Pacote de Guedes sem proteção a mais pobres provoca resistência até em liberais do Congresso. E mais: aberração bolsonariana: 1,2 mil pequenos municípios podem ser extintos
Em 07/11/2019, por El País
Parlamentares ainda digerem conjunto de mudanças ambiciosas para reduzir gasto público e avaliam o que tem chance de virar realidade. Extinção de municípios, por exemplo, dificilmente será aprovada.
Parte do Congresso Nacional tem demonstrado boa vontade com relação ao pacote econômico enviado pelo Governo Jair Bolsonaro ao Legislativo nesta semana. Mas há resistências até entre os apoiadores das três propostas de emendas constitucionais entregues na terça-feira pela equipe de Paulo Guedes. A principal crítica é a de que faltou povo nas propostas, ou seja, faltaram ações sociais que visem diretamente a população pobre e extremamente pobre —esta última faixa atingiu 13,5 milhões neste ano. Uma das avaliações feitas à reportagem é que a lógica do plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, segue sendo a dos anos de ditadura militar, no qual acreditava-se que bastava melhorar os índices econômicos para gerar mais empregos e retirar a população da pobreza.
Um item que foi pouco notado entre os parlamentares é o que desvincula o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo. Esse benefício é regido pelo artigo 58 da Constituição. É pago para idosos ou portadores de necessidades especiais cuja renda familiar seja de um quarto de salário mínimo per capta. Sua revogação, que já foi tentada pelo Governo Bolsonaro sem sucesso na reforma da Previdência, agora está prevista no artigo 8º, inciso VII da PEC do Pacto Federativo. Ou seja, se aprovada a PEC, o BPC poderá ser inferior a um salário mínimo.
Entre os congressistas, também há os que criticam a medida que pretende reduzir em um quinto o número de municípios brasileiros, os que reclamam da fusão dos gastos mínimos obrigatórios da saúde com a educação, da inclusão dos gastos com os inativos nessa contabilidade (ainda que o Governo tenha prometido recuar deste item), e os que se queixam da proteção de categorias consideradas a cúpula do funcionalismo público nos casos de crises econômicas. Uma das PECs, a Emergencial, prevê o congelamento da ascensão funcional de todos os servidores, excetuando-se os magistrados, membros do Ministério Público, diplomatas, militares e policiais.
Na avaliação de técnicos, para entender onde o Governo Bolsonaro quer chegar, ainda é preciso aguardar o envio das reformas administrativa e tributária, do projeto de geração de empregos e da nova lei das privatizações. Dizem, por exemplo, que todas essas medidas estão conectadas porque envolvem geração de receitas ou diminuição de despesas. Juntos, eles elaboram, com a bênção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma série de projetos de lei com o objetivo de amenizar a dureza das medidas liberais e que leva em conta cinco eixos: a garantia de renda dos mais vulneráveis, a inclusão produtiva, atualizar a rede de proteção ao trabalhador, melhorar o acesso ao saneamento básico e à água e a criação de uma lei de responsabilidade social.
Propostas inconstitucionais
Por outro lado, estudos elaborados por técnicos das bancadas da oposição da Câmara e do Senado mostram que o pacote contém medidas inconstitucionais porque já foram rejeitadas recentemente durante o debate da Previdência. Entre elas estão: a tentativa de suspender o repasse do Fundo de Amparo ao Trabalhador para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a proibição de conceder reajuste real ao salário por até dois anos. Uma proposta legislativa uma vez rejeitada ano não pode ser reapresentada pelo período de um ano. Essas sugestões já foram recusadas pela Câmara durante a aprovação da reforma da Previdência.
Os opositores, que dizem preferir debater uma reforma tributária ao atual pacote econômico, batizaram as medidas de “PECs da Agiotagem”.
Outro ponto que está distante do consenso é o trecho da PEC do Pacto Federativo que prevê a extinção de até 1.254 municípios que tem menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% de sua receita total.
A alegação dos governistas é simplesmente econômica.
A Confederação Nacional dos Municípios, entidade que reúne os prefeitos das 5.568 cidades brasileiras, tem um cálculo distinto do Governo. Diz que, por esses critérios, 1.220 correm o risco de serem reincorporados a outros e queixa-se de que, “ao propor a extinção desses municípios, há grande equívoco e falta de conhecimento acerca da realidade brasileira”. “Os principais indicadores a serem considerados devem ser a população e os serviços públicos prestados”, diz um texto assinado pelo presidente da entidade, Glademir Aroldi.
A CNM ainda ressalta que a sugestão é inconstitucional, já que a Constituição prevê que a emancipação e a fusão de municípios dependem de plebiscito com a população que vive em seu território, e não da aprovação de uma nova legislação federal.
Fonte: El País (editado). Reportagem completa no link: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/07/politica/1573085255_293929.html#?sma=newsletter_brasil_diaria20191107
[OPINIÃO]: Aberração bolsonariana: 1,2 mil pequenos municípios podem ser extintos
Artigo de Frei Sérgio Antônio Görgen (*)
O governo de Jair Bolsonaro (PSL) propõe extinguir, por meio de Emenda Constitucional encaminhada nessa terça-feira (5), mais de 1,2 mil pequenos municípios com população inferior a 5 mil habitantes. Diz que são a causa da quebradeira da nação.
Isso ocorre ao mesmo tempo em que Bolsonaro está doando US$ 1 trilhão de dólares para as multinacionais estrangeiras do petróleo através dos leilões do pré-sal.
Uns trocados desta infame entrega do petróleo a preço de banana sustentaria a vida desses municípios e muito mais por dezenas de anos.
E o que são esses pequenos municípios?
São compostos de população tipicamente camponesa, rural, com altos valores comunitários, com intensa integração entre as pessoas, preservação de valores culturais importantes, cuidado local com a saúde e com as novas gerações, baixos níveis de criminalidade e de drogadição, preservação de valores familiares (tão exaltados pelo autor desta aberração), alta produção própria de seus meios de existência – de modo especial os alimentos – e forte participação política nas decisões locais.
Esta decisão extingue importante modo de vida e de autonomia política destas comunidades. Vai provocar enorme êxodo para outras cidades, por extinção de equipamentos locais de atendimento da população, de modo especial, na área da saúde e educação.
Já no curto prazo, vai aumentar as despesas do Estado, pois vai jogar mais famílias e mais jovens nas periferias de médias e grandes cidades.
É, acima de tudo, um desprezo por um modo de vida e por valores comunitários importantes para a identidade do povo brasileiro.
Desprezo brutal pelas famílias camponesas que produzem alimentos.
Desprezo pela luta destas comunidades por construírem sua identidade própria e seu próprio caminho para solucionar seus problemas.
É, acima de tudo, uma aberração em todos os sentidos, com alguns agravantes de desconhecimento brutal do interior do país, sua história e sua importância. Conheço um município, Colorado, no Rio Grande do Sul, que está emancipado há mais de 50 anos. Será extinto por Bolsonaro. É só um exemplo do tamanho desta aberração.
O Brasil Interiorano, o Brasil Caboclo, o Brasil Sertanejo, o Brasil dos Sertões, o Brasil Camponês, o Brasil Colono, o Brasil Rural Profundo, o Brasil que Alimenta o Brasil, todos acabam de receber uma bofetada na boca do estômago, partindo do punho sem piedade do governo Bolsonaro.
Este Brasil é muito maior e mais forte do que Bolsonaro imagina. Não ficará sem resposta.
Esta resposta começará pelos que, nestes imensos rincões, votaram nele.
Nesta cultura interiorana, traição é uma ofensa grave, é a maior das aberrações. Os que votaram nele, nestes municípios, estão sentindo neste momento a dor de uma grande traição.
(*) Sérgio Antônio Görgen é Frei Franciscano, militante do Movimentos dos Pequenos Agricultores e autor do Livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”.
Fonte: Brasil de Fato
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