Ajuda federal pretendida por governo mineiro aumenta dívida, dizem auditores fiscais do Estado
Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – 04/05/2023
O que seria uma ajuda financeira poderá endividar ainda mais o Estado. É assim que a Associação dos Funcionários Fiscais de Minas Gerais (Affemg) vê o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), solução que o governo Zema pretende dar à crise das contas públicas.
O RRF é uma ajuda nacional a estados demasiadamente endividados, como é o caso de Minas Gerais. Foi instituído pela Lei Complementar 159 de 2017. O auxílio consiste em suspender, por até nove anos, o pagamento das parcelas mensais da dívida estadual, cujo maior credor é o Executivo federal. Em contrapartida, o Estado deverá adotar, mesmo antes da adesão ao RRF, uma série de medidas já detalhadas nas publicações do Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp.
Os auditores fiscais do Estado, que lidam cotidianamente com as contas públicas, avaliam como prejudicial o RRF em razão de ele apenas suspender as parcelas da dívida. “Não tem perdão de dívida. É uma suspensão apenas, temporária. Quando acabar o prazo, os valores não pagos deverão ser quitados. E pior, acrescidos com os juros”, observou Sara Costa, presidente da Affemg.
Ela ainda completa: “você tem uma fatura do cartão de crédito, por exemplo. Fica um ano sem pagar a fatura. Os juros serão somados à dívida, certo? É a mesma coisa com o RRF. Que benefício teria isso para o Estado?”
De acordo com manifestações públicas de integrantes do governo Zema, ao suspender durante determinado tempo o compromisso com a dívida, haveria sobra de recursos, com que outras dívidas poderiam ser pagas. De certa forma, o endividamento público seria estancado.
Na prática, o estado teria a licença para deixar de pagar as prestações durante alguns anos, mas os juros continuariam a incidir sobre o saldo devedor. Representantes da Secretaria de Planejamento e Gestão foram procurados para que pudessem apresentar as razões por que consideram favorável a adesão ao RRF, mas os pedidos de entrevista foram ignorados.
Em razão das onerosas parcelas da dívida, em 2018, o governo mineiro conseguiu, do Supremo Tribunal Federal (STF), a permissão provisória para suspender o pagamento das parcelas desse débito. Em razão dessa decisão liminar ainda vigente, Minas já goza do benefício que obteria com a adoção do RRF. No entanto, segundo o governo, novas decisões podem rever aquela decisão preliminar tomada pela Corte Suprema, restabelecendo-se a obrigatoriedade desses pagamentos e colocando o estado em uma situação falimentar.
A Lei Complementar 159 impõe encargos de normalidade, que recaem sobre refinanciamentos de dívidas entre os entes públicos, como o Regime de Recuperação Fiscal. Outra lei complementar (n. 148 de 2014) estabelece esses juros em 4% ao ano sobre o saldo devedor.
Supondo que a adesão de Minas ao Regime vigorasse entre 2024 e 2032, sobre os valores não cobrados nesse período haveria juros de 4% ao ano.
O saldo não quitado durante o RRF deverá ser pago logo após o término do período. Na eventualidade de o Executivo estadual não efetuar em dia os pagamentos, haverá juros de 1% ao ano, chamados de encargos moratórios.
Cabe ressaltar que findo o RRF, além dos valores não quitados durante o regime, o estado deve continuar pagando as parcelas vindouras da dívida, cuja soma chega a R$ 158 bilhões.
Outra penalidade que Minas Gerais poderá sofrer na hipótese de não pagar as parcelas suspensas da dívida é a retenção dos repasses que tem direito de receber do governo federal.
Crédito do estado com a União não está sendo usado para abater a dívida
Ainda de acordo com Sara Costa, a verdadeira discussão que o Estado deveria promover seria um encontro de contas em torno dos ressarcimentos da Lei Kandir. Essa norma foi instituída em 1996 e baniu os tributos estaduais sobre as exportações de bens básicos (minério de ferro, produtos da agricultura etc.) e semielaborados.
A intenção da Lei Kandir era fomentar as exportações brasileiras. Em contrapartida, o governo federal compensaria o estado por suas perdas na arrecadação. Contudo, tal compensação nunca veio. De acordo com cálculos corroborados pela Affemg e pela Assembleia Legislativa, o ressarcimento seria de R$ 135 bilhões, considerados até 2018.
“Portanto, nós lutamos para que houvesse um encontro de contas: Minas abater a dívida que tem com a União (que é cerca de R$ 88,2 bilhões). Com isso, o Estado sairia credor da União”, explicou Sara.
Porém, em 2020, o governador Romeu Zema assinou, com o Executivo federal, um acordo relativo a tal contrapartida, no qual está previsto o ressarcimento de apenas R$ 8,7 bilhões.
“Não era isso que deveríamos fazer. Foi um grave erro. Agora, o governador quer impor um plano que congela salários (dos servidores) que vende empresas públicas, entre outras coisas”, observou Sara.
Redação: Claudemir Francisco Alves e Marcelo Gomes