Pesquisa do Nesp identifica coletivos de saraus em BH como expressões de lutas emancipatórias
Em 26/11/2019, por Revista PUC Minas –
Um espaço de resistência, onde a arte em sua forma de poesia dá voz a jovens pertencentes a diversos grupos sociais de Belo Horizonte. Esses são os saraus, coletivos que se tornaram objeto de estudo da pesquisa Modos de vida na sociedade contemporânea: em busca da paz, realizada pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC Minas, com o apoio dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Ciências Sociais.
A pesquisa, que nasce de pautas presentes nas discussões e ações do Nesp que foram incorporadas na disciplina de Projeto I, do 1º período do Curso de Arquitetura e Urbanismo, mostra que a produção cultural de coletivos urbanos surgiu no final dos anos 2000, quando os jovens da periferia se conectaram.
De acordo com Rachel de Castro Almeida, professora do curso e responsável pelo estudo, esses jovens cresceram em um contexto democrático, com acesso relativo à educação e ao trabalho e começaram a conviver com o aumento da disponibilidade de bens e de tecnologias de comunicação que os conectaram às redes globais. “As periferias passaram, então, a ser o lugar do rap e da literatura marginal, do graffiti, do skateboarding e do parkour. Isso foi muito importante pelo fato dessa geração reconhecer que tem o direito de aproveitar a cidade para além das fronteiras de seus bairros”, afirma.
Em Belo Horizonte, surgiram movimentos como Praia da Estação e Duelo de MCs que, além de perpetuarem a ocupação de importantes espaços públicos da cidade – Praça da Estação e Viaduto Santa Tereza –, representam uma nova forma de sociabilidade. “Os movimentos coletivos têm origens e formas de organização diferentes, mas, em comum, eles revelam expressões de ativismo urbano e expressam resistências cotidianas. Nossa pesquisa, no entanto, concentrou-se nos coletivos de sarau da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, explica a professora Rachel.
A ideia de usar a cultura como forma de garantir espaços e direitos está presente nas raízes dos saraus. Em 2001, na zona sul de São Paulo, foi fundada a Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), que agregou informalmente artistas amadores e profissionais oriundos de áreas distintas que se reuniam semanalmente com o objetivo de divulgar a arte, principalmente a poesia, sem apoio ou visibilidade da mídia. “Essa experiência foi uma fonte de inspiração e referência para que sete anos depois, em 2008, surgisse em Belo Horizonte o Coletivoz, formado por jovens da região do Barreiro. Esse coletivo tornou-se o centro de uma rede formada, hoje, por vários outros grupos de toda a cidade”, aponta Rachel.
Microfone aberto ao público
Aluno do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas, Vitor Hugo Souza, 19 anos, é um dos mobilizadores do Sarau Casa Amarela, que acontece no bairro São Matheus, em Contagem, desde março de 2018.
“Nos reunimos, um domingo por mês, na pista de skate ou na praça do bairro, com apresentações livres e microfone aberto ao público, para que se expresse da maneira que desejar. É um encontro democrático e de trocas”, conta Vitor Hugo.
Para o estudante, os coletivos urbanos, além de levarem informação para as comunidades, ajudam a dar voz a grupos que não têm visibilidade. “Como estudante de arquitetura, negro e que cresceu na favela, sei que coletivos como o Sarau Casa Amarela são essenciais. Além de fazer com que muita gente não se envolva com coisas erradas, eles também levam reconhecimento e empoderamento a um grupo que, na maioria das vezes, não tem voz. E isso se reflete diretamente no espaço público como, por exemplo, na pista de skate do meu bairro, que antes era ocupada pelo tráfico e, hoje, nosso trabalho ressignificou o local”, finaliza.
Sarau Comum é destaque
A professora Rachel de Castro Almeida, responsável pela pesquisa: coletivos são expressões de ativismo urbano e de resistências cotidianas
A pesquisa realizou o mapeamento de diversos coletivos e apresentou estudos de caso dos mais ativos. “Em um rico universo de campo de pesquisa, o Sarau Comum se destacou dentre os demais por acontecer em um bairro da região Centro-Sul da cidade e pelo fato de manter regularidade mensal de encontros”, afirma a professora Rachel.
Um dos organizadores responsáveis pelo Sarau Comum é Vito Julião de Azevedo, de 27 anos, estudante e professor de dança. Vito conta que o Sarau surgiu em meio à ocupação do Espaço Comum Luiz Estrela, em outubro de 2013. “Na época, o casarão acabava de ser ocupado e enfrentávamos a agitação nas ruas por causa dos protestos de junho. O sarau veio como uma válvula de escape para todos os que estavam vivendo e sentindo tudo aquilo na pele”. O espaço em questão é uma antiga casa, até então propriedade do Estado, que se encontrava abandonada desde 1994, no bairro Santa Efigênia, Zona Leste de Belo Horizonte. O coletivo se encarrega da gestão do lugar, que será de uso público por 20 anos.
“Somos um sarau com caráter intimista, a meia luz e rodeado de velas”, explica Vito. Segundo ele, é o próprio público que constrói o sarau, com o microfone aberto a todos os convidados. “O que impera é poesia, contudo, o sarau é livre para todas as artes, música, dança, teatro, circo, exposições”, conta.
De acordo com a pesquisa, o público do Sarau Comum é formado, na maioria das vezes, por cerca de 15 a 20 membros assíduos e entre 10 e 15 pessoas que circulam pelo local. São jovens e adultos de 15 a 35 anos, em sua grande maioria moradores de bairros periféricos e de cidades que integram a região metropolitana. “Curiosamente, não conseguimos muito contato com o público da própria região do Santa Efigênia ou de dentro da linha da avenida do Contorno, pelo menos não o quanto esperávamos devido à facilidade de acesso ao casarão”, afirma Vito.
Saiba mais
- O Sarau Comum acontece a cada última sexta-feira do mês, no Espaço Comum Luiz Estrela, na rua Manaus, 348. A programação desse e de outros saraus é divulgada semanalmente na página do Circuito Metropolitano de Saraus, no Facebook.
- Para informações sobre a agenda de encontros e acompanhar o trabalho do sarau, acesse www.instagram.com/saraucasaamarela.
Fonte: Revista PUC Minas, número 20, segundo semestre de 2019.
Texto: Rafaela Rodrigues – Fotos: Raphael Calixto