Estudo questiona legalidade da dívida pública de Minas Gerais, cujo custo supera gastos com educação e saúde
Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – 09/05/2023
Na suposição de que o governo de Minas Gerais destinasse toda a arrecadação deste ano, estimada em R$ 106,1 bilhões, para a quitação da dívida do estado, ainda restaria um saldo devedor de aproximadamente R$ 52 bilhões. Esse raciocínio permite formar uma ideia da dimensão que a dívida pública de Minas Gerais alcançou ao longo dos anos. Um estudo produzido pela Affemg lança luz sobre as discutíveis e pouco conhecidas origens de tal débito, que abocanha volumosas fatias do orçamento público enquanto tantas outras áreas carecem de recursos.
“No inconsciente coletivo, predomina a ideia de que os Estados se endividam por incompetência em gerir receitas e despesas”, observam Eulália Alvarenga, Lucas Rodrigues Espeschit e Marco Túlio da Silva, autores do documento. Em momentos de crise econômica, os governos são provocados a elevar seus investimentos, contraindo dívidas. Em princípio, essa seria a justificativa das dívidas públicas. Contudo, ao menos no que tange a Minas Gerais, a dívida não possui uma derivação desse tipo.
Conforme já demostrado em publicação recente do Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp, números recentes da Secretaria de Fazenda estadual mostram que a dívida total do estado atinge R$ 158,6 bilhões. Cerca de 56% disso é a parte que Minas deve ao governo federal (R$ 88,2 bilhões). Tal fração do débito remonta aos anos 1960 e 1970. Em 1966, o governo federal, então controlado pelos militares, alterou o sistema tributário nacional. Os militares concentraram na União a maior parte dos tributos, diminuindo sensivelmente a arrecadação dos estados. Restou-lhes, então, a realização de empréstimos para suprir a falta de recursos. Naquela época, o país e o mundo passavam por um período de crescimento econômico, o que facilitou o acesso ao crédito. Com o passar dos anos, os estados não deram conta de pagar as dívidas, sobretudo em razão dos juros altos praticados no Brasil a partir do fim dos anos 1980.
Ao longo dos anos, a situação dos estados piorou. Diante disso, criou-se, em 1997, a Lei 9.496, por meio da qual o governo federal assumiu as dívidas e passou a ser o credor dos estados. É precisamente nessa renegociação que paira indícios de ilegalidades, os quais tornam a dívida pública mineira questionável.
O primeiro ponto duvidoso a que chamam à atenção os autores do estudo são os altos juros embutidos nos contratos de renegociação. Naquele momento, os juros foram de 7,5% ao ano. No entanto, até 2014, incidiu sobre a dívida não somente essa alta taxa de juros, mas a correção monetária foi atrelada a um indexador altamente danoso, o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), já que reflete a variação do câmbio. Disso se infere que tal correção se dá com base em critérios alheios à natureza doméstica da própria dívida, já que espelha a instabilidade cambial.
“Chamam a atenção os termos de contratação e renegociação das dívidas dos Estados com o Governo Federal desde fins do século XX, pois, além de elevados juros cobrados, de fundamentação legal questionável diante uma relação entre dois entes da federação, Estados e União, foi pautada por indexação ao Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), um índice altamente influenciado pela variação cambial”, pontuam os autores.
Outro agravante se acrescentou quando o governo mineiro assumiu a dívida dos bancos públicos estaduais, o Bemge e o Credireal. “Há indícios de que os ‘rombos’ dos bancos estaduais surgiram devido ao não pagamento de dívidas de grandes empresários, incorrendo em estatização de dívidas privadas”, afirmam os autores. Até hoje não houve auditoria da dívida dessas instituições financeiras. As despesas do Bemge custaram ao Estado cerca de R$ 1,5 bilhões. Posteriormente, ele foi vendido ao grupo Itaú por aproximadamente R$ 500 milhões – um valor sensivelmente inferior ao que custou para o Estado.
Eulália, Lucas e Marcos ressaltam que, para o serviço da dívida, isto é, o pagamento de juros e outros encargos, o Estado gasta anualmente cerca de 10% do PIB de Minas, valor superior aos gastos com educação e saúde, os quais representam 5% do PIB. Os autores ainda chamam a atenção para o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), oficialmente apresentado como uma ajuda financeira federal para os estados altamente endividados.
A Lei Complementar 159, que institui o Regime, prevê que na hipótese de adesão à proposta, o Estado deve renunciar a qualquer processo judicial referente à dívida pública estadual. Isso impossibilitaria a Minas abrir, por exemplo, auditorias do seu débito.
O estudo da Affemg ainda critica o argumento sustentado pelo governo, segundo o qual Minas estaria, nos últimos anos, apresentando superávits (quando as receitas superam as despesas). Faz-se também uma análise sobre o desempenho do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal tributo estadual.
Acesse o estudo na íntegra: Breve análise das contas públicas de Minas: passado, presente e futuro
Eulália Alvarenga é economista. Marco Túlio da Silva e Lucas Rodrigues Espeschit são auditores fiscais
Redação: Claudemir Francisco Alves e Marcelo Gomes