Governo de Minas não aplica integralmente os recursos destinados ao combate à miséria

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos/Nesp – 19/04/2023

Fonte: Assessoria de Comunicação da Câmara dos Deputados

Criado em 2011, o Fundo Estadual de Erradicação da Miséria (FEM) tem como meta arrecadar recursos com vistas à promoção de ações que combatem a miséria. A principal fonte do dinheiro é um aumento na tributação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aplicado em produtos supérfluos, como perfumes, bebidas alcoólicas e refrigerantes. A carga tributária do ICMS mineiro sobre esses produtos seria de 25%. Para financiar o Fundo, a esse percentual são acrescidos mais 2%.

Essa alíquota adicional deve ser renovada a cada dois anos, cabendo ao governador solicitar à Assembleia Legislativa sua manutenção ou revogação. Romeu Zema (Novo) teve aprovada sua solicitação de manutenção no fim do ano passado.

Chama atenção que os recursos do Fundo não são vinculados, como os da saúde e educação, áreas que, por força de lei, devem receber, respectivamente, 12% e 25% da receita com impostos. Isso implica que não há amarras legais em caso de descumprimento da finalidade do Fundo de Erradicação da Miséria.

Apesar do aumento da pobreza, recursos do FEM não foram integralmente aplicados 

Os dados disponíveis no Portal da Transparência mostram que, entre 2020 e 2022, o fundo arrecadou R$ 2,4 bilhões. Contudo, o valor efetivamente destinado para as ações de combate à miséria foi cerca de R$ 1,3 bilhão. Não foi possível encontrar a informação sobre como foi gasto o restante – um pouco mais de 45% dos recursos (R$ 1,074 bilhão).

O Portal da Transparência, gerenciado pela Controladoria do Estado, é uma ferramenta importante para a democratização do acesso à informação pelo cidadão. Contudo, embora eficiente em mostrar a origem dos recursos, a plataforma não detalha o efetivo destino do dinheiro.

Aparentemente, os recursos do Fundo de Erradicação da Miséria não estão sendo integralmente aplicados de acordo com a finalidade a que se destinam. Esse fato – por si só já significativo – se agrava quando se considera a piora nos dados sobre a pobreza verificada nos últimos anos.

Ainda entre 2020 e 2022, houve um aumento na quantidade de famílias pobres e extremamente pobres no estado, como revelam os dados do Cadastro Único. Atualmente, existem 1,9 milhão de famílias pobres ou extremamente pobres em Minas. Em janeiro de 2020 eram 1,2 milhão. Nesse período o crescimento no número de famílias em tal condição foi de 58%. Pela classificação do governo federal estão nessa situação as pessoas que auferem rendimento mensal inferior a R$ 200.

Em sendo confiáveis os dados publicados, está-se diante de uma situação contraditória em que uma política pública inegavelmente necessária não está sendo executada integralmente, não obstante haja recursos disponíveis para fazê-lo.

Ações custeadas com dinheiro do fundo

O uso dos recursos do Fundo de Erradicação da Miséria se distribuiu em diversas ações. Em 2020, grande parte do dinheiro foi utilizada para a assistência social que recebeu R$ 54 milhões. No ano seguinte, R$ 233,1 milhões foram destinados para o auxílio emergencial temporário, implementado pelo governo de Minas para atenuar a perda de renda, em especial da população mais pobre, durante a pandemia. O Transporte escolar foi a ação mais contemplada com recursos em 2022, com R$ 190,2 milhões.

Em 2021, a ação para ampliar o acesso ao trabalho e renda obteve R$ 1,2 milhão. Isso não é sequer 1% dos R$ 654,2 milhões gastos com o dinheiro do Fundo naquele ano. É preciso ressaltar que ações geradoras de trabalho e renda não se confundem com medidas como o auxílio emergencial do Estado, porque  são políticas que buscam prover renda de modo duradouro.  São ações que se enquadram como investimentos haja vista seu potencial em elevar a renda. Apesar dessa importância, em 2022, ocorreu uma queda abrupta de recursos para essa ação: somente R$ 6.366,15 foram aplicados em políticas desse tipo.

Outra conduta que pode ser adotada para erradicar a miséria são às políticas para diminuir as desigualdades entre as diversas regiões do estado. A ação de apoio ao desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas ganhou a maior quantidade de recursos em 2022 (R$ 6,8 milhões). Mesmo assim, tal medida representa menos de 1,5% de toda a despesa quitada naquele ano (R$ 563,2 milhões).

Uma ação governamental, para ser executada, requer o emprego de bens e serviços. Por exemplo, ações de acesso ao trabalho e renda que ofertam cursos profissionalizantes necessitam de um corpo docente, estrutura, material didático e, eventualmente, até a concessão de auxílios transporte e alimentação, em razão da vulnerabilidade da população atendida.

O gráfico abaixo, feito com base em dados do Portal da Transparência, apresenta as maiores despesas com serviços requeridos pelas ações.

Dentre os bens e serviços mais requeridos, entre 2020 e 2022, para atender as ações custeadas pelo Fundo, a contratação de serviços de transporte escolar está em primeiro lugar; obteve R$ 541,8 milhões. Não fica clara a razão de essa despesa ser paga com recursos do Fundo de Erradicação da Miséria, pois, em princípio, essa é uma ação já atendida por programas da Secretaria de Educação.

Em seguida, vêm as “contribuições”, mas o Portal da Transparência não informa o que essa rubrica significa e tampouco sua real finalidade.

A rubrica “Outros serviços de pessoa jurídica” é uma categoria que abrange qualquer tarefa realizada por um agente jurídico privado. Não há especificação no Portal sobre quem são esses terceiros e quais serviços foram prestados.

Os vencimentos são, basicamente, salários de servidores públicos e estão em terceiro lugar entre as maiores despesas para custear as ações contempladas pelo fundo.

Redação: Marcelo Gomes com colaboração de Kelly Cristine O. Meira