A estranha operação de venda de créditos do nióbio para o pagamento do 13º salário dos funcionários de Minas
Em 28/11/2019, com ALMG –
Ministério Público de Contas avalia que PL 1.205/19 é lesivo. Em audiência pública, procuradoras argumentam que Estado não avaliou devidamente receitas que pretende antecipar.
O Projeto de Lei (PL) 1.205/19 é lesivo ao interesse público, trará prejuízo para o Estado e também para o servidor público, justamente aquele que, de acordo com o Governo do Estado e alguns parlamentares, seria o principal beneficiado pela proposta. Esta foi a conclusão apresentada por representantes do Ministério Público de Contas do Estado, durante audiência pública realizada, nessa quarta-feira (27/11/19), pelas Comissões de Administração Pública e de Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião foi requerida pelos deputados Ulysses Gomes (PT) e João Magalhães (MDB).
Já aprovado pelo Plenário em 1º turno, o PL 1.205/19 autoriza o Estado a vender créditos a que teria direito nas operações relativas à Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). Desta forma, permite ao atual governo antecipar valores que ele calcula ter o Estado a receber até 2032, decorrentes da exploração do nióbio em Araxá (Alto Paranaíba).
Essa exploração é realizada em sociedade com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e responde pela quase totalidade da receita da Codemig. A CBMM pertence ao Grupo Moreira Salles, também proprietário do Banco Itaú, e controla 80% do mercado de nióbio no mundo, graças ao acordo com o Governo de Minas.
Durante a reunião desta quarta-feira, a procuradora Maria Cecília Borges, do Ministério Público de Contas, criticou a forma como o Estado vem propondo a antecipação de receitas. “Como o Estado está cedendo créditos sem que eles sejam adequadamente precificados?”, questionou ela. A procuradora afirmou que, se o cálculo dessa receita for feito de acordo com os valores arrecadados historicamente, conforme indicou o governo, o prejuízo seria muito grande para Minas Gerais.
“A precificação com base na análise histórica não é adequada”, frisou Maria Cecília Borges, advertindo que o mercado do nióbio cresce vertiginosamente, 5.459% entre 1965 e 2017. Ela também acrescentou que a própria CBMM informou que sua capacidade de produção deverá crescer 50% entre 2017 e 2021.
A procuradora afirmou que a avaliação deve ser prospectiva, levando em conta informações sobre a produção do nióbio que apenas a CBMM conhece. Maria Cecília considerou que a cessão dos créditos, da forma proposta, é uma privatização velada. “Pode ser que 2019 seja a última vez que Minas possa receber recursos do nióbio. Existe a chance real de a mina estar exaurida em 2032”, afirmou ela.
Durante o debate, o diretor de Fomento à Indústria de Alta Tecnologia da Codemig, Ricardo de Toledo, admitiu que o governo não tem acesso a todas as informações úteis para avaliação da operação. “Não temos acesso a tudo. Não enxergamos o plano futuro lá”, afirmou ele, referindo-se às intenções da CBMM de modificar o ritmo de exploração.
Governo diz que recursos serão usados para quitar 13º dos servidores
Ao propor o PL 1.205/19, o governo se comprometeu a utilizar os recursos antecipados para quitar o 13° salário dos servidores e acabar com o parcelamento da folha de pagamento. Esse fato foi ressaltado pelos deputados Sargento Rodrigues (PTB) e Coronel Sandro (PSL) para defender a aprovação rápida do projeto.MP de Contas não recomenda venda de créditos do nióbio
O presidente da Comissão de Minas e Energia, deputado Repórter Rafael Martins (PSD), disse que a pressa na análise do projeto pode comprometer o futuro dos servidores. “A barriga não dói uma vez só. Estou assustado com o que foi apresentado aqui”, afirmou o deputado.
Também representando o Ministério Público de Contas, a procuradora Sara Meinberg reforçou a advertência de que a operação pode trazer prejuízo, inclusive para os servidores. “Com a vontade de resolver o problema atual, a situação no futuro pode piorar”, afirmou.
Apesar de o governo já ter divulgado estimativas de que poderá receber entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões com a antecipação de receita, o diretor Ricardo Toledo, da Codemig, disse durante a reunião que esse cálculo pode mudar. Ele lembrou que a negociação será feita por meio de leilão na Bolsa de Valores e que a avaliação deve ser feita o mais próximo possível da operação. “Não é hora de falar em valor mínimo”, declarou. O deputado Gustavo Valadares (PSDB) disse que o valor divulgado é apenas o que o Estado precisa para regularizar a folha de pagamento.
Sigilo de processo sobre a Codemig é criticado por deputados
O PL 1.205/19 vem sendo analisado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no âmbito de um processo relatado pelo vice-presidente da instituição, conselheiro José Alves Viana. Convidado para a reunião desta quarta na Assembleia, o conselheiro informou que não poderia comparecer, nem mandar representante, por ter sido decretado sigilo no processo sob sua guarda.
Esse sigilo foi criticado pelos deputados Ulysses Gomes e João Vítor Xavier (Cidadania). “Esse é o problema. Estamos discutindo algo de importância fundamental para o Estado e não há nenhuma informação”, criticou Ulysses Gomes. “Não faz sentido o sigilo do TCE com relação à Assembleia. O TCE é um órgão auxiliar da Assembleia. Precisamos aprovar um projeto de lei, não um cheque em branco para o atual governo”, afirmou João Vítor Xavier.
O vice-líder do Governo na ALMG, deputado Guilherme da Cunha (Novo), declarou que o Poder Executivo não tem objeção ao debate sobre o PL 1.205/19 e que não considera isso uma obstrução da oposição. “Esse governo não foge ao debate. Ele é necessário”, disse. Ele acrescentou que a operação pretendida não ameaça o controle acionário do Estado sobre a empresa responsável pela exploração do nióbio, e que isso é garantia suficiente para evitar decisões que levem ao esgotamento da mina.
Outro ponto destacado no debate foi a disputa judicial entre a Codemig e a CBMM sobre a lavra do nióbio. Uma auditoria contratada pela estatal indicou que a divisão dos lucros vem desconsiderando o fato de que o teor do minério na lavra do Estado é maior do que o da lavra da empresa privada. Além disso, a parcela do Estado vem sendo explorada em maior quantidade, o que teria lesado os cofres públicos na divisão da receita.
Fonte: ALMG (editado)