Religião e futebol: é este o jogo em BH?

O filósofo e matemático cristão Blaise Pascal disse, certa vez, que a fé é como uma aposta: “se aposta que Deus existe tem tudo a ganhar; se de fato não existe, não tem nada a perder. Então é melhor apostar de que exista.”

Há muitas semelhanças entre futebol e religião. No “mundo do futebol”, o torcedor vive de apostas: sempre conta que a sorte beneficiará o  seu time e que, até no último minuto do jogo, tudo pode virar a seu favor. Há os fanáticos: grupos de torcedores que agridem os torcedores de outros times. Já vimos verdadeiros crimes: torcidas organizadas e de fanáticos chegam até a matar adversários de outro time concorrente.

Na religião existe, também,  a doença do fanatismo, da intolerância e da violência contra outra expressão religiosa. Esse tipo de pensamento e prática também já produziram até guerras, ao longo da história.

Acontece, que a política, arte do bem-comum, não pode se transformar numa partida de futebol em que uns ganham, os outros perdem.  A política, com P maiúsculo, existe para mediar e solucionar os conflitos; atender aos interesses coletivos e comunitários, principalmente dos grupos com menor poder de barganha e favorecer a construção de sociedades mais justas, humanas e igualitárias.

Veja a matéria abaixo, publicada pelo jornal O Tempo sobre política e religião na disputa do segundo turno das eleições municipais em Belo Horizonte:

Na última semana, a reportagem de O TEMPO visitou os bairros Pompeia e Santa Lúcia, onde estão as seções eleitorais onde Alexandre Kalil (PHS) e João Leite (PSDB), respectivamente, tiveram o melhor desempenho no último domingo. Ao conversar com os eleitores é possível identificar que o discurso religioso aparece como forte argumento dos que optaram por João Leite – que é evangélico –, embora alguns dos eleitores ouvidos neguem que esse tenha sido o motivo da escolha. Já os que preferiram votar em Kalil apresentaram entre os motivos da escolha o desgaste com a política tradicional e também o apelo pelo futebol – Kalil é ex-presidente do Atlético.

Membro da Igreja Batista Central, a mesma de João Leite, a cabeleireira Maria Sandra Pinto, 42, conversava com a sogra, Terezinha Rose Fernandes, 57, na porta da Escola Estadual Dona Augusta Gonçalves Nogueira – local que abriga a seção 343, que deu número recorde de votos ao tucano (61,44%) –, quando foi abordada pela reportagem. “Eu o conheço da igreja e sei que é um homem bom, uma pessoa séria, que ajuda as pessoas”, resumiu.

Do outro lado da rua, a aposentada Maria da Glória Paulo Monteiro, 66, da Assembleia de Deus, também confirmou o voto no tucano. “Uma moça da Igreja Adventista veio conversar comigo e outras pessoas para falar sobre o João Leite. Na mesma hora, Deus tocou meu coração e votei nele”, contou a eleitora. “Vi na televisão que o João estava ganhando nas pesquisas. Aí pensei: ‘deve ser bom’”, justificou a doméstica Cleonice Ribeiro de Souza, 38.

Distante dali, na região Leste, em frente ao colégio São Francisco de Assis, que abriga a seção 76, no Pompeia, onde Alexandre Kalil obteve 47,62% dos votos da urna, o aposentado Aírton José da Silva, 67, disse que na casa dele a preferência geral foi pelo empresário Alexandre Kalil. “Minha família inteira votou no Kalil. E não vou negar, somos atleticanos doentes”, confessou.

Na calçada do colégio, “seu” José Luiz, 64, também disse que preferiu votar no ex-presidente do Galo. “Não acho que o bairro seja de atleticanos, aqui é bem dividido. Votei porque estou desiludido com a política, e ele tem o discurso mais realista, de não prometer e fazer funcionar o que tem”, explicou.

Apesar do voto em Reginaldo Lopes (PT), a professora Aline Vilhena, 36, confirma a preferência por Kalil no segundo turno. “Muita gente da esquerda dará um voto de protesto contra a extrema direita”, opinou.

Propaganda Curta: Neste 2º turno, a propaganda eleitoral será ainda menor. A publicidade terá 10 minutos, com cada candidato tendo 5 minutos. A propaganda irá da próxima sexta-feira, dia 14, até o dia 28.

OPINIÃO

Jejum: “A política é bíblica. Sou da Assembleia de Deus e fiz um jejum de 40 dias antes das eleições para decidir o voto. Deus tocou meu coração e resolvi votar no João Leite. Mas meu voto não foi por ele ser evangélico”.
Maria da Glória Paulo – aposentada

Propostas: “João Leite fez muita campanha na comunidade. Votei nele porque achei que tem as melhores propostas para saúde e educação. É o que mais passou confiança. Vi no debate os outros candidatos falando mesmices”.
Hilma de Jesus Almeida – auxiliar serviços gerais

Terceirização: “Sou então uma das únicas pessoas que não votaram em João Leite aqui na escola. Como professora da rede pública, vi que ele defende a terceirização das escolas municipais, das Umeis. Vou votar nulo no segundo turno”.
Cássia Rodrigues – professora

Torcedor: “Não só eu, como todos da minha família votamos no Alexandre Kalil. Também não vou negar que seja atleticano doente. Se ele fizer na prefeitura o que fez na gestão do Galo, vai ser um prefeito muito bom”.
Aírton José da Silva – aposentado

Desilusão: “O Pompeia é um bairro que sempre foi carente de políticos. Votei no Kalil justamente porque estou muito desiludido com a política e ele tem o discurso mais realista de todos. Não faz promessas e vai fazer funcionar o que tem”.
José Luiz – aposentado

Protesto: “Acredito que a maior parte da região Leste tradicionalmente vota na esquerda. Com essa crise, acho que o voto no Kalil foi mais um protesto da esquerda contra a extrema direita, que é o PSDB do João Leite”.
Aline Vilhena – professora 

Fonte: Jornal O Tempo. Reportagem: ANGÉLICA DINIZ