Como 2018 mudou a forma de fazer política no Brasil?
A campanha de Jair Bolsonaro (PSL) soube usar como nenhuma outra o potencial das redes sociais. Sem dinheiro e estrutura partidária, ele já vinha há pelo menos três anos direcionando esforços para aumentar a sua popularidade nas redes.
A iniciativa ganhou mais robustez a partir da greve dos caminhoneiros, em maio. E com o aumento da presença de Bolsonaro nas redes, também cresceu a disseminação de notícias falsas. Ao longo de 70 dias de campanha, três agências de checagem apontaram que, dos 123 boatos analisados, 104 prejudicavam o petista Fernando Haddad (PT) – e consequentemente beneficiavam Bolsonaro.
Até mesmo a família do presidenciável participou da divulgação de mentiras. Dois filhos do ex-capitão chegaram a divulgar notícias falsas atribuindo a elaboração de um “kit gay” por parte de Haddad à época em que ele era ministro da Educação.
Uma pesquisa Datafolha apontou que quase metade dos eleitores que usam o WhatsApp diz acreditar nas notícias que recebem pelo aplicativo. Para 47%, as informações que chegam são confiáveis.
O problema é que pesquisas apontam que boa parte desse conteúdo não deveria ser digno de confiança. Um levantamento realizado entre 16 de setembro e 7 de outubro que monitorou 347 grupos de WhatsApp de cunho político mostrou que apenas 8% das imagens poderiam ser classificadas como verdadeiras.
O próprio Judiciário admitiu que não estava preparado para lidar com tal volume de fake news. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, chegou a afirmar que desejava “imensamente que houvesse uma solução pronta e eficaz” para combater os boatos. “Nós ainda não descobrimos o milagre.”
Intimidação à imprensa e violência
Casos de violência em eleições não são uma novidade no Brasil, mas este pleito teve casos barulhentos de agressões e até de tentativa de assassinato. Em setembro, Jair Bolsonaro (PSL) foi vítima de um ataque a faca por um homem que apresentava problemas mentais. Em março, uma caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então pré-candidato do PT, foi alvo de tiros quando passava pelo Paraná.
Os casos de violência também foram notáveis entre o eleitorado. Dezenas de casos de agressão por motivações políticas foram registrados pelo país – muitos deles partiram de simpatizantes de Bolsonaro. Na Bahia, um homem foi assassinado após ter declarado voto em Haddad. O próprio Bolsonaro se eximiu inicialmente de condenar as ações.
Ele disse que lamentava a violência, mas que não tinha como controlar seus apoiadores. Os episódios chamaram a atenção das Nações Unidas, que manifestaram preocupação e apelaram para que os líderes políticos condenassem qualquer forma de violência no pleito.
Jornalistas também foram alvo de agressões físicas e linchamentos virtuais ao longo da campanha. Segundo a a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ao longo do ano foram pelo menos 137 casos de agressão em contextos partidários ou políticos.
Destes, 60 envolveram violência física. O restante envolveu casos de assédio pela internet, como a divulgação de fotos e dados de profissionais e disseminação de boatos envolvendo o nome deles, estimulando ataques em massa nas redes.
Candidaturas espartanas
Com a proibição de doações por parte de empresas em 2015, a expectativa é que o novo fundo público de campanhas tivesse papel decisivo no pleito, beneficiando grandes partidos e políticos com mandato. No entanto, o candidato que venceu a corrida presidencial declarou oficialmente ter gasto apenas 2,5 milhões de reais. Um contraste com Dilma Rousseff, que declarou gastos de mais de 300 milhões em 2014.
Jair Bolsonaro também ficou bem atrás nos gastos em relação ao seu adversário no segundo turno, Fernando Haddad (PT) e os principais derrotados na primeira rodada. O petista gastou – combinado com a candidatura barrada do ex-presidente Lula – 53,3 milhões de reais.
O mesmo ocorreu com várias candidaturas ao Congresso. Recursos robustos não garantiram a eleição de diversos candidatos, enquanto nanicos com pouca estrutura e verba acabaram recebendo votações expressivas. Ao contrário de 2014, a maior parte dos partidos com mais recursos também não garantiram bancadas maiores na Câmara. Essa nova tendência atingiu em cheio o PP, MDB, PSDB e PR.
O PSL, que elegeu 52 deputados, teve a eleição “mais barata” para a eleger uma bancada expressiva na Câmara. Foram gastos pouco mais de 7 milhões de reais, ou 142 mil reais por eleito. Já o PP, que elegeu 37 deputados, gastou 64,5 milhões, ou 1,7 milhão de reais por eleito. O deputado federal mais votado de 2018, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), arrecadou cerca de 200 mil reais. Em 2014, o deputado mais votado havia gasto 1,9 milhão de reais.
Padrões similares também ocorreram no Senado. Em Minas Gerais, a campanha fracassada ao Senado da ex-presidente Dilma Rousseff arrecadou 4,2 milhões de reais. Foi praticamente o mesmo valor arrecadado pelos dois candidatos combinados que foram eleitos.
TV perde importância
Em julho, o presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) formou uma aliança com dez partidos. A coligação acumulou 43% de tempo da propaganda na TV no primeiro turno. Logo atrás de Alckmin, o PT acumulou 19% do tempo total no primeiro turno. Henrique Meirelles, do MDB, ficou logo atrás, com 16%.
Desde que foi criado nos anos 1960, o horário eleitoral na TV e no rádio foi encarado por décadas como uma ferramenta fundamental para uma campanha bem-sucedida. Os partidos explicitavam isso direcionando boa parte dos seus recursos com propaganda televisiva. Em 2014, a campanha de Dilma Rousseff direcionou cerca de 80 milhões de reais para a produção de propagandas na TV e no rádio.
No entanto, em 2018, dois candidatos que direcionaram boa parte dos seus recursos para a TV obtiveram resultados pífios no primeiro turno. Alckmin, dono do maior latifúndio televiso, obteve menos de 5% dos votos. Meirelles, 1%. A TV ajudou Fernando Haddad a se tornar mais conhecido e a colar sua imagem em Lula, mas ao final do primeiro turno, o petista ficou atrás de Jair Bolsonaro (PSL), que contava com apenas oito segundos de TV.
Alckmin, por exemplo, somou no primeiro turno seis horas de exposição em cada um dos canais abertos. Não houve efeitos sobre suas intenções. Já Bolsonaro, que acumulou meros 10 minutos, chegou a saltar mais de 10% entre o início e o fim do horário eleitoral no primeiro turno.
No início de outubro, pesquisa Datafolha apontou que o horário eleitoral na TV e no rádio foi apontado como “muito importante” por 33% dos eleitores. Já 40% deles afirmaram que ele não tem nenhuma importância. Foi o menor percentual em uma lista que incluiu itens como “conversa com familiares e amigos” e as “notícias na TV, no rádio e nas redes sociais”.
Uma eleição sem Lula
Desde a volta das eleições diretas em 1989, a influência e o carisma de Lula fizeram parte do cotidiano das eleições nacionais. Ele concorreu diretamente em cinco pleitos. Em dois, teve papel como “grande eleitor” emprestando seu apoio e participando ativamente da campanha do candidato presidencial do PT da vez. Em 2018, no entanto, pela primeira vez Lula não participou diretamente de uma campanha presidencial. Em abril, foi preso.
Cinco meses depois, teve a candidatura à Presidência barrada pela Justiça Eleitoral. Na prisão, se viu impedido de tomar parte em atos de campanha do seu substituto e apadrinhado, Fernando Haddad. Seu papel acabou sendo nos bastidores, longe dos palanques. Lula também não conseguiu emprestar sua imagem a outros candidatos petistas que concorreram ao Congresso e aos governos estaduais.
Sem a presença da sua principal figura e acossado pelo antipetismo de parte do eleitorado, o PT encolheu na Câmara a níveis semelhantes ao que tinha em 1995. No primeiro turno das eleições presidenciais, Haddad ainda teve o pior desempenho de um candidato petista desde 1998. A sigla ainda encolheu no Senado e nas Assembleias estaduais.
Uma nova força nacional
Impulsionado pelo fenômeno Bolsonaro, o PSL, sigla nanica que o candidato se filiou em março, se tornou a segunda maior força na Câmara Federal, com 52 deputados, e elegeu quatro senadores. Antes do pleito, não contava com nenhum senador e tinha eleito apenas um deputado em 2014. O crescimento espantoso da sigla mudou drasticamente a correlação de forças na Câmara. O PSL avançou, sobretudo, sobre o espaço do MDB e do PSDB, siglas que por décadas foram influenciaram decisivamente as pautas do Congresso.
Com essa nova dimensão, o PSL vai se tornar a partir de 2019 uma das siglas mais ricas do país. Vai contar com a maior fatia do fundo partidário e a segunda maior porcentagem do fundo público de campanhas, além do segundo maior tempo de propaganda na TV.
Deixando a condição de nanico, o partido deve chegar com força nas eleições municipais de 2020. Em 2016, o partido elegeu apenas 30 prefeitos pelo país. Levando em conta a divisão do fundo partidário em 2017, o PSL deve passar a receber no mínimo 72 milhões de reais por ano. Em 2017, a parcela do partido mal passou de 6 milhões de reais.
Esse novo quadro ainda pode ter o efeito de atrair para o PSL deputados eleitos por nove siglas menores que não ultrapassaram a nova cláusula de barreira e que ficarão sem acesso ao fundo partidário a partir do ano que vem. Se isso se confirmar, a bancada bolsonarista têm chances de ultrapassar os petistas como maior grupo da Casa em 2019.
Derrota de figurões
A onda de renovação que varreu o Congresso no primeiro turno também atingiu em cheio velhos caciques e figuras conhecidas da política nacional. Entre eles estão nomes do PSDB, PT, MDB e PR.
No MDB, até mesmo o presidente da sigla, Romero Jucá (RR), que atuou como líder dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer, perdeu sua vaga de senador. O mesmo ocorreu com o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) e os senadores Edison Lobão (MDB-MA), Roberto Requião (MDB-PR), Garibaldi Filho (MDB-RN) e Valdir Raupp (MDB-RO), figuras que por décadas tiveram posição de destaque na casa.
Entre os petistas, a lista de derrotados inclui os senadores Jorge Viana (PT-AC), Lindberg Farias (PT-RJ) e outros nomes que pareciam apostas seguras para conquistar uma cadeira, como Eduardo Suplicy (SP) e a ex-presidente Dilma Rousseff (MG).
No PSDB, os derrotados incluem os senadores Cássio Cunha Lima (PB) e Paulo Bauer (SC), além dos ex-governadores Beto Richa (PSDB-RJ) e Marconi Perillo (PSDB-GO), que se lançaram para vagas na Casa. Outros derrotados incluem a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Cristovam Buarque (PPS-DF).
Vários clãs familiares também acumularam derrotas. Roseana Sarney (MDB) fracassou em sua tentativa de se eleger mais uma vez para o governo do Maranhão. Seu irmão, o deputado Sarney Filho, que está no Congresso desde os anos 1980, perdeu uma disputa para o Senado.
No Rio Grande do Norte, pela primeira vez desde os anos 1970, o núcleo central das famílias Alves e Maia ficaram sem representantes no Senado. No Rio de Janeiro, as famílias Cabral e Picciani também viram representantes fracassarem nas urnas.
Derrocada do PSDB e do MDB
Após 24 anos sem lançar à Presidência um candidato próprio, o MDB resolveu apresentar neste pleito o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB). Já o PSDB lançou Geraldo Alckmin, veterano da disputa presidencial de 2006. Filiados a partidos que foram atingidos em cheio pela Lava Jato e associados com o impopular Temer, os dois tiveram desempenho pífio.
Meirelles obteve 1,2%,. Atropelado pela candidatura do direitista Jair Bolsonaro (PSL), Alckmin conseguiu menos de 5% dos votos, de longe o pior desempenho do tucanos desde 1989, quando disputaram sua primeira eleição presidencial.
Para piorar, o mau desempenho dos dois candidatos frente a Bolsonaro se refletiu no Congresso. Em relação à eleição de 2014, o MDB encolheu de 66 para 34 cadeiras na Câmara, recuo de 48%. No Senado, também acumulou uma série de derrotas e vai começar 2019 com 12 senadores, ainda a maior bancada da Casa, mas com seis membros a menos do que a atual.
Nunca o MDB foi tão pequeno em ambas as Casas do Congresso desde os anos 1980. Em dez estados, não elegeu sequer um deputado federal. Uma marca inédita. Nas duas últimas eleições, a sigla sempre conseguiu eleger no mínimo um representante por Estado. Nos pleitos anteriores a 2010, o número de estados sem um deputado federal emedista nunca passou de dois.
Já o PSDB encolheu de 54 para 29 deputados federais em relação ao pleito de 2014 (-46%). Passou de terceira maior bancada para a nona. Ficando atrás do PSD, PR, PSB e PRB (partido ligado à Igreja Universal). Nem mesmo em 1990, dois anos após a sua criação, o PSDB havia conseguido eleger tão poucos deputados. No Senado, mais encolhimento. A sigla deve começar a próxima legislatura com nove senadores, três a menos do que hoje.
Fonte: Jean-Philip Struck, publicada por Deutsche Welle, em 30-10-2018.