Recursos de emendas destinadas por deputados mineiros não contribuem para elevar o IDH de regiões pobres
Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos/Nesp – 13/12/2022
Além de criar leis e fiscalizar o governo, nos últimos anos, os parlamentares têm assumido outra função: passaram a aplicar recursos por meio de emendas. Essa não era uma tarefa originalmente atribuída ao Legislativo, mas foi agregada como forma de indicar a execução de obras que, impositivamente, o Executivo tem de realizar.
Embora esteja legalizado, esse atravessamento de competências vem recebendo críticas entre especialistas, porque, além do problema institucional, não há clareza quanto à eficácia dos recursos destinados pelos parlamentares. Sob esse ponto de vista, o orçamento impositivo já nasce como uma maneira de o Parlamento chamar para si uma responsabilidade do Executivo: a realização de investimentos. Apesar de os recursos de emendas poderem ser usados com fins de investimentos, hoje em dia eles servem para atender interesses políticos.
Em Minas Gerais, já era facultado aos parlamentares fazer a indicação de emendas. Porém, o Executivo tendia a privilegiar as indicações orçamentárias feitas por deputados que o apoiavam. Durante muitos anos, as emendas foram, portanto, uma espécie de moeda de troca do governo por apoio do deputado na Assembleia Legislativa.
No entanto, em 2019, os deputados conseguiram aprovar uma modificação constitucional que aumentou significativamente o poder da Assembleia. Por meio de uma emenda à Constituição, o Parlamento impôs ao governo a obrigação de executar as emendas de todos os parlamentares, sendo ou não seus aliados.
Conforme a Constituição de Minas, a partir de 2022, as emendas dos 77 deputados equivalem a 1% da receita corrente líquida (RCL). Em 2020, esse percentual era de 0,8% da RCL. Em 2021, 0,9%. O quadro abaixo mostra o montante disponível para cada político nos últimos anos. Apesar da grave situação financeira do governo, os investimentos parlamentares tiveram crescimento real de 35%.
Ano | Valor para cada deputado |
2020 | R$ 6.635.204 |
2021 | R$ 7.704.162 |
2022 | R$ 10.247.365 |
O Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp analisou as emendas individuais e de blocos parlamentares de 2020, 2021 e 2022. O levantamento baseou-se em dados do Tribunal de Contas de Minas (TCE-MG). As emendas apresentadas individualmente pelos parlamentares englobam a maior parte dos recursos destinados. Excluiu-se 2019, porque nesse ano estavam sendo pagas as emendas da legislatura anterior e, portanto, estão fora do escopo deste texto, no qual se deseja apreciar apenas a atual legislatura. A apuração abarcou as emendas efetivamente pagas de 2020 e 2021. Para 2022, foram consideradas as emendas indicadas, pois elas ainda estão sendo quitadas.
Onde foram investidos os recursos
Nos três anos analisados, os parlamentares distribuíram R$ 2,2 bilhões. Desse valor, cerca de 44% (R$ 1,004 bilhão) foram destinados à região metropolitana de Belo Horizonte, Triângulo/Alto Paranaíba e Sul/Sudoeste de Minas. Essas três localidades são as mais prósperas em termos de riqueza e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O gráfico abaixo, retirado da plataforma Sidra do IBGE, mostra o PIB das regiões de Minas Gerais.
O mapa abaixo, produzido pelo Cegipar, do Anima PUC Minas, e baseado no Censo de 2010, apresenta o IDH dos municípios. Esse índice mede distribuição de renda, nível de educação, saúde, entre outras variáveis importantes para o desenvolvimento dos cidadãos. Quanto mais o valor se aproxima de 1, mais alto é o IDH. Nota-se que as regiões mais ricas, acima citadas, também possuem alto desenvolvimento humano.
Há, na discussão, o argumento de que o investimento seria proporcional à densidade populacional. Contudo, em Minas Gerais, as regiões ricas e populosas têm maior capacidade para investir em si mesmas. As prefeituras desses municípios arrecadam mais tributos, os quais podem ser reinvestidos em educação, estrutura etc.
O fato é que as regiões pobres e com IDH mais baixos têm necessidades maiores. Apesar disso, receberam menos recursos dos deputados. Trata-se do Norte de Minas, Jequitinhonha e Mucuri, que ficaram com R$ 426,1 milhões, o que representa aproximadamente 18,7% de todo o valor distribuído. A partir da apuração do Monitoramento infere-se que, na atual legislatura, os parlamentares desconsideraram o PIB e o IDH das cidades como critério para distribuir as emendas parlamentares. Um bom exemplo disso é o caso de Nova Lima, na região Central, e de São João das Missões, no Norte.
A primeira cidade tem um dos maiores IDH do Brasil e é conhecida por abrigar muitos milionários. Seu PIB por pessoa é de R$ 124,9 mil, conforme o IBGE. Já o PIB por pessoa em São João das Missões, no Norte, é de R$ 6,4 mil, configurando-se como um dos municípios mais pobres do país.
A cidade do Norte recebeu R$ 2,8 milhões em emendas parlamentares nos últimos três anos e Nova Lima, R$ 3 milhões. Ou seja, distribuíram-se quantidades similares para municípios com contextos diametralmente opostos, o que pode contribuir para o aumento das desigualdades regionais.
Apenas a quantidade de dinheiro não é sinônimo de desenvolvimento. É relevante saber a finalidade do recurso, como se fará na próxima seção.
Deputados não priorizam ações de desenvolvimento humano
Com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, elegeram-se cinco tipos de investimentos que contribuem com o IDH de uma região. São eles:
- Acesso ao trabalho e à renda
- Ações de educação profissional
- Ações para inclusão socioprodutivas
- Apoio à política estadual de segurança alimentar e nutricional
- Apoio a projetos culturais por meio de editais
A região Central de Minas e a Metropolitana de Belo Horizonte foram as únicas que receberam recursos para todas essas cinco ações nos três anos analisados. Foram R$ 872,3 mil transferidos. O Norte recebeu apenas R$ 79,9 mil referentes à segurança alimentar e nutricional nos últimos três anos. As demais zonas ficaram sem recursos para as ações elencadas acima.
Boa parte do dinheiro que os deputados destinaram foi usada em transferências especiais. Trata-se de repasses feitos diretamente às prefeituras, que podem utilizar o dinheiro sem contrapartida. Até o momento, não se sabe o destino dos recursos. Cabe ao Executivo dos municípios informar como se deu a aplicação do dinheiro. Somente esse tipo de emenda representou de 31% a 41% dos valores investidos em cada região.
O Monitoramento dos Poderes Públicos já discutiu as transferências especiais no boletim Contextus. Mostrou-se que esse tipo de emenda foi um dos maiores em 2020 e em 2021. Vale chamar atenção que nesses anos os deputados deixaram de investir em ações relevantes, conforme se vê no infográfico produzido com base em informações do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG).
O Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp buscou saber, junto à Ouvidoria do Tribunal de Contas, se há fiscalização atinente às transferências especiais e quanto a sua finalidade.
O órgão informa que a partir de 2021 começou a se debruçar sobre as emendas provenientes das transferências especiais. Não nos foi informado se algum município já recebeu advertência por mal uso do recuso tampouco o destino do dinheiro recebido pelas prefeituras. Mas, diz o TCE, isso pode ser conferido na plataforma Fiscalizando com o TCE, na qual o Monitoramento do Nesp já se debruça para encontrar o destino das transferências especiais.
Redação: Claudemir Francisco Alves (Coord.) e Marcelo Gomes
Colaboração: Centro de Geoprocessamento e Informações e Pesquisas Pastorais e Religiosas (Cegipar)