População entre duas pandemias
24 de novembro
Por Andrea Castello Branco
Em junho deste ano, Sarah Ferreira Alves,48 anos, ficou duas semanas internada em tratamento de covid. Seu caso era considerado leve pelos médicos, um comprometimento de 45% dos pulmões que não precisou de UTI. Mesmo depois da alta e dos mais de 14 dias de isolamento, a diarista não conseguiu retomar a vida como era antes. “Eu achei que ia sair curada, mas tudo mudou. Meu sono, minha disposição, passei a ter problema de coluna e também fiquei com o pulmão fraco. Estou fazendo fisioterapia, mas custei para conseguir ser encaminhada”, conta.
Assim como Sarah, milhões de pessoas que sobreviveram à covid-19 não estão completamente curadas. O vírus, mesmo depois de vencido, deixa sequelas, algumas delas crônicas, e hoje existe uma legião de pessoas precisando de consultas especializadas, exames e reabilitação. Paralelamente a isso, outros tantos pacientes que tiveram suas consultas de controle, exames e cirurgias eletivas adiadas em função do risco de contaminação estão voltando ao sistema de saúde com o quadro agravado. Por isso os especialistas são unânimes em afirmar que a pandemia não acabou: agora é preciso enfrentar essa outra pandemia.
O Sistema Único de Saúde, corretamente reconhecido pela população como o grande salvador na nação, terá apoio e recursos para cuidar de todas essas pessoas? A presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Carla Anunciatta, acha que não. “Temos um represamento que agora está explodindo. Além dos que se recuperam do covid, tem os que precisam de consultas, exames e cirurgias eletivas. Mesmo a rede de centros de reabilitação não consegue abarcar tudo”, afirma.
Bruno Pedralva, médico da família, integrante do Conselho Municipal de Saúde e do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos Municipais de BH, conta que a pressão sobre a rede pública de saúde só cresce. “O sistema de saúde é uma rede de serviços, não é só a urgência, o CTI, o respirador. É no centro de saúde que mais de 90% dos problemas são resolvidos. Hoje a assistência passa por uma grande pressão de quem teve de interromper tratamento e agora pressiona o sistema de saúde para ser atendido. Sem contar as pessoas que estão acometidas pela covid longa e que carecem de serviço de reabilitação”, diz Pedralva.
Não é só a população que precisa de atendimento que sofre nesse cenário, mas também as equipes de saúde, que estão sobrecarregadas. Pedralva conta que Belo Horizonte possui 591 Equipes de Saúde da Família, mas 150 estão sem médico. No SUS-BH – o que inclui as UBS e Upas – o déficit seria de 448 profissionais. “Estamos debatendo com a Secretaria Municipal de Saúde como dar resposta a isso, precisamos de investimento e de um plano para avaliar e organizar essa demanda represada. Tem muita gente que está na fila de consultas e cirurgias eletivas”, conta.
A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte foi procurada para comentar sobre a falta de médicos apontada pelo Conselho Municipal de Saúde e a recomposição no Nasf pelo município. A Assessoria de Comunicação respondeu que as perguntas deveriam ser encaminhadas via Lei de Acesso à Informação.
Falta coordenação e recursos
Helvécio Magalhães, médico, ex-secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde que também esteve à frente da gestão da Secretaria Municipal de Saúde de BH, acredita que para entender a sobrecarga do sistema de saúde hoje é preciso retomar o que aconteceu no início da pandemia e a ausência de coordenação do governo federal. “A atenção primária, que era o grande ativo brasileiro para enfrentar a pandemia, não foi sequer tocada, nenhum investimento. Pelo contrário. A agenda do ministério era leitos de UTIs, respirador e suprimentos. Isso levou a uma perda de potência enorme do sistema de saúde brasileiro. A descoordenação nacional deixou os estados ao ‘Deus dará’ e, claro, também não foi feita sequer uma matriz de operação para que os municípios pudessem se organizar. Isso está se expressando agora”, avalia, ressaltando que graças ao esforço dos municípios muitas vidas foram salvas.
Diante desse cenário, a partir de sua experiência em gestão, Helvécio aconselha que os municípios façam um plano de contingenciamento da demanda, já que o governo federal não assume esse papel. Nele, identificar os pacientes crônicos, idosos, obesos, mapear e acompanhar, criando protocolos específicos para esse momento. “Não pode ser apenas ‘seguir a fila’ e se perder a consulta volta para o final da fila. Às vezes a pessoa não vai porque não tem dinheiro para a passagem, vivemos um momento de extrema pobreza. Teve um refluxo no controle dos pacientes crônicos. Então é importante mapear quantas pessoas continuam em risco, quem tem cirurgia represada e ainda tratar essa nova leva de doentes que não conseguimos ainda dimensionar. E não tem nem um centavo a mais do governo federal para isso”, avalia.
Essa falta de recursos é sentida na prática por quem está na ponta do atendimento. Pedralva diz que é enorme o prejuízo causado pelo corte de financiamento do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf’s), que oferece equipe multidimensional com terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista e psicólogo. “É um serviço super importante, mas o governo Bolsonaro cortou o financiamento do Nasf e não exige mais que os municípios constituam o núcleo e não repasse mais. Cabe ao prefeito decidir se mantém ou não o serviço com recursos próprios. Uma senhora idosa que tem insuficiência cardíaca e dor crônica, se não sai a cirurgia dela, ela vai ao posto de saúde. Isso vai sobrecarregando o sistema”, relata. Em BH são 87 equipes de Nasf para 152 centros de saúde, uma equipe para atender dois postos. “O SUS continua subfinanciado e sem condições de responder à demanda. É delicado o momento que a gente se encontra”, avalia.
Para Regina Capistrano, 63 anos, moradora do Bairro Santa Cruz, usuária antiga do SUS e que luta por melhorias no sistema, a falta de informação é mais um entrave que dificulta o acesso das pessoas ao SUS. “O que tenho cobrado é fazer uma divulgação, uma propaganda massiva do que significa nosso sistema de saúde, tem muita desinformação. É preciso divulgar o que é feito para a população, senão ela mesma não consegue usufruir. A gente tem um sistema preventivo, que são as equipes de saúde da família, e por falta de conhecimento a população não consegue chegar ao ponto de usar o sistema como poderia”, diz. Ela também critica o corte de recursos na Saúde, como o recente desfinanciamento do Nasf: “na educação eles atacam de cima para baixo, nas universidades; na saúde eles cortam de baixo para cima, justamente na prevenção e reabilitação”.
A pandemia em números
- 60% dos atendimentos do Melhor em Casa, programa de Atenção Domiciliar, estão relacionados a quadros de pós-Covid, segundo pesquisa do Ministério da Saúde.
- 80% dos infectados pela Covid-19 têm algum tipo de comprometimento cognitivo, como perda da memória recente, irritabilidade, ansiedade causadas pela baixa oxigenação do cérebro, segundo pesquisa do Instituto do Coração (Incor).
- 440 mil Unidades Básicas de Saúde e 44 mil Equipes de Saúde da Família poderiam ter sido usadas na estratégia de enfrentamento à pandemia para identificar, monitorar e isolar pacientes.
- R$ 600 bilhões é o valor gasto pelo governo federal na rubrica “pandemia”, mas apenas R$ 40 bilhões foram destinados ao SUS.
Quem é Andrea Castelo Branco?
Gostaria de uma sugestãode leitura sobre a democracia na Nicarágua, Venezuela e Cuba, em vistas da declaração de Lula quase comparando o governo de Ângela Merkel e Daniel Ortega.
Obrigado
Olá, Padre Marcos,
a Andrea faz parte da equipe da Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp.
Em relação a outra demanda, enviei áudio para o Sr. via WhatsApp.
Atenciosamente,
Robson Sávio