“O egoísmo, o vírus social que alimenta a epidemia”
Em 17/03/2020, entrevista com Elisabetta Ambrosi, publicada por Giornale, em 16-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini, via IHU on line.
Como seremos depois do vírus? Difícil dizer por que “cada pessoa, nação e cultura reagirá de maneira diferente”. Também não é certo que aprenderemos alguma coisa “porque a estrutura das pessoas é construída em tempos de paz”. Quem explica isso é Simona Argentieri, médica psicanalista, professora da Associação Italiana de Psicanálise e da International Psychoanalytical Association. Ela explica: “Entre a rejeição dos problemas do mundo, a intolerância a qualquer frustração e a ilusão de que tudo deveria ter dado certo, chegamos completamente despreparados para a emergência“.
Eis a entrevista.
Como essa crise nos encontrou, em nível psicológico?
Começamos muito mal, despreparados para a emergência. De fato, oscilávamos entre a negação dos enormes problemas (das guerras à migração e aos desastres climáticos) e uma espécie de deliberada ilusão de que tudo teria se arrumado sem a nossa participação. Além disso, acrescentaria a intolerância a todos os limites de nossos desejos (vividos como direitos); o pequeno egoísmo cotidiano, o narcisismo. Todos os elementos que produzem essa atitude de raiva generalizada contra o mundo, denunciada corajosamente pelo recente livro de Nicoletta Gosio, Nemici miei. La pervasiva rabbia quotidiana (Inimigos meus. A disseminada raiva cotidiana, em tradução livre, Einaudi). Agora, existe o risco da rebelião contra as regras restritivas.
Como estamos gerenciando o vírus agora?
Legitimamente, cada um está tentando se defender dessa onda massiva de angústia e preocupação recorrendo a vários mecanismos psicológicos. Em si, o medo pode ser um excelente estímulo para ativar os nossos recursos, mas também há o que chamo de excesso de legítima defesa.
O que seria?
Primeiramente, a negação, a atitude arrogante de não se importar, de ser exagerados; em segundo lugar, a atitude fóbica que levou a episódios horrendos de caça ao hospedeiro, onde a raiva é usada como defesa contra a angústia. A necessidade de certezas é errada? Não, por si só é natural, todos gostaríamos de ter certezas e, de fato, a maioria das pessoas pede respostas claras e absolutas; para a ciência, em primeiro lugar. Por exemplo: “Quanto tempo durará a emergência?”; “Como posso me salvar?”. Mas um cientista honesto só pode responder “não sei, estamos trabalhando nisso”. A tarefa dos especialistas não é nem tranquilizar nem alarmar; mas nos ajudar a enfrentar as margens da incerteza que a realidade nos apresenta.
Em sua opinião, como estão se comportando as instituições, de um lado, e os meios de informação, pelo outro?
Se até aqui fui negativa, agora prefiro dizer que os dois se comportaram bastante bem. As instituições certamente não são perfeitas, mas estão fazendo muito e vocês, jornalistas, também parecem estar fazendo o possível para oferecer informações contínuas e dar notícias, avaliando-as, ajudando assim as pessoas a se sentirem menos sozinhas. Em suma, uma atitude mais responsável e mais equilibrada. Os primeiros sinais de solidariedade corporativa também me parecem positivos.
Você escreveu muito sobre a família. Como a quarentena forçada afeta as relações familiares?
Imagino que vamos ver de tudo. Por um lado, há a esperança de que este seja um momento de redescoberta da intimidade, dos valores primários, do diálogo e da união; por outro lado, a família pode se tornar o local máximo da intolerância, o ambiente onde descarregar a raiva, lançar acusações mútuas. Para muitos de nós, o “fora” era um meio importante de equilíbrio; de investimento intelectual e emocional, essencial para não colocar na linha de frente os déficits dos relacionamentos de casal ou as dificuldades entre pais e filhos. Faltará também aquela preciosa “zona intermediária”, que são os relacionamentos com os amigos. Não vamos esconder que a situação é muito difícil.
O que devemos esperar a seguir?
Um ponto delicado, na minha opinião, serão as fantasias de compensação que já estão circulando, a expectativa salvífica ou a pretensão irreal de que há alguém que nos retribuirá de todos os pontos de vista, tanto econômicos quanto emocionais. Ou pelo menos que haja alguém que possa ser acusado de inadimplência. Poderá haver algum ressarcimento, mas será inevitavelmente parcial.
Mas você acha que os relacionamentos humanos mudarão? O “eu” dará lugar para o “nós”?
É uma esperança para a qual todos somos chamados a colaborar. Mas é um evento que afeta todas as idades, todas as culturas e as áreas geográficas. Não é possível prever como vamos nos sair, certamente não haverá uma maneira única. Haverá quem se aproveite dessa situação, quem redescobrirá a família, outros que passarão pelo sofrimento da convivência e dos desequilíbrios sociais. O que posso dizer como psicanalista, e é o que mais me importa, que paradoxalmente o narcisismo, o egoísmo são um mau negócio. Odiarmo-nos uns aos outros, procurar o bode expiatório nos deixa ainda mais vazios e sozinhos. E a agressividade mais nociva é sempre aquela inconsciente.
Pelo menos aprendemos alguma coisa?
Apenas alguns e apenas parcialmente. Na verdade, não gosto da ideia de que se deva aprender com as desgraças, depois de esbarrarmos nelas. Pelo contrário, todo o meu trabalho visa reconhecer e proteger os valores da existência antes, não quando estão em extremo perigo.
Como psicanalistas, como vocês está vivenciando esse momento?
É muito difícil, porque nosso trabalho exige continuidade e presença. Ter que dizer às pessoas que não podemos nos encontrar para recorrer ao substituto modesto que é – na minha opinião – a sessão à distância é difícil. Temos que decidir caso a caso. Mas gostaria de acrescentar outra coisa, talvez impopular. A psicologia “assistencial” é ilusória e nos trata como eternas crianças. Diante de tragédias como esta, somos todos iguais. Não temos receitas de salvação. Em especial, a psicanálise é uma ferramenta única e valiosa, mas não é um “pronto-socorro”. Serve – se quisermos – para desenvolver as forças do eu para enfrentar as dificuldades da vida de maneira madura.
Fonte: IHU