Os serviços de acolhida aos migrantes em Belo Horizonte, Betim e Contagem
Por Marcelo Gomes – 14 de dezembro de 2021
“Nossa, meu Deus, foi susto. Mas agora já passou”. Após usar água sanitária na limpeza da casa, a asma de Leomárcia Aray piorou. Na última semana, pela primeira vez ela se internou em um hospital brasileiro, em Contagem. “Quando comecei a passar mal eu fui até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Lá eles viram que meu pulmão ficou muito comprometido por causa da água sanitária. De lá eles me levaram para ficar internada”, contou. Hoje, a migrante venezuelana de 42 anos está em casa e passa bem. Leomárcia relata não haver experimentado qualquer discriminação durante o tratamento que recebeu.
A legislação brasileira tem por princípio a igualdade entre migrantes e nacionais. A eficácia dessas regulações, todavia, não é plena. Faltam políticas públicas. Diante disso, a Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp procurou saber como se dá a acolhida aos migrantes que chegam a Belo Horizonte, Betim e Contagem.
Especialistas apontam que, ao chegarem aqui, os migrantes enfrentam três grandes dificuldades: regularizar documentos, aprender o português e encontrar emprego ou outros meios de geração de renda. Daí a necessidade de averiguar quais são as políticas de acolhimento aos imigrantes adotadas pelo poder público nesses municípios.
Em Belo Horizonte a prefeitura oferece o serviço de atendimento ao migrante. “O objetivo é evitar o agravamento da situação de migração e a consequente permanência dos indivíduos e das famílias nas ruas. São oferecidas escuta qualificada, orientações e encaminhamento para a rede socioassistencial, além da concessão do benefício de passagem intermunicipal e interestadual, dentre outras atividades”, disse a prefeitura ao Nesp.
A prefeitura de Betim foi procurada. Mas não retornou até a conclusão deste texto. Entretanto, a quantidade de migrantes na cidade é visivelmente grande. É conhecido o caso do bairro Bandeirinha em que vivem muitos angolanos e um grande número de venezuelanos. Por lá, é comum ouvir-se, em determinadas ruas, mais o espanhol do que o português.
Em Contagem o fluxo de migrantes também é intenso. A prefeitura da cidade foi procurada, mas não retornou. Sabe-se que a prefeitura formou um comitê na cidade para elaborar um plano de políticas em prol desse público. Não foi possível saber o que atualmente faz essa comissão bem como seus próximos trabalhos. Atualmente, os bairros Milanez e Morada Nova se destacam no acolhimento de haitianos e venezuelanos, muitos dos quais trabalham na Ceasa.
É no bairro Milanez que vive Leomárcia Aray e sua família. Ela é casada com Jorge Rafael, de 55 anos. É mãe de Ruth, de 13 anos, Abel, de 10, e Maria, de 22. Eles chegaram ao Brasil em 2019 provenientes de Ciudad Guayana, no leste da Venezuela. Na cidade natal, a família vendeu a casa com o intuito de arrecadar quantia suficiente para custear o processo de migração.
Leomárcia sente falta de políticas de geração de renda. “O que nós queríamos é uma espécie de um investimento, (para )termos um dinheiro e investirmos na produção e comercialização de Arepa (comida tradicional em Venezuela)”, contou. Atualmente, o sustento da família é o trabalho de Jorge, técnico em mecânica. Ele conseguiu emprego rápido porque é profissional experiente. Isso, porém, não é a realidade de todos os migrantes, que muitas vezes largam os estudos no país de origem e não conseguem retomá-los no Brasil. Resultado: trabalho informal.
O fluxo migratório em Betim e Contagem – especulam pessoas próximas à causa migratória – tende a ser o maior em Minas Gerais. Isso porque, ambas as cidades estão próximas de Belo Horizonte e a aquisição ou o aluguel de moradias são mais baratos do que na capital.
A legislação ampara, mas faltam políticas efetivas para acolher os imigrantes
Atualmente, está em curso a elaboração do primeiro plano estadual da migração, norma que conterá as políticas públicas desse segmento. A iniciativa partiu do Comitê Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Apátrida, Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo de Minas Gerais (Comitrate). dia 21 de dezembro, ocorrerá a finalização das propostas dos migrantes.
“O Brasil tem uma avançada lei de migração, mas não tem políticas para efetivar essa lei. Nos encontros que tivemos com os migrantes, foram colhidas várias propostas. Para mim, entre as mais importantes, há a integração familiar, que é não deixar que pessoas de uma mesma família se separem. Também tem a sugestão de construção de um centro de referência e atendimento. Às vezes, muitos chegam e não sabem onde recorrer, onde pedir ajuda”, disse a professora do Departamento de Serviço Social da PUC Minas, Maria da Consolação de Castro.
A professora lamenta o fim do conselho nacional da migração. “Era uma instância importante para a discussão de propostas a esse público”, diz. Em 2019, a Presidência da República extinguiu dezenas de conselhos. Ela comemora, porém, a elaboração do primeiro plano estadual de migração.
O Brasil assinou uma série de acordos internacionais sobre migração. Destacam-se a Carta de Direitos Humanos, de 1948, e o Estatuo Internacional dos Refugiados. A legislação em vigor está em consonância com esses tratados. A Constituição, em seu artigo 5°, garante aos estrangeiros os mesmos direitos dos brasileiros. A lei 13.445 de 2017 institui o estatuto da migração e detalha como deve ser concretizado o dispositivo constitucional.
De acordo com os professores Aylle de Almeida Mendes e Deilton Ribeiro Brasil, essa lei trouxe grandes inovações ao Brasil, ao substituir o antigo estatuto do estrangeiro, dispositivo legal discriminatório feito na Ditadura Militar.
“O imigrante era tratado de maneira discriminatória, porque era visto com desconfiança, fazendo-se necessário se precaver diante da ameaça causada pelo estrangeiro à soberania nacional e às relações de trabalho em detrimento do brasileiro. Com a nova Lei de Migração, o imigrante passa a ser sujeito de direitos e obrigações, prioriza-se a defesa dos direitos humanos”, afirmam Aylle e Deilton.
Serviços de acolhida aos imigrantes na Arquidiocese de Belo Horizonte
A Arquidiocese da capital oferta a Casa da Acolhida do Migrante, localizada na região central de Belo Horizonte. Ali, são abrigados pessoas que não têm um abrigo imediato ao chegarem no Brasil. É oferecida toda a estrutura de uma casa. A estadia dura até os migrantes conseguirem emprego que lhes possibilitem encontrar moradia própria. Em parceria com o serviço jesuíta, a Arquidiocese presta assessoria jurídica e ajuda o migrante na procura de emprego e também atua na causa migrante por meio da PUC Minas.
No fim de novembro, a universidade sediou o lançamento do site do Cio da Terra, coletivo formado por mulheres migrantes. Esse grupo foi formado em 2017. Sua finalidade é amparar as migrantes nas mais diversas áreas, como na geração de renda, apoio jurídico, entre outras.
“Eu percebi que as migrantes têm diferenças entre os homens. A princípio as mulheres tinham mais dificuldade em se socializar. Não saíam sozinhas, não conheciam a cidade, e levavam mais tempo para aprender português. E sofriam violências”, diz Luciana Pereira Lourenço, uma das organizadoras da iniciativa e militante da causa migratória.
A PUC Minas desenvolve estudos, acolhe estudantes migrantes e oferta serviços a essa população, como assessoria jurídica e o ensino da língua portuguesa. A Universidade é responsável ainda pelo Atlas da Migração Internacional em Minas Gerais.
Algumas organizações sociais oferecem amparo a essas pessoas. É o caso do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, instituição atuante em todo o país. No caso de haitianos e venezuelanos, desde a chegada ao Brasil até o estabelecimento definitivo, essa instituição católica presta auxílio. Para isso, conta-se com o trabalho de voluntários de diversas áreas.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência da ONU para as migrações, também é muito presente, sobretudo na acolhida e no financiamento à geração de renda.