Sérgio Adorno: “há 40 anos a política de segurança é a mesma”
O sociólogo Sérgio Adorno, fundador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP (Universidade de São Paulo), busca entender uma pergunta: por qual motivo o fim da ditadura no Brasil não consolidou uma relação entre democracia e direitos humanos? Em seu entendimento, a falta dessa conexão promove alta letalidade policial, ainda como reflexo dos tempos de exceção da ditadura militar.
A reportagem é de Arthur Stabile, publicada por Ponte Jornalismo, em 23-05-2019.
A análise aconteceu durante audiência pública promovida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo e pelo Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) a fim de debater casos e os motivos para o elevado número de pessoas assassinadas por policiais no estado. O encontro ocorre no mesmo dia em que o MP cobrou condenação do Estado pela elevada letalidade e por promover “racismo institucional”.
“Quando acontece uma grave violência de natureza do Estado, ou ele estimula violações e uso abusivo da força policial pelo discurso ou se omite da questão. Há 40 anos a política de segurança é a mesma, com ação mais ou menos dura, mas um fracasso, um ciclo de vingança com sociedade mais insegura, mais medo e aumento nos crimes”, analisa Adorno.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, da Ouvidoria das Polícias de São Paulo e do Instituto Sou da Paz, apresentados no encontro, embasaram sua declaração. Somente no primeiro trimestre de 2019, uma pessoa foi morta por policiais no estado a cada 10 horas. Foram 213 casos neste intervalo contra 197 no mesmo período do ano anterior.
Há dados mais preocupantes apresentados pelo Sou da Paz, baseados em estatísticas das Corregedorias da Polícia Militar e Polícia Civil e da SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo): para cada policial paulista morto, o estado registrou o assassinato de 46 pessoas em 2019. Nos anos anteriores, o total de MDIP (Morte Decorrente de Intervenção Policial) representou 20% do total de homicídios registrados em São Paulo, tanto em 2017 como em 2018.
Houve uma reflexão por parte do sociólogo quanto a repetição de padrões, se isso é fruto de um problema regional de determinados batalhões e integrantes da força de segurança ou, então, transformou-se em uma consolidação institucional das polícias. Para Ana Amélia Mascarenhas, diretora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, há duas explicações.
“A violência policial expressa os males do racismo estrutural da sociedade brasileira e a desigualdade social em que vivemos. Quanto menos direitos a polícia vê que aquela pessoa tem, seja por onde mora ou pela cor de pele, mais violações acontecem. E a sociedade vê uma polícia violenta como mais atenta e vigilante, mas não é verdade”, argumenta Mascarenhas.
O Ouvidor das Polícias, Benedito Mariano reforçou um estudo feito pelo órgão com casos de homicídios cometidos por policiais contra civis em 2017. Naquele ano, 74% das ocorrências apresentaram excesso por parte dos agentes públicos e, em 26%, os laudos indicaram que não houve resistência da vítima nem troca de tiros entre os policiais e os chamados suspeitos.
“São quase 200 casos em que a pessoa não esboçou reação e morreu. Apresentamos 14 recomendações ao governo do Estado em agosto de 2018 (então governado por Márcio França) e reforçamos para o novo governo em fevereiro (já na gestão de João Doria). Inclusive, fizemos a minuta de um decreto, mas, infelizmente, o governo não se manifestou”, lamentou Mariano.
Mariano destacou que apenas 3% das investigações sobre assassinatos cometidos por PM são feitos pela Corregedoria, órgão especializado, enquanto 97% é apurado pelos próprios batalhões e por policiais conhecidos dos investigados. Há quem, em vez de cobrar aprimoramento deste mecanismo, fosse mais extremista e cobrasse o fim da PM.
“Existe desigualdade, racismo e uma estrutura genocida por parte do Estado e da polícia. Jovens estão em vulnerabilidade social e não como indivíduos apenas. A PM é resquício da ditadura, não pedimos melhoria, cobramos a sua extinção”, argumentou Maria Feffermann, integrante da Rede de Proteção e Contra o Genocídio.
Logo em seguida, a deputada estadual Erica Malunguinho tomou a fala e logo em seguida abdicou do seu tempo. Ela, que chegou ao local praticamente uma hora após seu início, teria três minutos de discurso, mesmo tempo dado ao público e diferentemente dos outros integrantes da mesa, que tiveram 15 minutos para discorrer suas falas.
A deputada criticou a falta de negros no comando da audiência. “Quando falamos de jovens negros sendo alvo, falamos também da composição dessa mesa. É posta uma diferença entre as pessoas pretas e não pretas. Prefiro abdicar ao tempo do que falar três minutos”, afirmou, deixando o auditório da OAB na sequência.
Dimitri Sales, presidente do Condepe, argumentou que integrantes do mandato de Erica acompanharam os debates prévios da audiência e estavam cientes do tempo e dos convidados para debater. “Interessa para nós ouvirmos a sociedade e não fazer privilégio de candidaturas”, rebateu.
O público teve espaço para fala, cada pessoa com os mesmos três minutos que a deputada teria para falar. Assim como Erica, teve quem reclamasse, mas usasse o espaço para levar suas reivindicações, como mães que buscam provar a inocência de seus filhos presos, representantes da população de rua e da luta por moradia.
Djalma Costa, do Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente), denunciou que PMs tem forçado a meninos de rua a usarem drogas e bebidas alcoólicas na região central, nas praças da Sé e República. A ação seria para causar notificações de overdose.
Representando a Marcha das Mulheres Negras, Cinthia Gomes levou a história de Luana Barbosa para a pauta. “Precisamos contar o assassinato dela, que levava o filho para uma aula e foi espancada por policiais. Três anos depois, já foram dez audiências e o caso não deu em nada porque as testemunhas não aparecem por medo. Estão sendo intimidadas”, explica.
Fonte: Ponte Jornalismo e IHU on line