Criada depois do rompimento da barragem do Fundão, fundação “Renova” é ineficiente na reparação de danos
Em 09/08/2019.
A necessidade de judicializar todas as questões ligadas à reparação e compensação aos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (Região Central do Estado), no ano de 2015, e a demora no cumprimento dos acordos foram ressaltadas em audiência pública nessa quinta-feira (8/8/19), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O diretor-presidente da Fundação Renova, criada pela Vale e BHP para atuar na mitigação dos danos da tragédia de quatro anos atrás, esteve presente e apresentou as ações da instituição ao longo desse tempo, mas suas afirmações foram questionadas por deputados, promotor e atingidos pelo rompimento, que também estavam na reunião.
O encontro foi promovido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, que pretende apontar culpados e indicar caminhos para reparação e compensação de danos pelo rompimento de outra barragem, essa em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em janeiro de 2019.
Enquanto a estrutura que se rompeu em 2015 era da Vale e da BHP, a de 2019 era apenas da Vale e matou quase 300 pessoas, entre funcionários da mineradora e moradores da região. O objetivo da audiência era entender erros e acertos na reparação dos danos do primeiro acidente para que as falhas não sejam repetidas.
O promotor Guilherme de Sá Meneghin, da comarca de Mariana, ressaltou que, apesar de poderem ser destacadas várias semelhanças entre as duas tragédias, há diferenças importantes. Segundo ele, embora em Mariana o número de mortos tenha sido muito menor (19), houve um desastre ambiental mais amplo, que atingiu toda a bacia do Rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo e levou ao desabrigamento de centenas de pessoas.
Deputados salientam que nenhuma ação de reparação foi concluída desde 2015
Ao longo da reunião, ficou claro para os deputados membros da CPI que nenhuma das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem em 2015 foi devidamente atendida pela Fundação Renova.
De acordo com informações do promotor Guilherme de Sá Meneghin, as 263 famílias desabrigadas do distrito de Bento Rodrigues ainda não foram definitivamente reassentadas, quadro que se repete diante das 150 famílias do distrito de Barra Longa, as duas localidades mais atingidas. Outras propriedades ribeirinhas ao longo do Rio Doce, cerca de 60, também não tiveram seus moradores reassentados, ainda segundo o promotor.
“Tantos anos depois e tudo ainda está ‘em processo’, nada está resolvido. Enquanto isso, as pessoas vivem em constante incerteza”, avaliou a deputada Beatriz Cerqueira (PT) em referência à prestação de contas feita pelo diretor-presidente da Fundação Renova, Roberto Waack.
Logo no início da reunião, ele falou sobre as ações realizadas ao longo dos anos, como construção das casas, controle de qualidade da água e pagamento de indenizações, reflorestamento da bacia – tudo ainda “em processo”.
Além disso, segundo o promotor Guilherme de Sá Meneghin, as mais urgentes ações só foram tomadas depois de serem judicializadas, o que denota, para ele, o baixo interesse das mineradoras em reparar os danos causados. O auxílio financeiro mensal, por exemplo, só teria sido fornecido diante da ação civil pública.
Conforme explicou Guilherme Meneghin, funcionários da Renova foram ainda denunciados por agirem em desacordo com as decisões judiciais. Um dos exemplos foi o de que ficou determinado que as terras das pessoas atingidas continuariam como suas propriedades, mas os funcionários diziam aos atingidos que, para receberem as indenizações, deveriam entregar as terras às mineradoras.
Pressão – Outra questão levantada pelo promotor foi a indevida ingerência das empresas nos processos de reparação, tentando assumir, por exemplo, o cadastramento dos atingidos. Esse serviço, para Meneghin, deve ser realizado ou por órgãos governamentais ou por entidades independentes.
Dar aos responsáveis pelo rompimento e pelo pagamento das reparações o poder de decisão sobre quem são os atingidos é, para o promotor, inaceitável. Só em 2017, uma entidade independente teria assumido esse trabalho, depois de longa judicialização da questão, o que teria atrasado todas as outras negociações.
Além disso, o serviço de cadastramento pela nova instituição responsável deveria ser realizado com repasse financeiro das mineradoras, que não aceitou esse acordo e nova judicialização teve que ser feita.
O atendimento em saúde foi outro exemplo dado por ele. Estudos citados indicam que o adoecimento mental aumentou em três vezes nos atingidos pelo rompimento e só agora foram feitos repasses financeiros pela Fundação às administrações municipais para contratação de psicólogos e outros médicos.
O promotor afirmou que, em um primeiro momento, a Fundação contratou esses profissionais para atenderem a população, o que não seria adequado pelo mesmo motivo que o cadastramento não poderia ser feito por uma instituição ligada às mineradoras causadoras do dano. Ele afirmou que, quando feito dessa forma, os profissionais estavam, por exemplo, pressionando os atingidos a aceitarem acordos ou a repassarem informações sobre as negociações em andamento.
Falta de participação dos atingidos nas decisões é outro gargalo
Outro assunto muito tratado ao longo da reunião foi o da governança da Fundação Renova. O diretor presidente da instituição, Roberto Waack, defendeu que há ampla participação de vários órgãos governamentais e de comissões de pessoas atingidas pelo rompimento nas decisões.
Quando questionado sobre como os atingidos participam, porém, ele não soube responder e disse que esse modelo ainda está em construção. A deputada Beatriz Cerqueira voltou a dizer, então, que é mais uma ação “em processo”.
Thiago Alves da Silva, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), afirmou que não há participação social efetiva, com o que o promotor Meneghin concordou. Esse último chamou de “verniz” a participação popular na governança. Waack continuou, entretanto, defendendo o modelo, que já teria apresentado muitos avanços na promoção do diálogo entre os diversos entes envolvidos.
Os convidados também criticaram a Fundação Renova pelos gastos com publicidade, que, segundo o seu diretor-presidente, chegaram a R$20 milhões nos últimos três anos. Para Beatriz Cerqueira, as propagandas conferem a falsa sensação de que os atingidos tiveram seus problemas resolvidos. Waack, porém, defendeu que os gastos garantem que as informações cheguem às pessoas.
Quando perguntado, porém, se eles informam a população, por exemplo, sobre os dados conseguidos nas centenas de pontos de monitoramento de qualidade da água implantados ao longo do Rio Doce, Waack disse que essa informação tem que ser repassada não por eles, mas por órgãos governamentais. Thiago da Silva refutou a opinião e disse que a população não acredita na qualidade da água porque uma confiança foi quebrada com o rompimento da barragem e isso é de responsabilidade das mineradoras.
Ao longo da reunião, os deputados afirmaram que o modelo da Fundação Renova não foi favorável ao devido atendimento da população e que deve ser evitado no caso de Brumadinho.
Fiscalização – Uma das demandas apresentadas por Thiago da Silva, do MAB, foi a criação de instrumentos efetivos de fiscalização dos atos de reparação feitos pelas mineradoras. O deputado André Quintão (PT) ressaltou que a CPI pretende criar, na ALMG, uma comissão para tal fiscalização.
Fonte: ALMG