Por que cidades da região de Belo Horizonte empregam poucas pessoas?
Dados do IBGE revelam: uma parcela diminuta da população vive com rendimentos de seu próprio trabalho em seis municípios da região da capital
Por Marcelo Gomes – 30 de novembro de 2021
Fração mais rica de Minas Gerais, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) abriga seis cidades com parte proporcionalmente pequena de cidadãos vivendo dos rendimentos gerados pelo trabalho. São elas: Bonfim, Mário Campos, Moeda, Piedade dos Gerais, Raposos e Ribeirão das Neves. No conjunto, apenas 9% da população desses municípios têm renda proveniente do trabalho.
Esse percentual foi calculado pela Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – Nesp, com base em dados do IBGE. As informações mais recentes relativas às pessoas ocupadas são de 2019. Técnicos do IBGE explicaram que os quantitativos de ocupação se referem aos profissionais formais e informais e incluem tanto as pessoas que vivem e trabalham na mesma cidade como aquelas que moram em uma cidade e trabalham em outra.
Entre os 28 municípios da Arquidiocese de Belo Horizonte, Raposos é onde há o menor percentual de pessoas trabalhando em relação à população total (8,3%). Em segundo lugar estão Piedade dos Gerais e Ribeirão das Neves (9,2%). Nas colocações seguintes aparecem Mário Campos (9,6%) Bonfim (11,2%) e Moeda (14,4%).
O número parece muito baixo e suscita, de imediato, algumas perguntas. Em primeiro lugar, por que as cidades mencionadas têm tão poucos habitantes empregados? Como vive o restante da população? De que outras formas as pessoas ganham a vida? Quais são as políticas públicas existentes para enfrentar esse quadro?
Vale destacar que a situação não parece relacionada à demografia. É fato que cinco das cidades consideradas são pequenas e possuem menos de 17 mil habitantes. No entanto, Ribeirão das Neves é uma das maiores cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, com 341,4 mil habitantes.
Uma característica que reúne todos esses municípios é o fato de serem conhecidos como “cidades-dormitórios”. Isso porque grande parte dos residentes exercem suas atividades de trabalho, sobretudo, em Belo Horizonte, Betim e Contagem. Considerados esses casos, resta que a quantidade de empregos gerados nas próprias cidades de residência é excessivamente baixa.
Faltam investimentos públicos e privados
A principal explicação para as seis cidades analisadas apresentarem baixos níveis de ocupação é a fragilidade de suas economias. Analisando informações da Fundação João Pinheiro (FJP), conclui-se que predominam em tais municípios, como oportunidade de trabalho, a administração pública e os serviços. Andando por essas cidades é possível constatar a predominância de bares, lojas e restaurantes, atividades econômicas que geram pouca renda.
Entre os fatores que ocasionam tal fragilidade econômica, destaca-se a falta de investimentos públicos ou privados. “A gente começa a ver que nessas cidades as populações estão ficando sem alternativas (de trabalho). E se não tem investimento, não tem emprego”, analisa a professora do Departamento de Economia da PUC Minas, Tânia Cristina Teixeira, que também preside o Conselho Estadual de Economia (Corecon).
Empresários não costumam investir em localidades em que a população tem baixo poder aquisitivo. Afinal, o risco de não obterem lucros é alto. Por sua vez, os poderes públicos das cidades analisadas não têm capacidade para fomentar a economia local porque não dispõem de arrecadação suficiente.
Conforme o Portal Receitas, do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) , entre os municípios da Arquidiocese, Piedade dos Gerais é o mais dependente de recursos do estado e da União. 92,9% do dinheiro da prefeitura dessa cidade provém dos governos estadual e federal. Na lista seguem Mário Campos (88,6%), Moeda (87,02%), Raposos (86,5%), Ribeirão das Neves (77,6%). Os recursos transferidos pelos demais entes da federação, basicamente, custeiam apenas a máquina pública e as obrigações com saúde e educação.
“Quando as cidades não investem, ficam frágeis, definham, e a especulação imobiliária ocupa. E assim elas são praticamente tomadas por grandes condomínios de luxo”, observou a professora Tânia.
Políticas do governo federal agravam a falta de trabalho
Para o economista Gelton Coelho Filho, a situação das cidades frágeis economicamente piora em razão da atual política macroeconômica. “Primeiro, não existe uma política de emprego no país. Além disso, o mercado de trabalho brasileiro sofreu uma forte flexibilização nos últimos tempos e atualmente, com isso, estão aumentando os empregos informais”, explica Gelton.
A política de juros do Banco Central é outro agravante na conjuntura das cidades mais frágeis. O aumento de juros – que vem ocorrendo nos últimos tempos – deveria servir para estancar um crescimento da inflação gerada pela demanda.
No entanto, não é por causa de um aumento de demanda que a inflação vem crescendo, mas sim por causa dos custos de produção. “Então, está errada essa política de subida de juros. E esses custos são gerados porque os preços administrados (aqueles controlados pelos poderes públicos) estão altos, como o dos combustíveis e da energia”, diz Gelton.
E a professora Tânia Cristina Teixeira completa: “ao subir os juros, você inibe os investimentos, porque tomar dinheiro emprestado fica mais caro, e ainda reduz a capacidade de compra das famílias”.
Apenas Ribeirão das Neves apresenta políticas de emprego e renda
Em face da insuficiência de uma arrecadação própria, não é de se esperar que as cidades verificadas consigam desenvolver alguma política de emprego, ou criar incentivos econômicos. Questionamos às prefeituras, contudo, para saber se elas possuem ao menos ações pontuais. Dos seis municípios, apenas Ribeirão das Neves respondeu até a conclusão deste texto.
“A Prefeitura de Ribeirão das Neves, através da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania, informa que conta com os Cursos do SENAR-MG, SEBRAE e outros, para capacitar empreendimentos. Fomentamos o comércio local através das Feiras da Economia Solidária em espaços e eventos públicos e pontos de comercialização em parceria com empresas privadas. Durante a pandemia foi criado o programa ‘Costurando Renda’ em parceria com a Empresa Multi Panos, que atende hoje cerca de 25 mulheres que trabalham na produção de estopas e tapetes”, diz em nota o Executivo.
Como sobrevivem as pessoas não ocupadas?
No Brasil, pessoas acima de 14 anos são consideradas aptas para trabalhar. Elas compõem a população economicamente ativa. Analisando a pirâmide etária dos municípios averiguados, disponibilizada pelo IBGE, verifica-se que, no mínimo, 60% da população de cada um deles possuem entre 15 e 64 anos. Isso levando em conta dados do último censo demográfico, de 2010.
Segundo dados do INSS, a parcela de pessoas aposentadas é pequena em relação ao número total de habitantes. Bonfim é a localidade onde a proporção é maior, chegando a 22,4% da população. As demais cidades têm números ainda menores: Piedade dos Gerais (15,2%), Moeda (13,6%), Ribeirão das Neves (4%), Raposos (3%) e Mário Campos (1%). Isso mostra que, de fato, há muitos cidadãos nas localidades pesquisadas em idade de trabalhar, mas não exercem nenhuma atividade.
Não existem estudos a respeito do que fazem as pessoas não ocupadas em idade de trabalhar. Há especulações, contudo. Uma dessas hipóteses é a de que parte significativa da população mora com os pais aposentados.
Também pode haver atividades econômicas efêmeras, que podem escapar da lupa do IBGE. Exemplo disso é visto em Raposos. Por lá, é comum pessoas que possuem motocicletas realizarem serviços esporádicos de mototáxi, sob demanda. Suspeita-se de que a informalidade e a sazonalidade sejam hoje a principal característica do mercado de trabalho nas cidades aqui consideradas.
Outro fator que ajuda a explicar como sobrevive o contingente de habitantes não ocupados são os programas de transferência de renda. É o caso do Bolsa Família, substituído recentemente pelo Auxílio Brasil, e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago às pessoas com deficiência e idosos sem renda.
5,5% da população total dos seis municípios investigados recebem o Bolsa Família ou o BPC. São 21,7 mil pessoas. Esses números foram levantados pelo Nesp a partir de dados do Portal da Transparência do governo federal.
As frágeis economias das cidades analisadas são a grande porta de entrada da pobreza. Informações de setembro de 2020, do Ministério da Cidadania, mostram que, em relação à população de cada um dos municípios, os índices de pobreza e extrema pobreza podem variar de 14,9% a 51,36%.
Das seis cidades, Raposos é onde há menos pobres ou extremamente pobres, 14,9% de seus habitantes. Bonfim é a que mais tem, 51,36%.
A solidariedade como recurso contra a pobreza extrema
Alexsandra Braga dos Santos integra as cifras de pobreza e já fez parte da lista dos extremamente pobres. Ela morou na beira da estrada durante sete meses. Negra, moradora de Moeda, ela vive com seu filho mais novo, Júnior, de 17 anos, três netos e o esposo, Ricardo Pacheco, de 37. Sem estudos, Alexsandra trabalhou praticamente a vida toda no setor informal e sempre morou de aluguel. Em sua cidade, 44,14% da população é pobre ou extremamente pobreza.
Com a pandemia, Alexsandra e seu atual esposo perderam a renda, e tornou-se impossível arcar com o aluguel. “Nessa época eu comprava cesta básica fiado para tentar pagar o aluguel. Mas não adiantava”, comentou. E não adiantou mesmo. Ela e sua família foram despejados. Sem ter para onde ir, não houve outra solução e foi morar à beira da estrada.
“Eu consegui comprar umas lonas. Montei uma casinha e vivi lá. Eu disse: ‘meu Deus, sempre passei por muita dificuldade, mas morar debaixo de lona na beira da estrada e com minha família… Nunca pensei que fosse passar por isso’. De noite, eu tinha medo de botarem fogo ou alguém na estrada fazer algum mal comigo e com os meninos”, relembra.
Ela viveu por lá entre o fim de 2020 e o começo deste ano. “Eu não sabia, mas a gente morava em uma terra pública, do governo (estadual), que expulsou a gente. Um dia, um funcionário do DER (Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem) veio até mim. Ele me disse que eu tinha 15 dias para sair”. Ela entrou em desespero.
Hoje, Alexsandra está sendo auxiliada por integrantes do grupo “Um gesto de amor”, uma Organização da Sociedade Civil, que estão se articulando para construir uma casa para ela. Encabeçou o movimento Sandra Regina Coutinho, mais conhecida em Moeda como Sandra do Salão. Os materiais de construção arrecadados pela entidade foram suficientes para erguer a moradia, que fica em um terreno concedido pela mãe de Ricardo.
A habitação ainda não está finalizada, mas falta pouco. “Nossa, hoje quando eu vejo isso aqui levantado eu digo: meu Deus, não acredito”, diz emocionada.