Aeroporto Carlos Prates pode se tornar área verde
Um parque no local poderia ajudar na qualidade de vida na cidade
Marcelo Gomes – 17/03/2022. Atualizado em 21/03/2022
Os moradores do entorno do Aeroporto Carlos Prates vivem em uma região extremamente poluída. Além da poluição causada por carros, os aviões agravam essa situação. Movimentos sociais da região metropolitana da capital sugerem alternativas para amenizar o problema, como a transformação do Aeroporto Carlos Prates em um parque de lazer e área verde.
Esse foi o assunto da matéria precedente, na qual a Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – Nesp analisa os movimentos de resistência à política do governo federal que pretendia destinar a enorme área do aeroporto para a especulação imobiliária.
O Aeroporto Carlos Prates foi criado na década de 1940. Ao longo de sua história, foi usado para aviação militar e particular, assim como para a formação de novos pilotos. Ele está na regional Noroeste de Belo Horizonte, a segunda mais adensada da capital. Por essa razão, a relação entre o aeroporto e população nunca foi harmoniosa. Ruídos, exposição às radiações (provenientes das torres de controle aéreo) foram algumas das críticas ao longo do tempo. A maior dor de cabeça foram os acidentes.
“Os acidentes aconteciam com frequência. Eu moro bem debaixo da linha de decolagem. Então, eu sei bem o que nós daqui da vizinhança enfrentamos. Além disso, nos incomodava muito o barulho. Era demais. Desde a década de 1980 há propostas para desativar o aeroporto. Mas nunca ocorreu”, conta Luzia Barcelos, moradora do bairro Montanhês.
Entre 2004 e 2020, foram registradas 47 ocorrências envolvendo o aeroporto, com cinco mortes e seis feridos. Sem contar os danos patrimoniais. Em duas ocasiões, por exemplo, aeronaves atingiram casas.
No ano passado, o governo federal, dono do aeródromo, anunciou o fim das atividades por lá. O Executivo federal concluiu ser oneroso aos cofres públicos mantê-las. Elas seriam então transferidas para o Aeroporto da Pampulha e para outros do interior mineiro. Até o momento, ainda há pousos e decolagens no Carlos Prates, que, em princípio, continuará até 1 de maio deste ano. No entanto, já circulam notícias de que as atividades podem ser mantidas até o final de 2022. O futuro dos seus 547 mil metros quadrados, portanto, é incerto.
O destino de tal área, equivalente a mais de cinquenta campos de futebol, é uma das principais disputas políticas por território neste momento na capital. O Coletivo Cultural Noroeste BH está engajado em desativar o aeroporto e transformá-lo em área verde de multiuso.
Não existem dados oficiais sobre a qualidade do ar e do clima da regional Noroeste. Mas, há indícios de que os níveis de poluição por lá são gritantes. Tal região, como dito, é a segunda mais adensada da capital. Logo, possui um fluxo gigante de automóveis. E ainda sedia um aeroporto.
Segundo informações da Prefeitura, no ano de 2018, em toda a cidade 70% das emissões anuais de gases de efeito estufa provêm do transporte aéreo e rodoviário. Piora a situação da regional a existência de somente um parque, que é o Parque Ecológico de Lazer do Caiçara.
A população local convive com grande impureza no ar em razão de não existirem áreas verdes suficientes para absorver as substâncias poluentes. É bom lembrar: a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que para cada cidadão de uma cidade haja três árvores.
Como citado, a má qualidade do ambiente pode causar sérias complicações na saúde humana. Qualquer um em qualquer idade pode ser afetado. Porém, há um público mais vulnerável: as crianças. Elas estão em desenvolvimento físico e tendem a ter menos capacidades de se protegerem das intempéries. O Boletim de Vigilância em Saúde da Prefeitura, de outubro de 2021, mostra que, na regional Noroeste, a cada 100 pessoas menores de 5 anos, 52 apresentaram, no ano passado, algum problema respiratório.
O material não revela as possíveis causas. “Contudo, os estudos epidemiológicos têm demonstrado correlações entre a exposição aos poluentes atmosféricos e os efeitos de morbidade e mortalidade, causados por problemas respiratórios (asma, bronquite, enfisema pulmonar e câncer de pulmão) e cardiovasculares, mesmo quando as concentrações dos poluentes na atmosfera não ultrapassam os padrões aceitáveis”, afirmou o Executivo da capital no documento.
No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a poluição atmosférica matou 38,7 mil pessoas em 2006. O número aumentou em 14%, para 44,2 mil dez anos mais tarde. Não há informações atualizadas.
No contexto das mudanças climáticas, reside outro relevante argumento à instalação da área verde no Carlos Prates. Vegetação abundante torna o clima ameno porque reduz a intensidade do calor. Explica melhor esse ponto o professor de geografia da PUC Minas, Alecir Moreira. “Na condição atual da cidade, com um monte de edifícios, dificulta a dissipação do calor. E assim são criadas as ‘ilhas de calor’. Em uma área mais natural (vegetal), a resposta para a atmosfera será mais qualidade do ar”. E completou:
“Nós não fizemos a lição de casa de forma correta. BH tem instrumentos de planejamento urbano, mas ao longo do tempo eles não foram cumpridos e vemos que outros interesses levaram a gente a perder muito a qualidade do meio ambiente. E a consequência disso será o aumento da temperatura e aumento de chuvas, que poderão causar desastres. E isso não é algo natural. São construções sociais. É por isso que a ideia do parque no aeroporto é ótima”.
O docente explicou que em locais com alto nível de calor a evaporação de água à atmosfera é maior. Assim, haverá mais chuvas em tal localidade. “Com isso, vão acontecer mais enchentes relâmpagos (inesperadas, em termos mais simples), como as que aconteceram nos últimos dias na cidade. Se tivéssemos mais áreas verdes, elas poderiam ajudar a absorver essa água e não causar danos”.
Da mesma forma, a pesquisadora em arquitetura e urbanismo e também professora da universidade católica, Viviane Zerlotino da Silva, defende a transformação do Carlos Prates em um parque porque ele poderia amenizar grandes estragos provocados por fortes chuvas. “A área do aeroporto está no que chamamos de topo. Qualquer terreno que está no alto de um topo é a área que primeiro recebe água das chuvas. E quando há vegetação nesse topo, as raízes dos vegetais ajudam na infiltração da água no solo. Logo, isso poderia diminuir as enchentes”, afirmou.
Wellington Assis pesquisou o clima de Belo Horizonte. Os resultados dos trabalhos constam em sua tese de doutorado, defendida na UFMG. Suas conclusões reafirmam o que foi dito até aqui. “As áreas verdes têm atuado como moderadoras das temperaturas registradas em ambientes urbanos. Nos locais onde há pouca arborização, há também pouca disponibilidade de vapor d’água na atmosfera (ou seja, lugares secos). Já nas regiões com maior disponibilidade de áreas verdes e espaços livres, com arborizações e presença de corpos hídricos ou pequenos espelhos d’água, as temperaturas sofrem declínio”.