executada no centro da capital fluminense. Marielle, a quarta vereadora mais votada na cidade, atuava na comunidade da Maré, onde morava, e, na semana anterior a sua morte, denunciou a violência e os abusos policiais no bairro de Acari. Leia mais aqui.
Paulo Sérgio Almeida Nascimento, líder comunitário no Pará – 12.mar.2018
Nascimento era um dos líderes da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama). Segundo a Polícia Civil, ele foi alvejado por disparos do lado de fora de casa, na cidade de Barcarena. Nascimento era atuante nas denúncias contra a refinaria Hydro Alunorte, responsável pelo vazamento de dejetos tóxicos nas águas da região no começo do mês. Leia mais aqui.
George de Andrade Lima Rodrigues, líder comunitário em Recife – 23.fev.2018
Rodrigues foi encontrado com marcas de tiros e um arame enrolado no pescoço, após três dias de buscas. O corpo dele foi achado em um matagal às margens de uma estrada de terra. Ele havia sido sequestrado por quatro homens que se diziam policiais. Leia mais aqui.
Carlos Antônio dos Santos, o “Carlão”, líder comunitário no Mato Grosso – 07.fev.2018
Carlão era um dos líderes do Assentamento PDS Rio Jatobá, em Paranatinga, no Mato Grosso, e foi morto a tiros, por homens em uma motocicleta, em frente à prefeitura da cidade. Ele estava dentro de um automóvel com a filha e a esposa, que chegou a ser atingida de raspão. Carlão já havia feito várias denúncias à polícia de que estava sendo ameaçado. Leia mais aqui.
Leandro Altenir Ribeiro Ribas, líder comunitário em Porto Alegre – 28.jan.2018
Ribas era líder comunitário na Vila São Luís, ocupação da zona norte da capital gaúcha. Ele havia deixado de dormir em casa desde alguns dias antes por conta da guerra entre traficantes da região. No dia em que foi assassinado, voltou à vila para pegar roupas, mas acabou sendo morto. A polícia suspeita de que Ribas tenha sido executado pelos criminosos ao se apresentar como líder da comunidade e questionar as ações do grupo. Leia mais aqui.
Márcio Oliveira Matos, liderança do MST na Bahia – 24.jan.2018
Matos era um dos integrantes mais novos da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e morava no Assentamento Boa Sorte. Aos 33 anos, foi morto em casa, com três tiros, na frente de seu filho. Leia mais aqui.
Valdemir Resplandes, líder do MST no Pará – 9.jan.2018
Conhecido como ‘Muleta’, Resplandes foi executado na cidade de Anapu, no Pará. Ele conduzia uma moto e foi parado por dois homens. Um deles atirou pelas costas; já no chão, o ativista foi alvejado na cabeça. A missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada na mesma cidade, em 2005. Leia mais aqui.
Jefferson Marcelo do Nascimento, líder comunitário no Rio – 04.jan.2018
Nascimento era líder comunitário em Madureira e foi encontrado com sinais de enforcamento um dia após desaparecer. Ele havia feito uma série de denúncias contra uma quadrilha de milicianos dias antes de ser executado. Leia mais qui.
Clodoaldo do Santos, líder sindical em Sergipe – 14.dez.2017
Santos era líder do Movimento SOS-Emprego de Sergipe e foi baleado na cabeça por dois homens que foram à sua casa com a desculpa de entregar um currículo. Após orientar os criminosos a entregarem o documento diretamente à empresa que construía uma termoelétrica na região, o dirigente foi alvejado. Leia mais aqui.
air Cleber dos Santos, líder de acampamento no Pará – 22.set.2017
Santos foi alvo de um ataque a tiros na companhia de outros quatro trabalhadores rurais. O acusado do assassinato é o gerente de uma fazenda ocupada por trabalhadores ligados à Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará). A polícia esteve no local momentos antes e os trabalhadores que estavam lá acusam-na de ter facilitado a fuga do gerente e de outros pistoleiros. Leia mais aqui.
Fabio Gabriel Pacifico dos Santos, o “Binho dos Palmares”, líder quilombola na Bahia – 18.set.2017
Binho, como era conhecido, era líder do quilombo Pitanga dos Palmares, na cidade de Simões Filho, Bahia. Ele havia acabado de deixar o filho na escola e seguia para o enterro de uma amiga quando foi abordado por homens em um carro. Um deles desceu do veículo e atirou várias vezes na direção do líder. Leia mais aqui.
José Raimundo da Mota de Souza Júnior, líder do Movimento dos Pequenos Agricultures (MPA) na Bahia – 13.jul.2017
O quilombola Souza Júnior era defensor da agroecologia e educador popular. Momentos antes do crime, o líder camponês havia sido procurado por dois homens em casa. Ele foi baleado enquanto trabalhava na roça com o irmão e um sobrinho. Leia mais aqui.
Rosenildo Pereira de Almeida, o “Negão”, líder comunitário da ocupação na Fazenda Santa Lúcia, no Pará – 8.jul.2017 – O líder camponês, ligado ao MST, foi morto na cidade de Rio Marias, próxima à fazenda. Ele havia ido ao local para se esconder após reiteradas ameaças de morte. ele foi executado por dois motoqueiros com três tiros na cabeça. Leia mais aqui.
Eraldo Lima Costa e Silva, líder do MST no Recife – 20.jun.2017
Costa e Silva, de 57 anos, estava em casa, em uma ocupação na zona norte do Recife, quando homens armados o arrastaram para fora e o executaram às margens da BR-101, com quatro tiros. Leia mais aqui.
Valdenir Juventino Izidoro, o “Lobó”, líder camponês de Rondônia – 4.jun.2017
Lobó foi morto com um tiro a queima roupa em um acampamento em Rondominas, Rondônia. Ele liderava um grupo de sem-terra em ocupações na região. Leia mais aqui.
Luís César Santiago da Silva, o “Cabeça do Povo”, líder sindical do Ceará – 15.abr.2017
Silva tinha 39 anos quando foi executado em uma estrada no município de Brejo Santo (CE). Ele era membro do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem (Sintepav-CE) e com militância ativa nas obras do porto de Pecém. Leia mais aqui.
Waldomiro Costa Pereira, líder do MST no Pará – 20.mar.2017
Pereira, que era servidor público e atuante no MST, foi morto dentro do Hospital Geral de Parauapebas, no Pará. Cinco homens armados renderam seguranças e foram até a UTI, onde atiraram no ativista. Ele estava internado após ser atacado em seu sítio, em Eldorado dos Carajás. Leia mais aqui.
João Natalício Xukuru-Kariri, líder indígena em Alagoas – 11.out.2016
Liderança história dos povos indígenas do nordeste, Xukuru-Kariri foi morto a facadas na porta de casa, em uma aldeia indígena em Alagoas. O assassinato ocorreu de madrugada, quando o camponês se preparava para ir trabalhar na roça. Leia mais aqui.
Almir Silva dos Santos, líder comunitário no Maranhão – 8.jul.2016
Santos era líder comunitário da Vila Funil, em São Luiz, e foi executado dentro de casa com tiros na cabeça e nas costas, na frente da mulher, da filha e de vizinhos. O acusado de ter cometido o assassinato teria afirmado, segundo a polícia que matou Santos por não concordar com a construção de uma ponte na comunidade – que atrapalharia o tráfico de drogas ao dar aos policiais acesso fácil ao local. Leia mais aqui.
José Bernardo da Silva, líder do MST em Pernambuco – 26.abr.2016
Silva, de 48 anos, era líder do MST em Pernambuco e estava caminhando com a esposa e uma filha às margens da BR-336 quando uma caminhonete se aproximou. Um dos ocupantes do veículo desceu do carro e atirou contra a vítima. Mulher e filha se esconderam e não ficaram feridas. Leia mais aqui.
José Conceição Pereira, líder comunitário no Maranhão – 14.abr.2016
Pereira tinha 58 anos quando foi morto com um tiro na nuca dentro de casa na capital maranhense. Nada foi levado da casa do líder comunitário, o que reforçou a hipótese de execução. Leia mais aqui.
Edmilson Alves da Silva, líder comunitário em Alagoas – 22.fev.2016
Presidente do asssentamento Irmã Daniela, Silva foi morto a tiros dentro do local. Ele era líder do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), o líder comandava ocupações e denunciava crimes ambientais e desmandos supostamente praticados por fazendeiros do litoral norte do Estado. Leia mais aqui.
Nilce de Souza Magalhães, a “Nicinha”, líder comunitária e membro do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em Rondônia – 7.jan.2016
Nicinha era pescadora e participou de diversas audiências para denunciar a situação de seus vizinhos e danos ambientais. Ela desapareceu em 7 de janeiro e foi assassinada a tiros. Leia mais aqui.
Simeão Vilhalva Cristiano Navarro, líder indígena do Mato Grosso – 1.ago. 2015
O assassinato de Navarro aconteceu durante uma reocupação de terras indígenas por parte dos Guarani-Kaiowá. Uma comitiva de fazendeiros se dirigiu à região e atacaram os indígenas. O ativista foi atingido com um tiro na cabeça quando estava às margens de um córrego procurando pelo filho. Leia mais aqui.
Paulo Sérgio Santos, líder quilombola na Bahia – 6.jul. 2014
Santos era líder quilombola e foi assassinado dentro do acampamento Nelson Mandela, em Helvécia (BA). Ele foi surpreendido por homens armados que chegaram em um carro e desceram atirando. Leia mais aqui.