CPI da Vale na ALMG: Vale sabia da instabilidade em barragem desde junho de 2018
Em 02/08/2019
Em depoimento à CPI, funcionário confirmou depoimentos anteriores e disse que mineradora minimizou risco em Brumadinho.
Pelo menos desde junho de 2018 a mineradora Vale tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Na ocasião, a empresa determinara intervenções não rotineiras na barragem, com o objetivo de drenar a água para impedir vazamentos.
As informações são do técnico em eletroeletrônica Moisés Clemente, funcionário da gerência responsável pela manutenção e segurança da barragem. As declarações foram feitas durante depoimento prestado nesta quinta-feira (1/8/19) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), confirmando outros depoimentos anteriormente colhidos pela comissão.Vale conhecia instabilidade de barragem.
Segundo Moisés, entre os dias 11 e 13 de junho de 2018 houve uma movimentação diferente na região da barragem da mina Córrego do Feijão, resultando em pelo menos 24 horas de trabalho ininterrupto.
Ele explicou que a turma C, da qual faz parte, não chegou a ser convocada para essa atividade extraordinária, mas colegas da turma D teriam informado a ele a respeito, garantindo que a situação da barragem sugeria risco máximo (10) e não 3, como a empresa informara aos funcionários. Na sua opinião, a Vale errou ao minimizar os riscos para os funcionários. “Essa omissão de informação fazia a gente acreditar na segurança e estabilidade da barragem”.
De acordo com relato de seus colegas, reproduzido por ele à CPI, a turma em atividade naqueles dias fora convocada para serviço braçal, carregando sacos de areia com o objetivo de criar um dreno invertido. Para isso, escavaram um fosso com cerca de três metros de profundidade por três de comprimento, preenchido com areia. Disse ainda que a partir de dezembro “as tratativas se tornaram mais intensas, uma demanda fora da normalidade”.
Ele informou, ainda, que em 2016 a Vale deixou de trabalhar com a empreiteira Pimenta de Ávila, especializada em geotecnia, gestão de riscos e segurança de barragens e que, segundo ele, executava o trabalho com muita competência, tendo participado, inclusive, da elaboração do plano de segurança da barragem.
Colega com deficiência trabalhava em sala próxima à área de risco
Emocionado, Moisés recordou de amigos que perdeu durante o rompimento da barragem, citando o caso de um colega com dificuldade de locomoção, que sucumbiu ao desastre. Ele denunciou que tempos antes esse mesmo colega se queixara por ter sido deslocado para um local de trabalho mais próximo da área de risco.
A medida alterou procedimento anteriormente adotado, pelo qual pessoas com deficiência eram alocadas em salas ou áreas de trabalho menos vulneráveis.
Moisés relatou, ainda, que o refeitório que submergiu na avalanche de lama passara por reforma poucos meses antes. Durante as obras, os funcionários chegaram a usar um outro refeitório, maior e mais distante da área de risco. Mas, após a reforma, as refeições voltaram a ser servidas no local que foi depois destruído.
Há nove anos trabalhando na Vale, o técnico disse ainda que a empresa que conheceu, ao ingressar, era muito diferente de hoje. Segundo ele, antigamente, “a preocupação com a vida era muito maior”. O trabalhador informou ainda que chegou a participar de treinamentos e palestras, mas não de simulação de campo com rota de fuga.
Para relator, depoimento confirma que a Vale sabia da instabilidade
Para o relator da CPI, deputado André Quintão (PT), o depoimento de Moisés Clemente “é importantíssimo porque confirma o que a CPI já estava recolhendo em documentos e de outros depoentes”. “Em junho de 2018 houve um grave fraturamento hidráulico, com vazamento de água na barragem; houve um mutirão entre trabalhadores de várias áreas para tratarem desse evento”, disse o parlamentar.
“Não foi um evento simples como a Vale quis dizer, inclusive aqui nessa CPI”, afirmou o relator, que considerou o depoimento de Moisés “muito autêntico, que confirma que a Vale sabia das condições de instabilidade da barragem, deveria ter acionado o plano de ação de emergência, deveria ter evacuado a área já em junho de 2018 e infelizmente isso não aconteceu e acarretou a morte de 270 pessoas”.
O vice-presidente da comissão, deputado Sargento Rodrigues (PTB), também questionou a forma como a mineradora agiu, lembrando que em 2018 funcionários de empreiteiras teriam sido acionados em caráter excepcional durante vários dias.
Citou, como exemplo, o caso de Olavo Barbosa Coelho, pai de Fernando Henrique Barbosa Coelho, que prestou depoimento na CPI narrando que o pai fora chamado às pressas pela Vale, na noite do dia 12 de junho, para atender a uma emergência.
“Tentaram esconder a situação de grave instabilidade da mina Córrego do Feijão”, criticou o parlamentar.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) indagou de Moisés se é fato que a Vale chegou a escalar funcionários para buscarem corpos dos colegas, se teriam recebido treinamento para esse tipo de trabalho, que foge ao contrato formal, e se tem conhecimento de colegas que estão em tratamento de saúde e simultaneamente trabalhando.
O depoente respondeu afirmativamente na primeira e na terceira questão e disse não ter conhecimento de que os funcionários escalonados para trabalharem na busca de corpos teriam recebido algum treinamento especial.
Consulte resultado da reunião.
Fonte: ALMG