Cresce a pobreza em Mário Campos, faltam ações de combate à fome
A alimentação escolar, parcialmente mantida com recursos federais foi a única política pública de segurança alimentar encontrada pela Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – Nesp,
Por Marcelo Gomes – 16 de novembro de 2021
Mário Campos, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), possui alto índice de pobreza, é economicamente frágil e sua prefeitura não consegue se sustentar com arrecadação própria de tributos. Somando com a pandemia, tais fatores ajudam a explicar a crescente quantidade de pessoas necessitadas.
Em uma reportagem anterior, foi mostrado que parte de tais desafios são enfrentados também por outros cinco municípios da RMBH. Analisamos as ações de segurança alimentar em Ibirité, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves e Santa Luzia. Análises como essa são dificultadas pela falta de transparência e publicidade dos poderes públicos desses municípios. O problema é mais amplo: não existem cálculos de pessoas sob insegurança alimentar em Minas Gerais, tampouco na região metropolitana da capital.
Em 2021, a população de Mário Campos estimada pelo IBGE é de 15,8 mil. O município é um dos mais novos do Brasil. Tem 25 anos.
Dados mais próximos ao cenário de insegurança alimentar são os do Ministério da Cidadania sobre pobreza, que é a porta de entrada para a fome.
Realidade na cidade
Em Mário Campos, 28,9% dos habitantes são pobres ou extremamente pobres, conforme os números mais atualizados do órgão federal, de setembro de 2020.
Dados da Fundação João Pinheiro mostram que a economia da cidade é pouco diversificada. Apenas dois segmentos – administração pública e serviços – respondem por 84,1% da economia.
Os serviços que englobam, por exemplo, bares, hotéis, lanchonetes, lojas de roupas, mercearias, predominam na cidade. Tais tipos de serviços pagam baixos salários. Isso porque, genericamente, empregam trabalhadores com baixa qualificação. Além disso, esse segmento foi o mais afetado pela pandemia, concentrando grande número de demissões.
Em 2019, antes do período pandêmico, a quantidade de pessoas em Mário Campos que trabalhavam, seja na cidade ou fora, já era baixa. Conforme o IBGE, representavam 9,6% da população. Atualmente, não há quantificações disponíveis nesse sentido.
Por sua vez, a administração pública é altamente dependente dos governos estadual e federal. A plataforma Portal de Receitas do Tribunal de Contas mineiro mostra que entre 28 cidades da região de abrangência da Arquidiocese de Belo Horizonte, Mário Campos é a terceira que mais recebe transferências de recursos. Desde 2016, entre 87% e 88,6% de todo o dinheiro arrecadado anualmente pela prefeitura vem do estado e da União.
Além das questões acima, Mário Campos foi um dos municípios afetados pelo desabamento da barragem da Vale, em janeiro de 2019. O evento, que matou centenas de pessoas, destruiu as plantações de pequenos agricultores, os quais atualmente vivem de um auxílio pago pela mineradora. Conforme consta em ação apresentada pelo Ministério Público estadual, entre outras instituições, à Justiça, em 25 de agosto de 2020, foram 40 agricultores prejudicados.
Já os produtores cujas plantações não foram atingidas sofreram de outro modo. “A publicidade negativa (do rompimento da estrutura) ganhou grande proporção na região metropolitana e na Ceasa. As dúvidas sobre a contaminação da produção (de alimentos) do município têm despertado receio do consumidor em adquirir os produtos de Mário Campos, reduzindo drasticamente a procura mesmos, trazendo um grande prejuízo aos produtores e criando uma imagem negativa sobre a atividade”, informa a prefeitura de Mário Campos na peça jurídica.
O que faz Mário Campos para combater a fome?
No Portal da Transparência da cidade, verifica-se que a prefeitura tem espaço em seu orçamento para políticas de segurança alimentar. A previsão inicial era investir em 2021 R$ 434,1 mil nessa área. Até outubro, porém, foram investidos cerca de 59% desse valor, R$ 257,5 mil.
A Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp questionou ao Executivo o que é feito nesse campo da segurança alimentar e nutricional. Entretanto, até a conclusão deste texto nenhuma resposta foi recebida.
As principais políticas nacionais de segurança alimentar são o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Todos são executados pelos governos municipais, mas financiados, ao menos em parte, pelo governo federal.
O Pnae é a ação que provê, por exemplo, uma pequena parte da alimentação escolar: geralmente o município complementa com um aporte proporcionalmente maior do que aquele recebido pelo governo federal. Por meio do PAA as prefeituras compram alimentos da agricultura familiar e os destinam às pessoas em insegurança alimentar. Contudo, nem todos os municípios participam desse programa. O Pronaf constitui-se, basicamente, de financiamentos da União aos agricultores familiares.
Para a alimentação escolar, por meio do Pnae, o governo federal transferiu a Mário Campos R$ 134,4 mil, até o momento. Não constam repasses ao PAA. Essas informações são do Portal da Transparência da União.
Silvio Maria Andrade afirma que o Executivo municipal é ineficiente frente às crescentes demandas da população. Ele é empresário do setor de turismo e atua na cidade como vice-presidente da Sociedade de São Vicente de Paulo. Os vicentinos, junto com a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, distribuem cestas básicas às famílias carentes.
“A situação piorou na pandemia. A gente vê que a demanda por cestas básicas não para de aumentar. Em reunião que tivemos com o prefeito vimos que, para ele, a situação está tranquila. Além disso, até o ano passado, tínhamos dois Cras (Centro de Referência da Assistência Social) e agora temos só um. Então, nossa situação aqui não está boa mesmo”, comentou Silvio.
Ele não soube dizer o destino dos R$ 257,5 mil investidos na área da alimentação, que constam no Portal da Transparência da cidade. “A gente não entende. Se aplicou esse dinheiro, por que a situação piorou?”, questionou.
Foi possível verificar que a única política em execução no município é a alimentação escolar. Não consta haver outras ações municipais, o que é uma contradição dado o alto nível de pobreza existente na cidade.
Diante da conjuntura municipal, a Paróquia decidiu agir. A Igreja Católica possui um cadastro para a entrega de cestas básicas. Até este momento estão credenciadas 250 famílias. O padre recém-chegado, Edson Marques, preferiu não comentar a respeito da conduta da administração pública local em razão do seu recente convívio no município. “Mas, o pessoal comenta que não há ações da prefeitura”, diz. “Tem uma coisa que eu já observei: tem muitas pessoas carentes pedindo ajuda e, ao mesmo tempo, falta de mão de obra. Eu atribuo isso à falta de uma política de emprego”, observou.
A Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp solicitou ao prefeito, Anderson Ferreira Alves (PP), e ao vice-prefeito, Douglas Campos (PSDB), uma entrevista. Não obtivemos retorno. Também não conseguimos contato na Secretaria de Desenvolvimento Social, responsável pela assistência na cidade.