Cidades mais pobres na Região Metropolitana de Belo Horizonte são menos beneficiadas com emendas parlamentares

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos/Nesp – 08/02/2023

Encerrou-se em 31 de janeiro a legislatura – período de quatro anos – que compreendeu os trabalhos legislativos dos parlamentares eleitos em 2018, tanto para compor a Assembleia Legislativa como o Congresso Nacional.

Como vem fazendo desde o ano passado, o Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp está chamando a atenção para a forma como esses deputados usaram um poderoso (e também polêmico) instrumento de implementação de políticas públicas. Trata-se das emendas parlamentares. As emendas são indicações incluídas no orçamento e executadas pelo Poder Executivo por demanda dos deputados e senadores.

Por definição, competiria ao Executivo estabelecer políticas públicas que racionalizassem o uso desse dinheiro, segundo critérios objetivos que permitiriam atender as enormes carências da sociedade na medida da disponibilidade dos recursos.

No entanto, em razão de uma emenda constitucional de 2019 o Parlamento mineiro arrogou para si o poder de realizar tais investimentos. Essa mudança aqui no estado aconteceu na esteira de uma medida similar que já tinha sido aprovada no Congresso Nacional em 2015. Em ambos os casos, as emendas já existiam, mas foram tornadas “impositivas”. Ou seja, o governador, assim como o presidente, passou a ser obrigado a executá-las, sob pena de impeachment.

Neste texto, o objetivo é mostrar a distribuição das emendas parlamentares – estaduais e federais – para 24 dos 28 municípios em que a Arquidiocese de Belo Horizonte está presente. Para dar maior visibilidade às especificidades dos municípios menores, não compõem esta análise as quatro maiores cidades (Belo Horizonte, Contagem, Betim e Ribeirão das Neves).

O intervalo de tempo aqui considerado se inicia em 2020 e segue até novembro de 2022. No primeiro ano de cada legislatura, as emendas são remanescentes da anterior. Portanto, esta análise é parcial, visto que as emendas propostas em 2022 serão executadas ainda ao longo de 2023.

As 24 cidades listadas abaixo receberam, de 2020 até o momento, R$ 113,1 milhões em emendas parlamentares, de deputados federais e estaduais. A apuração foi realizada no Painel do Orçamento federal, no banco de dados do Tribunal de Contas de Minas (TCE-MG) e da Câmara dos Deputados.

Emendas federais

As emendas de deputados federais dadas às 24 cidades entre 2020 e 2022 somaram R$ 62,9 milhões. Quase todo esse valor foi destinado para a assistência social e a saúde. Isso ocorre em razão das normas que regulam a distribuição de emendas parlamentares: pelo menos a metade do valor destinado por cada deputado deve ser aplicada a ações e serviços de saúde pública.

Na região considerada nesta análise, os três municípios mais beneficiados com as emendas federais foram Bonfim, Ibirité e Vespasiano. Juntos, receberam, no período analisado, R$ 24,5 milhões.

Para tentar medir a eficiência do gasto, comparou-se o valor da emenda de cada de cidade com o investimento, por pessoa, que se faz, em dado município, em assistência e em saúde. Na tabela abaixo,  as informações relativas ao dispêndio de cada cidade em ambas as áreas são da Fundação João Pinheiro e se referem a 2021.

Como se vê, os municípios que possuem os menores investimentos, por pessoa, em assistência ou saúde, foram os menos contemplados. Esse é o caso de Confins, Moeda e Sarzedo. Taquaraçu de Minas chama atenção. A cidade ganhou o menor valor de emendas, R$ 300 mil, e investe pouco na assistência e saúde de seus cidadãos.

Vale destacar que o valor investido pelos municípios na saúde depende de sua arrecadação com impostos, tal como estabelecem o art. 198 da Constituição Federal e a Lei Complementar n. 141/2012. Cada município deve destinar 15% dessa arrecadação para a rubrica da saúde. Disso decorre que os municípios com menor arrecadação têm também menos recursos próprios para aportar.

Constata-se, porém, que as emendas parlamentares não levam em consideração essa disparidade e, portanto, não contribuem para saná-la. Isso se revela quando se comparam, por exemplo,  Crucilândia e Moeda. A primeira recebeu R$ 2,2 milhões e possui investimentos por pessoa, bem acima da média apurada nos 24 municípios, nas duas áreas analisadas. A segunda obteve apenas R$ 300 mil, sendo que investe, em saúde, a mesma quantia que Crucilândia e seu gasto em assistência é abaixo da média geral.

A destinação de verbas sem considerar o desequilíbrio existente na região, tende a acentuar uma desigualdade existente entre as cidades.  

Emendas estaduais

Os deputados estaduais repassaram para as 24 cidades analisadas R$ 50,1 milhões, entre 2020 e meados de novembro de 2022, e contemplaram uma gama maior de ações. Por essa razão, optou-se pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como forma de avaliar a eficácia do gasto, uma vez que este também abrange diversas áreas.

Grande fatia do dinheiro transferido destinou-se para três ações: atenção primária à saúde, reforma de escolas estaduais e para a garantia do acesso, entre outros, a leitos hospitalares. Juntas, essas ações tiveram R$ 31,8 milhões ou cerca de 63% de todo o valor pago em emendas parlamentares estaduais. Em média, as 24 cidades possuem um IDH de 0,699, conforme dados do IBGE compilados pelo Nesp.

Quanto mais próximo de 1 melhor é a qualidade de vida. De acordo com a classificação da ONU, variações entre 0,550 a 0,699 significam localidades com médio padrão de vida. A título de comparação, vale destacar que países em forte crise social ou mesmo em guerra também figuram nesse mesmo patamar, como é o caso do Iraque ou da Venezuela.

Lagoa Santa, Esmeraldas e Caeté foram as cidades mais agraciadas com as emendas estaduais. Elas receberam, juntas, um pouco mais de R$ 13 milhões. Das três cidades que mais receberam emendas estaduais, apenas Esmeraldas tem IDH abaixo da média.

Houve desigualdade na transferência dos valores sob o critério do desenvolvimento humano. Ibirité, Pedro Leopoldo, Raposos e Santa Luzia têm um IDH igual ou superior a 0,700. Essas cidades, no entanto, receberam algo entre R$ 2,3 milhões e R$ 3,1 milhões. Já Nova União e Taquaraçu de Minas, cidades menores e com IDH médio, receberam R$ 747 mil e R$ 540 mil, respectivamente – os menores valores.

O maior IDH (0,813) é o de Nova Lima, aonde foram encaminhados R$ 1,9 milhões. O menor índice (0,629) é o de Piedade dos Gerais, que recebeu R$ 1,2 milhões.

Falta transparência na alocação de emendas parlamentares

Deputados federais e estaduais, da legislatura anterior, transferiram recursos sem levar em conta as necessidades reais das cidades.

Municípios com maior capacidade de investimento e com elevado IDH figuram entre os mais contemplados com recursos de emendas. Mesmo nos casos em que a verba parece ter tido um emprego adequado, não transparecem os critérios objetivos que, supostamente, teriam fundamentado a decisão de transferir o dado recurso.

A falta de transparência e a presumível inexistência de critérios objetivos que orientem a destinação de verbas são as principais razões pelas quais a própria existência de emendas parlamentares seja criticada. A Constituição estabelece a competência do Poder Executivo para propor políticas públicas fundadas em princípios como o da equidade e o da racionalização dos bens e serviços.

Sem esses critérios, há o risco de que os parlamentares destinem os recursos a eles reservados tendo em vista apenas seu benefício eleitoral. O dinheiro vai para os municípios onde o deputado tem eleitores e pode acabar funcionando como moeda de troca pelo voto na hora da reeleição.

Redação: Claudemir Francisco Alves (Coord.) e Marcelo Gomes

Colaboração: Ana Camila Moreira