Governo de Minas quer ganhar tempo para pagar dívidas impondo duras medidas à população com a adesão ao regime de recuperação fiscal

Assembleia foi apartada do debate sobre o regime de recuperação fiscal. Fonte: Assessoria de Comunicação ALMG

Nesp explica do que se trata esse programa, que o governador Romeu Zema (Novo) tanto se esforça para aplicar em Minas

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos

Redação: Marcelo Gomes com colaboração de Ana Camila Moreira e Kelly Cristine O. Meira em 14/09/2022

O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) está exposto na Lei Complementar 159 de 2017. Trata-se de uma medida do governo federal que, oficialmente, se propõe a socorrer os estados que se encontram à beira do caos econômico, como é o caso de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Por meio da suspenção e da redução temporárias do pagamento da dívida com o governo federal, os estados ganhariam tempo e condições para reequilibrar suas contas.  

A dívida total de Minas Gerais é de R$ 155,4 bilhões, segundo a Secretaria de Fazenda estadual. Esse valor é 20% superior ao que o estado arrecadou no ano passado (cerca de R$ 129 bilhões). A cada mês, o estado paga parcelas dessa dívida e mais os juros. O principal credor da dívida mineira é o governo federal. Neste ano, o valor da parcela mensal seria de R$ 700 milhões, aproximadamente. Todavia, desde 2018 o Executivo estadual não paga tais parcelamentos.

A vigência do RRF pode se estender por nove anos. No primeiro ano o pagamento da dívida é suspenso integralmente. Ao longo dos oito anos seguintes o pagamento voltaria a ser devido, mas com parcelas de valores menores, tal como informa o Tesouro Nacional. É bom lembrar: os valores não quitados durante a vigência do RRF deverão ser pagos após o fim do regime fiscal, somados às parcelas que normalmente o estado já teria de pagar.

Portanto, em princípio, as quantias a serem pagas mensalmente serão maiores no futuro. O governo federal entende, contudo, que sendo o estado obrigado a adotar medidas para reequilibrar seu caixa, conseguiria, após o período do Regime, arcar com as parcelas de valores maiores.

Entenda as obrigações do estado antes e durante o Regime

Anteriormente à adesão ao RRF, o estado deve demonstrar que a receita anual é menor do que a dívida total e que as despesas com funcionários representam, no mínimo, 60% da arrecadação com impostos. Esses são os principais requisitos.

Na vigência do programa também há uma série de imposições ao estado, que são os pontos mais polêmicos do regime fiscal. O governo deverá vender empresas públicas, para gerar receita extra. A Lei Complementar 159 não especifica quais empresas e de quais setores. Em princípio, seriam todas as estatais, como a Cemig, Copasa e várias outras. Porém, vale ressaltar, que o governo estadual tem a opção de não as vender, mas, nesse caso, deverá demonstrar outra fonte de receita.

Ainda durante a vigência do Regime, o estado será obrigado a reduzir as isenções fiscais em pelo menos 20%. Minas Gerais também deverá instituir um teto de gastos, cuja intenção é limitar o crescimento anual das despesas à variação da inflação. Um teto nos gastos significa, por exemplo, que se a inflação do ano anterior for de 10%, os investimentos em saúde e educação não poderão aumentar além desse percentual, independentemente da necessidade real de incremento dessas políticas públicas.

Segundo a Lei Complementar 159, os funcionários públicos não terão, enquanto o estado estiver sob o RRF, aumento de salários. Isso vale para militares e civis. Também esse é um tema controverso. O Artigo 8° dessa lei veda, na vigência do RRF, aumentos e reajustes salariais. Todavia, a atualização das remunerações em face da corrosão dos salários pela inflação é um direito constitucionalmente garantido a todos os trabalhadores.

Etapas de implementação do RRF

O primeiro passo de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal é um pedido formal ao Ministério da Economia por parte do governo de Minas. Nesse pedido, o governo mineiro deve apresentar os pré-requisitos de adesão, estabelecidos pela Lei Complementar 159. Em seguida, o Ministério da Economia irá avaliar a solicitação. Após a aceitação, há algumas etapas para concluir a adesão ao RRF, de acordo com o manual de adesão do Ministério da Economia. De forma resumida, estas são as etapas a serem cumpridas: 

Situação do processo de adesão ao RRF em Minas

O governador Romeu Zema (Novo) solicitou à Assembleia a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal em outubro de 2019. Até então, era necessário que os deputados estaduais autorizassem a entrada de Minas no RRF.

Os parlamentares não avaliaram a proposta de Zema porque a matéria chegou à Assembleia no fim dos trabalhos em 2019. Em 2020 o foco da política mineira foi o combate à pandemia de coronavírus e o tema foi posto de lado. No começo de 2021, o governador voltou a insistir na ideia, mas o tema não avançou no Legislativo.

Em outubro de 2021, o governador solicitou urgência na tramitação do projeto, com o intuito de forçar o Parlamento a apreciar com rapidez a matéria. Essa ferramenta legislativa permite aos governadores acelerarem a análise de suas propostas no Parlamento. Apesar disso, os deputados não apreciaram o texto. Grande parte deles é contrária ao RRF. Em março deste ano, contudo, o governador Romeu Zema (Novo) voltou a solicitar urgência, mas não obteve êxito. Ao longo desse processo, o apoio político do governador no Parlamento se reduziu, como já discutido em outra análise feita pela Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp.

Com isso, foi se tornando cada vez menos possível que o RRF avançasse. Diante disso, o governador recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, ele solicita à Corte que lhe permita fazer o pedido de adesão ao RRF no Ministério da Economia sem passar pelo aval dos deputados.

O processo contra a ALMG soou como uma ação autoritária. Deputados consideraram que Zema tentou isolar o Legislativo nessa decisão de grande importância. O ministro Cássio Numes Marques, do STF, acatou o pedido de Zema. Na decisão, o magistrado pontuou que a Assembleia foi omissa ao não avaliar celeremente o RRF, que, para ele, é fundamental ao saneamento das contas públicas.

“Em nível de cognição sumária, a concretização do Plano de Recuperação e a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal, no prazo possível, mostra-se indispensável para que o ente não entre em colapso ou passe a estado fiscal irreversível”, argumentou o ministro.

Assembleia propôs alternativa ao RRF

A lei complementar 159 de 2017, vista como muito rigorosa com os estados que aderirem ao RRF, foi alterada pela Lei Complementar 178 de 2021. A nova norma determina que as Unidades da Federação em dificuldades financeiras são obrigados a apresentarem algum plano de recuperação, mas não necessariamente o RRF. 

Existe um projeto alternativo, já aprovado pelos parlamentares e sancionado pelo governador, contido na lei estadual 24.185, que permite o refinanciamento da dívida de Minas em 30 anos. Além disso, acaba com os encargos de inadimplência (sanções decorrentes do não pagamento em dia das obrigações) que somam quase R$ 9 bilhões. Contudo, para ser efetivada essa proposta careceria do aval do governo federal, que, neste momento, é o principal defensor da adesão dos estados ao RRF.

Adesão ao RRF ainda é incerta

O governador Romeu Zema já pode solicitar ao Ministério da Economia a adesão ao RRF. A pasta federal já sinalizou, por meio de relatórios, a elegibilidade de Minas para o regime fiscal. E a equipe econômica de Zema já prepara a manifestação formal de entrada no programa federal.

Apesar disso, a efetiva adesão é incerta. A decisão do ministro Numes Marques é uma liminar. Falta o julgamento da causa pelos demais ministros do STF. Pode ser que a maioria deles entenda que a prerrogativa de aceitar ou não o RRF seja mesmo da Assembleia Legislativa.

Além disso, caso o presidente Bolsonaro (PL) não consiga se eleger, um novo governo pode elaborar políticas alternativas para o socorro financeiro aos estados a partir de 2023.