O Sínodo da Amazônia não acabou: agora cabe ao Papa decidir sobre os encaminhamentos aprovados
Em 28/10/2019, por Il Fatto Quotidiano, via IHU
Entre as propostas dos bispos, que o pontífice é chamado a traduzir em disposições oficiais, há o reconhecimento da “ministerialidade que Jesus reservou para as mulheres”, uma comissão que elabore um “rito amazônico” e a definição de um novo pecado: aquele cometido “contra as gerações futuras” com “atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente”.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, em 27-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Será o Papa Francisco quem vai determinar se e como receber a abertura aos padres casados feita pelo Sínodo especial dos bispos sobre a Amazônia. Bergoglio já anunciou que espera publicar a sua exortação apostólica pós-sinodal até o fim 2019, um documento no qual comunicará as suas decisões a respeito do documento final aprovado pelo Sínodo, com uma necessária maioria de dois terços.
Os bispos pediram ao papa “estabelecer critérios e disposições” para “ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterado, podendo ter família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas zonas mais remotas da região amazônica”. Cabe destacar também que, nessa proposta, “alguns se pronunciaram a favor de uma abordagem universal do tema”.
Portanto, agora caberá a Bergoglio não apenas receber essa indicação, mas também traduzi-la em normas canônicas. E estabelecer se ela valerá apenas para a região amazônica ou se outras realidades do mundo católico também poderão adotar esse caminho para compensar a falta de clero.
Os tempos, portanto, como o próprio Francisco anunciou no fim do Sínodo, não deverão ser longos, e ainda em 2020 poderia haver na Amazônia diáconos permanentes ordenados padres.
Uma decisão que não agradou a todos os colaboradores mais próximos de Bergoglio. Um purpurado chefe de dicastério comentou que, “claramente, o Sínodo foi instrumental, também nas intenções. Fizemos um Sínodo sobre os povos da Amazônia, que são os primeiros a rejeitar o cristianismo, e não um Sínodo, por exemplo, sobre os cristãos do Oriente Médio, que são sempre rejeitados por causa do cristianismo”.
Mas as decisões dos Padres sinodais também tocam muitos outros temas. Se, por um lado, fechou-se a porta, pelo menos por enquanto, ao diaconato feminino, por outro, existe, porém, o reconhecimento da “ministerialidade que Jesus reservou para as mulheres”.
Daí o pedido “para que também mulheres adequadamente formadas e preparadas possam receber os ministérios do Leitorado e do Acolitado, entre outros a serem desenvolvidos. Nos novos contextos de evangelização e pastoral na Amazônia, onde a maioria das comunidades católicas são lideradas por mulheres, pedimos que seja criado o ministério instituído da ‘mulher dirigente da comunidade’ e reconhecer isso dentro do serviço das exigências da evangelização em mudança e da atenção às comunidades”.
“O novo órgão da Igreja na Amazônia – diz o documento final – deve constituir uma comissão competente para estudar e dialogar, segundo usos e costumes dos povos ancestrais, a elaboração de um rito amazônico que expresse o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual amazônico, com especial referência àquilo que a Lumen gentium afirma para as Igrejas orientais. Isso – explicam os Padres sinodais – se somaria aos ritos já presentes na Igreja, enriquecendo a obra de evangelização, a capacidade de expressar a fé em uma cultura própria e o senso de descentralização e de colegialidade que pode expressar a catolicidade da Igreja. Também se poderia estudar e propor como enriquecer ritos eclesiais com o modo pelo qual esses povos cuidam do seu território e se relacionam com as suas águas.”
Outra proposta é a de “criar um observatório socioambiental pastoral, fortalecendo a luta pela defesa da vida. Realizar um diagnóstico do território e dos seus conflitos socioambientais em cada Igreja local e regional, para poder assumir um posicionamento, tomar decisões e defender os direitos dos mais vulneráveis”.
“Como forma de reparar a dívida ecológica que os países têm com a Amazônia – afirma o documento final – propomos a criação de um fundo mundial para cobrir parte dos orçamentos das comunidades presentes na Amazônia que promovem seu desenvolvimento integral e autossustentável e assim, também, protegê-las da ânsia predatória de querer extrair seus recursos naturais por parte das empresas nacionais e multinacionais.”
“Propomos – afirmam ainda os Padres sinodais – definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente. É um pecado contra as futuras gerações e se manifesta em atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente, transgressões contra os princípios da interdependência e a ruptura das redes de solidariedade entre criaturas e contra a virtude da justiça. Também propomos criar ministérios especiais para o cuidado da ‘casa comum’ e a promoção da ecologia integral em nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções, entre outras, o cuidado do território e das águas, assim como a promoção da encíclica Laudato si’”.
Por fim, outra denúncia: “É escandaloso que se criminalizem os líderes e até as comunidades pelo simples fato de reivindicar seus próprios direitos. Em todos os países amazônicos, existem leis que reconhecem os direitos humanos, em especial os dos povos indígenas. Nos últimos anos, a região amazônica viveu complexas transformações, nas quais os direitos humanos das comunidades foram impactados por normas, políticas públicas e práticas focadas principalmente na ampliação das fronteiras extrativas de recursos naturais e no desenvolvimento de megaprojetos de infraestrutura, os quais exercem pressão sobre os territórios ancestrais nativos.”
Daí também uma advertência à Igreja: “Todos somos convidados a nos aproximar dos povos amazônicos de igual para igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo do ‘bem viver’. O colonialismo é a imposição de determinados modos de vida de alguns povos sobre outros, tanto econômica, cultural ou religiosamente. Rejeitamos uma evangelização de estilo colonialista”.
Fonte: IHU
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A melhor maneira de ser feliz é ver também feliz quem está com você na mesma canoa. Creio que temos vivido um tempo de graça, expresso em tantos momentos em que o Espírito de Deus se manifestou, principalmente através da voz de pessoas específicas, que com seus esforços conseguiram fazer realidade o que muitos não esperavam, parecia que a canoa estava afundando.
Sabemos que algumas vezes as dificuldades existem, mas Deus nos dá a capacidade de discernir e saber superá-las para que nossa jornada continue. A Igreja na Amazônia entrou em um processo de conversão, de novos caminhos, de uma nova navegação, para torná-la mais presente na vida dos povos, a partir de uma atitude de escuta, mostrando que está ao seu lado em todo momento.
Iremos além se continuarmos juntos, se nos convencermos de que juntos somos mais, se seguirmos as indicações de quem hoje está nos guiando para onde devemos continuar nossa jornada. Sim, refiro-me ao papa Francisco, alguém de quem ouvi dizer que ele tem Deus e lhe dá, algo que verifiquei, especialmente em seus gestos, simples, mas que atingem o coração da maioria, sempre sabendo que os corações de pedra não são coisa do tempo dos profetas bíblicos.
Eu nunca imaginei me ver em algo semelhante, mas reconheço que foi um momento em que descobri a presença de Deus que caminha com seu povo, com a Igreja. Penso que a imagem do Povo de Deus que peregrina se tornou muito presente no dia em que o trabalho começou, rostos felizes, embora também houvesse alguns que insistem em encerrar Deus em suas mentes e estruturas pequenas. Os mesmos que assistiram com olhos inquisitórios no outro momento em que descobri tudo isso, a Via Sacra, onde os gritos da Mãe Terra e dos povos ressoavam no centro do catolicismo, onde o sangue derramado dos mártires era apresentado como fonte de Vida para a humanidade.
O que experimentei nas últimas três semanas é o resultado de uma longa jornada, no meu caso de atravessar rios e ares de uma Amazônia que entrou pelos poros da minha pele e penetrou nas minhas veias. As letras que tenho escrito recolhem a vida de muitas pessoas, em cuja sabedoria, aquela que não consta nos livros, encontrei a inspiração para dizer ao mundo que a Amazônia, sua Igreja, os povos que a habitam, especialmente os povos originários, contêm muitos elementos que revelam a presença de um Deus que não está trancado nas estruturas humanas.
São povos que nunca praticaram a religião do eu, praticada por quem continua a “considerá-los inferiores e de pouco valor, desprezam suas tradições, apagam sua história, ocupam seus territórios, usurpam suas propriedades”, como o Papa Francisco nos disse na homilia da Eucaristia com a qual a assembleia sinodal foi encerrada. Na maneira de entender a vida, da comunidade, eles nos mostram que “a verdadeira adoração a Deus passa pelo amor ao próximo”.
Embora eu não estivesse na sala sinodal, reconheço que me senti parte de uma história de construção coletiva que continua e onde tentaremos continuar fazendo o que o Papa Francisco disse àqueles de nós que estávamos na saída da última congregação geral do Sínodo, “Informem bem”. Isso significa ser fiel às vozes do povo e à voz da Igreja, à voz de Pedro, que hoje guia nossa canoa. Alguns, aqueles que sempre tentaram afunda-la, também nessas três semanas, com certeza já desceram, porque descobriram que têm pouco a fazer, Deus mostrou mais uma vez que Ele está nos acompanhando, Ele é o dono da canoa. Agradeço a Ele por me permitir estar lá dentro, também quem me convidou para subir, porque as mediações humanas também contam.
Faço minhas as palavras da homilia de Francisco, na tentativa de deixar para trás o que ele denuncia ” Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são escutadas, acabando talvez vilipendiadas ou silenciadas porque incomodas”. Portanto, “rezemos pedindo a graça de saber escutar o clamor dos pobres: é o clamor de esperança da Igreja”. Relatar isso também é uma maneira de testemunhar o Evangelho. Nessa estamos e continuamos.
Fonte: IHU