Plano de Recuperação Fiscal de Minas Gerais encontra resistência no governo federal

Fonte: Comunicação ALMG/Ricardo Barbosa

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – 27/04/2023

O governador Romeu Zema (Novo) e sua equipe estão se articulando para inserir Minas Gerais no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Dentre as propostas apresentadas pelo governo federal, durante as gestões de Michel Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL) para lidar com as contas dos estados que apresentam graves desequilíbrios nas contas públicas, o Regime de Recuperação Fiscal pretendia ser, ao menos oficialmente, uma ajuda do Executivo nacional aos estados.

São polêmicas as condições a serem cumpridas pelas unidades federativas para a adesão ao socorro financeiro. Muitas vozes críticas se erguem contra a proposta por considerarem as imposições do Regime prejudiciais ao Estado e à população. Direitos constitucionalmente consagrados teriam de ser negados, como o reajuste periódico de salários dos servidores e o impedimento de realização de novos concursos públicos.

Além disso, a venda de patrimônio público por meio de privatizações seria usada para melhorar o caixa, mesmo sendo esta uma medida tópica, que não resolve o problema estrutural do desequilíbrio entre gastos e receitas.

 Mesmo assim, o governo mineiro tem insistido na aplicação desse pacote de medidas aqui no estado, afirmando ser essa a única saída capaz de reestabelecer o equilíbrio das contas públicas.

Em seu primeiro mandato, o governador Romeu Zema (Novo) enfrentou forte resistência na Assembleia, fruto da escassa capacidade manifestada pelo governo em organizar uma base aliada consistente. Frente a tal insuficiência o comportamento de resistência prevaleceu entre os parlamentares e deu forças à oposição que soube tirar proveito dessa situação. Como resultado dessa conjuntura, a proposta de adesão ao RRF não prosperou na Casa.

A administração do presidente Lula já manifestou críticas ao modelo do atual RRF, gestado no governo de Michel Temer (2016-2019) e mantido na gestão Bolsonaro (2019-2022). Inclusive, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), já criticou abertamente a ajuda federal, experimentada, sob muitas críticas, apenas nos estados de Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Contudo, a Lei Complementar 159, ao instituir o plano, diz que, se o Estado cumprir os requisitos de adesão, o governo federal é obrigado a aceitar a entrada no plano. Para mudar a natureza da ajuda, o governo federal teria que  mediante a aprovação, no Congresso, de uma nova lei complementar. Contudo, o Ministério da Fazenda, agora sob a gestão petista, pode impor condições bastante diversas daquelas que estavam desenhadas inicialmente.

Outro obstáculo aos planos do governador de inserir Minas no RRF poderia vir do Judiciário. Romeu Zema processou a Assembleia Legislativa em 2022, acusando-a de ignorar a análise do projeto em que se solicitava adesão ao RRF. Uma decisão liminar do ministro Cássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), permitiu então ao Executivo mineiro adotar a ajuda federal sem passar pela avaliação da Assembleia. Em razão de seu caráter liminar, essa decisão do ministro pode ser revogada pelo conjuntos dos ministros do Supremo a qualquer momento, se a questão vier a ser apreciada no plenário dessa Corte.

Mesmo assim, circulam notícias, na Assembleia Legislativa, de que , o governador já estaria na iminência de solicitar formalmente a inclusão de Minas no Regime. Técnicos das secretarias mais próximas ao tema –Planejamento e Gestão e Fazenda – estariam empenhados em cumprir os requisitos formais de inclusão no pacote de ajuda federal. O Estado estaria na segunda das três fases de implementação do Regime Fiscal, conforme explicado em matéria anterior sobre o tema.

Justificativa do governo para a adesão ao RRF

O motivo para a defesa do RRF, do ponto de vista do governo mineiro, é que a adesão a esse Regime ajudaria a sanear as contas públicas, prejudicadas pelas altas despesas, sobretudo com salários. A figura abaixo, retirada de relatório da Instituição Fiscal Independente do Senado, mostra que, em Minas Gerais, 69,4% de toda a arrecadação com tributos, chamada de receita corrente líquida, destinaram-se à folha de pagamento em 2020.

Fonte: Senado Federal. Instituição Fiscal Independente (2020)

Em Minas Gerais, após o pagamento de salários e aposentadorias, sobra muito pouco para o governo arcar com as demais despesas, como manutenção dos prédios públicos, material de consumo diário e realização de investimentos. A intenção do RRF seria, então, conceder uma suspensão temporária das parcelas mensais da dívida pública mineira, de modo a dar um respiro às finanças públicas estaduais.

Segundo a Secretaria de Fazenda estadual, a dívida total do estado atinge atualmente R$ 158,6 bilhões. Isso equivale a bem mais do que arrecada o Estado, hoje limitado em cerca de R$ R$ 118,7 bilhões. Os dois principais credores dessa dívida são o governo federal e o Banco do Brasil.

Cerca de 56% da dívida é a parte que Minas deve ao governo federal, R$ 88,2 bilhões. Tal fração do débito remonta aos anos 1960 e 1970. Em 1966, o governo federal, então controlado pelos militares, alterou o sistema tributário nacional. Os militares concentraram na União a maior parte dos tributos, diminuindo sensivelmente a arrecadação dos estados. Restou-lhes, então, a realização de empréstimos para suprir a falta de recursos. Naquela época, o país e mundo passavam por um período de crescimento econômico, o que facilitou o acesso ao crédito. Com o passar dos anos, os estados não deram conta de pagar as dívidas, sobretudo em razão dos juros altos praticados no Brasil a partir do fim dos anos 1980.

Ao longo dos anos, a situação dos estados piorou. Diante disso, criou-se em 1997 a Lei 9.496, por meio da qual o Executivo nacional assumiu as dívidas dos estados, cujo credor passou a ser o governo federal.

A partir de 2019, coincidindo com o início da administração de Zema, o STF suspendeu provisoriamente o pagamento das parcelas da dívida de Minas com a União por causa da excessiva onerosidade dessa obrigação às contas públicas estaduais. O governo Zema segue contando com esse benefício, mas tem também a obrigação imposta pelo STF de promover o ajuste nas contas,  de modo a recuperar as condições necessárias para pagar a dívida.

De acordo com os números  disponíveis no Portal da Transparência, já em 2018, o governo mineiro pagava mensalmente cerca de R$ 334,2 milhões ao governo federal. Não foi feita a atualização monetária desse valor, mas a possibilidade de se livrar desse desembolso mensal representou um alívio nas contas do estado.

Redação: Claudemir Francisco Alves e Marcelo Gomes.