Eduardo Bolsonaro ameaça país com a volta do Ai-5; democratas repudiam.
Em 01/11/2019, por El País, Carta Capital. Estado de São Paulo e UOL.
Pela segunda vez na semana, filho de Jair Bolsonaro exalta ditadura e é rechaçado por todo espectro político. Partidos de oposição propõem levar o caso ao Conselho de Ética para cassar mandato do deputado.
Em meio a perguntas ainda sem resposta a respeito das conexões de Jair Bolsonaro com o caso Marielle (leia aqui), seu filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro, publicou em suas redes sociais um vídeo defendendo um novo ato institucional número 5, o mais violento do regime militar, de 1968, que deu início aos anos de chumbo da ditadura militar brasileira e resultou no fechamento do Congresso Nacional. Depois dele, o Brasil foi ladeira abaixo.
O jogo de morde e assopra dos bolsonaristas em torno de propostas no mínimo radicais ou de aberta afronta à ordem democrática, quando não a pregação da eliminação dos adversários políticos, é uma prática do grupo de extrema direita desde a campanha. Trata-se de uma estratégica de pautar o debate na imprensa e/ou desviar o foco de atenção da mídia, ao mesmo tempo que alimenta uma base fiel que clama por discursos lidos como “antissistema”. Os episódios se multiplicam, e, só nesta semana, há alguns exemplos. O próprio presidente lançou mão do mecanismo ao publicar em suas redes sociais um vídeo no qual ele era um velho leão cercado por hienas, representadas pelo Supremo Tribunal Federal, partidos políticos e órgãos de imprensa. Horas após a postagem, o deputado retirou o conteúdo da Internet. Na ocasião, o nome da família Bolsonaro tinha voltado ao noticiário devido a áudios em que Fabricio Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro, falava da divisão de cargos na Câmara e no Senado e das investigações que pesam contra ele próprio.
Reação imediata
A fala de Eduardo foi refutada por parte das lideranças políticas brasileiras. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ressaltou que a fala do deputado é passível de uma denúncia criminal. “Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras”, disse. E seguiu: “A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso”.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse ao jornal Folha de S. Paulo, que os ares democráticos estão sendo levados embora. “A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos”.
Presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), emitiu uma nota para dizer de maneira genérica que “é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática”. Não citou o nome de Eduardo Bolsonaro no documento, mas citou que não é o momento para retrocessos no Brasil. “Não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário. O fortalecimento das instituições é a prova irrefutável de que o Brasil é, hoje, uma democracia forte e que exige respeito”.
Nem mesmo o partido de Eduardo, o PSL, apoiou sua fala a favor do AI-5. Em nota assinada pelo presidente da legenda e agora desafeto da família Bolsonaro, o deputado Luciano Bivar, a sigla repudiou com veemência o discurso. “O PSL é contra qualquer iniciativa que resulte em retirada de direitos e garantias constitucionais. Em nosso partido, a democracia não é negociável. Fica aqui nossa manifestação de repúdio a esta tentativa de golpe ao povo brasileiro”. Internamente, a fala de Eduardo pode acelerar o processo de expulsão dele da legenda, conforme apurado pelo EL PAÍS.
O líder do PSL no Senado, Major Olímpio Gomes, avaliou que a fala é uma manifestação isolada de um deputado e que não deve se repetir entre os demais membros do Congresso. “O Brasil carece justamente da ampliação da democracia, do respeito ao contraditório”, afirmou. Já Coronel Tadeu, deputado pelo PSL de São Paulo, tratou a defesa do AI-5 como algo “inimaginável”. “Se houver radicalização, perturbação da ordem pública, é preciso combater com energia. O ato institucional de 1968 não cabe mais hoje. É preciso buscar o entendimento e a convergência de ideias. A democracia está aí para isso”.
Os presidentes do MDB e do Cidadania emitiram notas em que condenaram as declarações de Eduardo. Afirmou Baleia Rossi, do MDB: “Consideramos inaceitável qualquer menção a atos que possam colocar em risco, de novo, a liberdade do cidadão brasileiro”. Enquanto que Roberto Freire, do Cidadania, assinou uma nota ao lado do deputado Daniel Coelho e da senadora Eliziane Gama, na qual eles trataram a declaração do deputado de “ignóbil”. “Suscitar o Ato Institucional número 5 demonstra desprezo, desconhecimento e ignorância sobre o que é o Brasil do século 21”.
O PSOL por sua vez disse que apresentará um pedido de cassação do mandato de Eduardo junto ao Conselho de Ética da Câmara e uma notícia crime no STF. O partido entende que o congressista infringiu a norma que preza pelo decoro parlamentar ao desprestigiar o “aprimoramento e valorização das instituições democráticas”. Já a queixa ao Supremo será feita porque, ao fazer apologia da ditadura militar, o filho do presidente Bolsonaro infringiu dois artigos do Código Penal, o 286, que trata da incitação ao crime e o 287, que trata da apologia de crime ou de criminoso. Um outro grupo de parlamentares, vinculado ao Cidadania também deve apresentar um pedido de cassação de mandato.
A presidente do diretório nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, cobrou que o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal punam seu colega parlamentar. “Declaração de Eduardo Bolsonaro é criminosa, contra a Constituição e a democracia”, disse em sua conta no Twitter.
Em nota, o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, afirmou que a democracia e as instituições devem ser defendidas por todos. “É um comentário que afronta a democracia, agride o bom senso e que não ajuda em nada o país neste momento em que estabilidade política é essencial para avançarmos nas discussões que são importantes para o país.
Mesmo após a fala do pai presidente, Eduardo insistiu na narrativa. Ele publicou em sua conta no Twitter um vídeo no qual reforça que “nós não permitiremos” que a esquerda se manifeste no Brasil como está protestando no Chile. Ainda citou um livro escrito pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um reconhecido torturador do regime militar brasileiro, no qual culpa a esquerda por o que ele considera ser atos terroristas durante a ditadura. Na tribuna da Câmara, na última terça-feira, ele já havia demonstrado seu culto à ditadura brasileira e fez ameaças semelhantes. Na ocasião, também tratando dos protestos chilenos, ele disse: “Não vamos deixar isso aí vir para cá. Se vier para cá, vai ter que se ver com a polícia. E, se eles começarem a radicalizar do lado de lá, a gente vai ver a história se repetir. Aí é que eu quero ver como a banda vai tocar”.
Fonte: El País (editado)
LEIA MAIS: Para o presidente da OAB, Eduardo Bolsonaro flerta com fascismo ao sugerir AI-5.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, classificou como “gravíssima” a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (SP), líder do PSL na Câmara, em que defende a edição de um “novo AI-5” (Ato Institucional nº 5), que aprofundou a repressão durante o regime militar de 1964 com a cassação de mandatos políticos e suspensão de garantias constitucionais.
Para Santa Cruz, “é gravíssima a manifestação do deputado, que é líder do partido do presidente da República. É uma afronta à Constituição, ao Estado democrático de Direito e um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade.”
Fonte: Carta Capital
Juristas avaliam que Eduardo Bolsonaro pode sofrer processo de cassação
Juristas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam que a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), de que a resposta a uma radicalização da esquerda pode ser via um “novo AI-5”, fere a Constituição e pode justificar uma abertura de processo de cassação do mandato na Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Partidos da oposição afirmaram que farão esse pedido nos próximos dias. Os especialistas, no entanto, afastam a possibilidade de uma responsabilização criminal do deputado por causa da declaração. “Recebo essa manifestação com dupla preocupação. De um lado, com o grau de desconhecimento jurídico que ela revela, na medida em que um ato institucional é uma quebra da ordem democrática. Em segundo lugar, me preocupa o fato de que essa é uma declaração de um deputado eleito que tem dentre os seus deveres preservar a ordem constitucional e não promover uma proposta de quebra desta mesma ordem”, afirmou o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques.
O diretor da Faculdade de Direito da UnB, Mamede Said Maia Filho, também ressalta que a fala contraria a Constituição. “Do ponto de vista político, ela (a declaração de Eduardo) contraria a Constituição, o sistema democrático e compromete a própria natureza do Estado brasileiro. O texto constitucional fala que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. É algo que afronta as instituições”, disse.
Fonte: Estado de São Paulo e UOL.