MUNICÍPIOS NÃO SE PREPARAM PARA A EXAUSTÃO DA ATIVIDADE MINERÁRIA

Fonte: Ricardo Barbosa/ALMG

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos/Nesp – 16/02/2023

Entre 2021 e 2022, 20 cidades da área de abrangência da Arquidiocese de Belo Horizonte, receberam juntas R$ 834,20 milhões, referentes à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Em alguns casos, a Cfem chega a ter um peso equivalente ao que é arrecadado pela cidade com todos os outros impostos e taxas cobrados pelo poder público municipal. Trata-se, portanto, de uma importante fonte de recursos.

O Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp procurou saber o destino desse dinheiro. A apuração foi feita na plataforma Fiscalizando com o TCE, do Tribunal de Contas estadual, e junto à Agência Nacional de Mineração (ANM). Limitou-se a 2021 e 2022, período que corresponde à primeira metade do mandato dos atuais prefeitos.

As informações disponíveis nessas fontes, porém, não estão completas. Faltam dados das prefeituras e, dentre aqueles apresentados, alguns estão desatualizados. Apesar dessas lacunas, o levantamento realizado já é suficiente para alimentar dúvidas sobre a forma como essa compensação financeira vem sendo empregada.

Cfem: preparar o município para o futuro sem mineração

A mineração é uma das atividades econômicas mais degradantes. Em tempos recentes, a extração mineral mostrou-se, de maneira inequívoca, causadora de grandes tragédias. Os crimes cometidos nas cidades de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019) ainda estão presentes e a destruição provocada não encontra reparação possível.

Mesmo sem considerar esses casos extremos, a destruição ambiental e o impacto social acompanham inevitavelmente a atividade minerária. As riquezas geradas são enormes e são responsáveis, por exemplo, pelo fato de Minas Gerais ser uma das maiores economias entre os demais estados brasileiros. Ainda assim, também são gigantes também os danos.

Para diminuir esse impacto, em 1989 foi criado um tributo que incidiria sobre os lucros das mineradoras para compensar o rastro deixado pela extração mineral. Esse tributo é hoje a Cfem. Conforme a lei 13.540, até 4% dos lucros das vendas dos minerais devem ser distribuídos aos estados e cidades onde há mineração.

Conforme a agência do setor, 20 das 28 cidades onde a Arquidiocese está presente foram contempladas com R$ 834,20 milhões, nos dois últimos anos, por abrigarem atividades minerárias. Nova Lima é a cidade que mais recebeu recursos, R$ 328,5 milhões. Belo Vale foi a segunda mais agraciada, com R$ 198,9 milhões. Brumadinho vem em seguida, com R$ 147,2 milhões. A tabela a seguir mostra o quanto foi destinado para os 20 municípios em cada ano.

CIDADEANO 2022 ANO 2021
BELO HORIZONTE 1.449,36 11.075,30
BELO VALE58.317.791,10 140.654.115,02
BETIM 823.229,39 558.936,58
BRUMADINHO 46.040.420,35 101.251.920,31
CAETÉ 704.818,15 957.326,14
CONTAGEM 1.087.977,22 682.355,24
ESMERALDAS 103.049,00 97.384,49
LAGOA SANTA 550.710,67 1.011.067,52
MÁRIO CAMPOS 786.043,89 1.702.976,54
NOVA LIMA 130.169.568,83 198.367.221,80
NOVA UNIÃO 32.130,10 37.487,40
PEDRO LEOPOLDO 1.263.870,13 1.252.993,92
RIBEIRÃO DAS NEVES 145.641,08 110.111,91
RIO ACIMA 20.920.989,86 16.163.633,25
SABARÁ 21.721.702,98 25.736.650,27
SANTA LUZIA 413.119,70 339.686,67
SÃO JOSÉ DA LAPA 189.515,78 191.401,96
SARZEDO 26.518.181,26 34.812.254,12
TAQUARAÇU DE MINAS 142.531,1356.520,58
VESPASIANO 164.551,56 145.914,46
TOTAL834.240.852,74
Fonte: Agência Nacional de Mineração/Valores expressos em Real

A legislação não detalha em que devem ser gastos os recursos. Mas, após processos judiciais questionando esse destino, posição majoritária no Judiciário entende que a Cfem deve fomentar a abertura de outras atividades econômicas. Afinal, a mineração é uma atividade finita. Em Itabira, por exemplo, a Vale já prevê o fim da produção em menos de 20 anos.

Outro posicionamento relevante na Justiça também entende a Cfem como um instrumento para elevar o IDH das cidades minerárias, por meio de investimentos em educação, saúde, meio ambiente e outros. Todavia, houve casos em que o dinheiro serviu para pagar funcionários ou comprar material de uso diário. Em 2019, por exemplo, o Tribunal de Contas mineiro determinou que ex-secretários da prefeitura de Itabira devolvessem ao município R$ 16 milhões por uso indevido da Cfem.

Falta de transparência dificulta entender a aplicação da Cfem nos municípios

O recolhimento do tributo é feito pela ANM. Em resposta ao Nesp, a agência reguladora afirmou que o repasse do dinheiro recolhido é realizado pelo Banco do Brasil, “que por sua vez credita na conta das prefeituras”. Não há deduções nos recursos, portanto. 

Conforme o TCE, apenas metade das 20 cidades minerárias aqui analisadas informaram o uso da Cfem, e nem todas revelaram dados dos dois anos analisados.

Despesas com a Cfem
20222021
BELO HORIZONTE
BELO VALE12.014.248,014.141.463,94
BETIM
BRUMADINHO12.281.022,33
CAETÉ
CONTAGEM
ESMERALDAS
LAGOA SANTA
MÁRIO CAMPOS70.581,86
NOVA LIMA34.540.360,28
NOVA UNIÃO
PEDRO LEOPOLDO648.390,80
RIBEIRÃO DAS NEVES
RIO ACIMA13.643.265,991.538.120,98
SABARÁ2.231.024,033.306.712,28
SANTA LUZIA321.957,39
SÃO JOSÉ DA LAPA
SARZEDO
TAQUARAÇU DE MINAS20.983,87
VESPASIANO33.916,22
TotalR$ 84.792.047,98
Fonte: Tribunal de Contas

Esses dados apresentam o seguinte problema: em uma cidade, como Nova Lima, que recebeu R$ 328,5 milhões nos dois últimos anos, o valor das despesas, cuja fonte de recursos é a Compensação, deveriam ser os mesmos, supondo-se a aplicação integral do recurso nas várias ações que então qualificariam a cidade para os tempos em que os recursos minerários já não existirão.

Como se vê na tabela, não é isso que ocorre. As 10 cidades que informaram algum uso da Cfem, receberam R$ 765,6 milhões, mas declaram haver gastado cerca de 11%, ou R$ 84,7 milhões. Não está claro se se trata de uma imprecisão contábil, ou para que outros fins o dinheiro foi utilizado.

Usada para pagar despesas correntes, a Cfem não atinge sua finalidade

Das 10 cidades que informaram gastos com os recursos da Cfem, apenas Nova Lima declara haver aplicado o recurso, de modo direto, em prol do desenvolvimento econômico. Foram investidos, em ações de trabalho e renda, R$ 123 mil em 2021. Mesmo assim, essa foi a menor entre as despesas declaradas, no Município, com a Cfem.

Em Belo Vale, boa parte da despesa com a Cfem foi para o transporte rodoviário. Foram R$ 7,5 milhões, em 2022. Em Brumadinho, de todas as despesas pagas com a compensação financeira, no ano passado, a mobilidade e infraestrutura urbana foram as mais contempladas, com R$ 9,4 milhões. De modo geral, as ações citadas foram as mais beneficiadas nos outros municípios também.

O caso de Mário Campos chama atenção. Toda a despesa da cidade custeada com recursos da Cfem, em 2021, destinou-se à limpeza urbana. Foram R$ 70,5 mil.

Redação: Claudemir Francisco Alves (Coord.) e Marcelo Gomes