Viúvas pobres, um alvo frágil da reforma da Previdência

Em 05/08/2019, do El País

Mudanças nas regras dos pensionistas devem gerar uma economia de 128 bilhões de reais em uma década. O valor é alto, mas representa apenas 33% a mais do que poderia ser economizado caso a isenção tributária sobre exportações concedida a ruralistas fosse extinta.

Maria Aparecida Silva recebe uma pensão de morte de um salário mínimo.

Nos últimos anos, a agricultora Maria Aparecida Pereira da Silva, de 45 anos, tem se desdobrado para chegar ao fim do mês com as contas pagas. Silva, que mora no Cedro, na região Centro Sul do Ceará, a 400 km de Fortaleza, consegue ganhar mensalmente cerca de 400 reais com a venda de frutas e verduras, como mamão, maracujá e pimentão, que planta na horta da sua casa e da vizinha. Desde março, no entanto, é a pensão recebida pela morte do marido, falecido em janeiro, que tem ajudado ela e os dois filhos (18 e 19 anos), a terem uma qualidade de vida um pouco melhor. O casal já não morava mais junto, mas ela e os filhos continuavam legalmente com o direito de receber o benefício no valor de 998 reais, um salário mínimo. “Desde que conseguimos, a situação melhorou muito”, explica Silva. Atualmente, um de seus filhos cursa enfermagem e outro está estudando para tentar o vestibular em letras. “Eles não trabalham ainda, então realmente o dinheiro é pouco para os três”, explica.

Silva tem acompanhado pouco as notícias sobre as mudanças propostas pela reforma da Previdência, uma das principais bandeiras do Governo de Jair Bolsonaro mas espera que um dia consiga se aposentar como agricultora. Concretizar este plano, entretanto, ainda deve demorar, no mínimo, uma década. “Até lá, tenho que ir muito tempo para roça para me manter”, diz. Também é provável que, quando o dia chegue, as regras para que ela obtenha a aposentadoria também mudem. O texto-base da reforma aprovado em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, em julho, prevê cortes no pagamento em caso de acúmulo de benefícios. Quem hoje já acumula os dois benefícios não será afetado. Mas os que atualmente são pensionistas, como a agricultora, e no futuro irão se aposentar —ou vice-versa— serão atingidos pelas novas regras. 

Segundo as alterações, o benefício de menor valor é o que sofrerá desconto. Caso ele seja de até um salário mínimo, o segurado receberá 80% do valor —ou seja, quem receberia exatamente 998 reais passa a ganhar 798 reais. Com as mudanças, caso a agricultora Maria Aparecida, por exemplo, consiga aos 55 anos sua aposentadoria rural de um salário mínimo, ao invés de conseguir somá-lo ao salário já recebido pela pensão do marido, ela teria o desconto previsto. Na prática, ao invés de receber, nos valores de hoje, 1.996 reais no total, ela teria 1.796 reais por mês —200 reais a menos por mês, que, em um ano, tirariam da família 2.400 reais.

O cálculo, porém, é um pouco mais complexo para os valores acima de um salário mínimo, pois passam a ser escalonados. Para benefícios de um até dois salários mínimos, calcula-se 60% do benefício, além dos 80% que já incidiram sobre o primeiro salário. Ou seja, na parcela referente ao primeiro salário, se recebe 80% do valor (798 reais) e no restante, 60%. Quem ganha, por exemplo, dois salários mínimos (1.996 reais), receberá os 798 reais, mais 598 reais referentes aos 60% do segundo salário (um total de 1.396 reais). E esta conta segue, sempre escalonando, para os seguintes valores. Entre dois e três salários, soma-se 40% do benefício, entre 3 e 4 salários, 20% e acima de 4 salários, 10%.“Não precisava disso, não é esse corte de 400 reais da população mais pobre que irá resolver o déficit da Previdência”

Viúvas com menos de um salário mínimo

Além da mudança relacionada ao acúmulo de benefícios, a reforma propõe uma polêmica alteração no valor das pensões, que hoje corresponde ao valor integral. Segundo o texto, o pagamento para o principal beneficiário será de 60% do valor original da aposentadoria, mais 10% por dependente. Com a nova regra, o pensionista poderá receber menos de um salário mínimo, o que não acontece atualmente.

Esse seria, por exemplo, o caso da agricultora Maria Aparecida, se o novo texto já estivesse em vigor. Como ela tem dois filhos, ao invés de receber uma pensão de um salário mínimo, como acontece hoje, ela receberia 60% do valor correspondente mais 10% de cada um dos dois filho, o que levaria a uma porcentagem de 80% do salário mínimo. Se não tivesse filhos, o valor seria ainda menor: 60% do salário mínimo, ou seja, 598,80 reais.

A definição deste piso para pensão por morte foi uma das alterações mais criticadas pela oposição, que defendeu que se garantisse, ao menos, um salário mínimo. Após forte pressão da bancada feminina e evangélica, os parlamentares fizeram uma alteração para permitir que o benefício não seja menor que o mínimo, caso o dependente não tenha outra renda. Já se houver, a pensão poderá continuar sendo menor que 998 reais.

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Fonte: El País. Reportagem: Heloísa Mendonça.