[OPINIÃO] – América Latina: As razões da derrota do neoliberalismo são as mesmas da esquerda
Em 29/10/2019, artigo de Cesar Sanson, via IHU
América Latina em convulsão, Chile, Equador, Argentina, Bolívia, Costa Rica. As leituras falam em um rotundo “não” ao Neoliberalismo. Será?
Se há uma onda contra o neoliberalismo, como explicar os resultados ainda indefinidos no Uruguai e na Bolívia? Há risco de neoliberais ascenderem ao poder.
Assim como é equivocado afirmar que a eleição de Bolsonaro no Brasil significou uma opção ao retorno ao neoliberalismo, é precipitado afirmar que o que acontece no Chile, no Equador e na Argentina é um ‘basta ao neoliberalismo’.
Como explicar o vai-e-vem no poder de peronistas-neoliberais em curto espaço de tempo na Argentina? Como explicar o revezamento no poder de Bachelet-Piñera no Chile?
O que acontece com a progressista Frente Ampla? Está ameaçada no Uruguai. E, na Bolívia, o que dizer do retorno do moribundo Meza, um neoliberal de quatro costados?
Talvez, uma explicação para esse zigue-zague entre ascensão e derrocada de progressistas x neoliberais não seja tão ‘ideológica’ como gostaríamos.
É possível que a resposta seja um pouco mais complexa. E ela está bem em frente ao nosso nariz: na piora das condições de vida de milhares de latino-americanos, no cansaço com o desemprego, com os serviços de saúde e educação horrorosos, com a violência cotidiana enraizada nas periferias, com a corrupção, que não distingue mais a direita da esquerda.
É preciso se perguntar: por que o ciclo da esquerda e do progressismo foi interrompido na América Latina? Por que os neoliberais retornaram e por que agora são fustigados?
Será que a gangorra progressistas x neoliberais a que assistimos na América Latina não se dá muito mais por suas ‘semelhanças’ do que por suas diferenças?
A pergunta pode parecer ofensiva, mas se olharmos o Junho/2013 (Brasil) com o Outubro/2019 (Chile) há semelhanças com o sinal invertido, visto que, no Brasil, à época, estava no poder a esquerda e, agora, no Chile, está à direita.
A raiz dos protestos gigantescos, tanto em 2013, no Brasil, como os de agora, no Chile, é a mesma: a insatisfação com os serviços públicos e com certa política que deserdou o povo.
O erro da esquerda é o de ter se contentado com o pouco que fez, achando que era muito.
A luta contra a desigualdade social, que é a essência do que diferencia a esquerda da direita, em algum momento se borrou. O aceite do mainstream econômico neoliberal por parte da esquerda, a repetição de métodos viciados na condução da política cotidiana, a “satisfação” com as políticas sociais compensatórias no lugar de políticas emancipatórias aproximou a esquerda da direita.
A leitura apressada de que o povo não quer mais o neoliberalismo esconde o que o povo não quer, seja com a direita ou com a esquerda: serviços públicos lastimáveis, corrupção, covardia em não tirar dos ricos, falta de coragem em enfrentar a escandalosa concentração de renda, pouca ousadia e criatividade em inovar no funcionamento da política, construindo uma política em que o povo opine e participe mais.
O sobe-e-desce vertiginoso entre ‘progressistas’ e ‘neoliberais’ na América Latina só não dá nó na cabeça de quem aceita respostas ou explicação fáceis.
Fonte: IHU
Observação: artigo opinativos não refletem, necessariamente, a opinião do Nesp.