Maria Lúcia Fattorelli: as relevantes receitas que o Estado renuncia
Em 05/08/2019 – Artigo de Maria Lúcia Fattorelli
Desde 2010 houve R$ 512 bilhões de renúncias tributárias sob a justificativa de tirar o país da crise e gerar empregos, o que não se confirmou.
O debate sobre a Reforma Tributária tem ocupado o noticiário nos últimos dias, porém, pouco se fala da relevante receita da qual o Estado abre mão, por meio de subsídios tributários e creditícios. Recentemente, no dia 9 de julho de 2019, participei de audiência pública da Comissão Especial destinada a analisar proposições que tratam da concessão de subsídios tributários, financeiros e creditícios.
Naquela oportunidade, aspectos pouco conhecidos da sociedade em geral e até mesmo de parlamentares foram denunciados: do lado da arrecadação, o Estado abre mão de muitas receitas públicas (Subsídios Tributários) e, do lado da despesa pública, concede benesses (Subsídios Financeiros e Creditícios).
Dentre os subsídios tributários, cabe destacar as desonerações fiscais – muitas delas injustificáveis – que liberam diversos setores de pagar o tributo que seria devido.
“A concentração de renda brutal que existe no Brasil não é obra do acaso, mas o evidente resultado dessas medidas concretas que favorecem os setores mais ricos e privilegiados”.
O caso mais escandaloso é a isenção concedida a petroleiras estrangeiras, por meio da Lei 13.586/2017, que segundo estimativas somará R$ 1 trilhão nos próximos 20 anos.
Já perdemos mais de meio trilhão de reais, segundo a Anfip, com base em dados oficiais que comprovam que desde 2010 houve R$ 512 bilhões de renúncias tributárias, sob a justificativa de tirar o país da crise e gerar empregos, o que não se confirmou.
Os dados divulgados pela Receita Federal sobre as renúncias fiscais têm computado apenas a perda de receitas com o Simples Nacional, benefícios à Zona Franca de Manaus, deduções do Imposto de Renda Pessoa Física (educação, saúde, idosos), entidades sem fins lucrativos, dentre outros.
Deixam de computar, contraditoriamente, as perdas mais relevantes decorrentes de outras desonerações que beneficiam os setores mais ricos e privilegiados, tais como:
- Ausência de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (previsto na Constituição de 1988 e jamais implementado). O PLP 9/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, prevê a incidência do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) anualmente, à alíquota de 5% sobre o valor excedente a R$ 20 milhões. A previsão de arrecadação, caso esse projeto venha a ser aprovado, é de R$ 38,9 bilhões por ano.
- Isenção sobre lucros e dividendos distribuídos. O PL 1981/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, acaba com a isenção de Imposto de Renda sobre distribuição de lucros e dividendos acima de R$ 240 mil por ano, e estabelece alíquota adicional de 15% para rendimentos tributáveis acima de R$ 320 mil mensais (R$ 3,84 milhões anuais)! A previsão de arrecadação, caso esse projeto venha a ser aprovado, é de R$ 85 bilhões por ano.
- Dedução dos Juros sobre o Capital Próprio. Trata-se de benesse injustificável que privilegia bancos e grandes empresas que possuem capital próprio e podem calcular os juros incidentes sobre esse capital e deduzir esses juros como despesa, diminuindo o lucro tributável. A perda de arrecadação estimada com essa benesse é de cerca de R$ 7 bilhões por ano.
- Isenção na Remessa de Lucros ao Exterior. Essa é outra benesse injustificável que privilegia bancos e grandes empresas multinacionais e transnacionais. A perda de arrecadação estimada é de cerca de R$ 11 bilhões por ano.
- Isenção de imposto de renda para estrangeiros que adquirem títulos da dívida pública interna federal. Benesse injustificável que privilegia bancos, grandes empresas estrangeiras e especuladores internacionais. A perda de arrecadação estimada é de cerca de R$ 12 bilhões por ano – Valor obtido a partir da aplicação da alíquota de 27,5% sobre a taxa média anual de juros sobre a dívida interna nos últimos 12 meses (9,38%), sobre o estoque de títulos detidos por estrangeiros (R$ 476 bilhões).
- Lei Kandir – isenção de ICMS sobre exportações de produtos primários e semielaborados. Prejuízo aos estados de cerca de R$ 395 bilhões de 1997 a 2016 (sem subtrair as compensações feitas pelo governo federal aos estados). O prejuízo anual para o país é de aproximadamente R$ 29 bilhões, e ainda estimula a desindustrialização e a primarização da economia, além de crimes contra o meio ambiente.
- Diversos Incentivos Fiscais injustificados no âmbito dos Estados e Municípios, a exemplo da importante denúncia feita pelo Sindifisco/Goiás.
Estados ampliam benefícios, mas receita cresce abaixo da renúncia
Arte: Sindifisco
Do lado da Despesa Pública, estão os “Subsídios Financeiros e Creditícios”, que na teoria seriam um “instrumento de política pública que visa reduzir o preço ao consumidor ou o custo ao produtor”, porém, na prática, o maior subsídio é dado pelo governo ao setor mais rico da economia: o setor financeiro.
Anualmente, mais de 40% do orçamento federal estão comprometidos com juros e amortizações de uma dívida pública que jamais foi auditada com participação da sociedade civil, apesar de aprovado três vezes pelo Congresso, todas vetadas pela presidência da República.
A chamada dívida pública tem crescido devido aos juros exorbitantes que incidem sobre mecanismos financeiros que geram dívida e transferem recursos principalmente para os bancos.
Dentre esses mecanismos, sobressai a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, operação que custou R$ 754 bilhões aos cofres públicos nos últimos 10 anos (se corrigir, chegamos a R$ 1 trilhão), além de afetar negativamente toda a economia, pois gera escassez de moeda na economia, estimulando a alta dos juros de mercado e aumentando preços e custos para a economia real, ao mesmo tempo em que garante elevados lucros para os bancos, ou seja, o inverso do propósito esperado dos “Subsídios Financeiros e Creditícios”.
Quando olhamos para todos esses impressionantes subsídios tributários, financeiros e creditícios que sequer são computados nas estatísticas da Receita Federal, fica claro que a concentração de renda brutal que existe no Brasil não é obra do acaso, mas o evidente resultado dessas medidas concretas que favorecem os setores mais ricos e privilegiados.
É urgente enfrentar esse debate, em especial no momento em que a Seguridade Social, cuja maioria dos beneficiários recebe apenas até dois salários mínimos, está sendo esquartejada, sob falso discurso de “déficit”, quando o próprio Estado abre mão de relevantes receitas. O foco das prioridades do governo está escancaradamente equivocado!
Fonte: Jornal Extra-Classe.