De “departamento do Executivo” a protagonista político, Assembleia tem atuação inédita na atual legislatura

Fonte: ALMG/ Daniel Protzner 

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos

Redação: Marcelo Gomes – em 09/08/2022

Com maior número de parlamentares compondo sua base de apoio na Assembleia Legislativa, houve períodos, ao longo das últimas décadas, em que os governadores  do estado exerceram muita influência sobre o Parlamento mineiro. Os projetos do Executivo eram aprovados, quase sempre, sem qualquer restrição. Por causa dessa adesão entre os dois Poderes, servidores e até mesmo deputados costumavam se referir à Assembleia, espirituosamente, como um mero “departamento do Executivo”.

Na atual legislatura, algo inédito ocorreu: diferentemente do que costumava acontecer em governos anteriores, o presidente da Assembleia de Minas não esteve alinhado ao governador. E boa parte dos partidos, outrora aliados dos governadores, não apoia o governo atual. Entre eles, podemos citar o PP, PTB, Cidadania (antigo PPS) e o MDB.   

Isso ocorreu, em certa medida, graças à postura do novo governador. Eleito com um discurso que, em muitos aspectos, repetia aqui no estado a mesma plataforma encampada por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, Romeu Zema dizia na campanha que, em seu governo, não haveria mais “conchavos” políticos.

Naquele momento, os segmentos mais à direita, caracterizados pelo discurso antipolítico, tratavam como “conchavos” as alianças ou acordos estabelecidos entre políticos e partidos. Essas práticas seriam, supostamente, formas de corrupção. Seguindo essa lógica, o então candidato Zema se apresentava como um administrador de empresas bem sucedido e prometia administrar o Estado de maneira objetiva e técnica. Não precisaria, então, de negociação, algo que era tratado como uma prática típica da “velha política”.

Instalou-se um governo pouco flexível e que mostrava escassa disposição para o diálogo. Logo nos primeiros meses de mandato, porém, a governabilidade de Zema já se encontrava sob ameaça. Seu partido, o Novo, tinha na época apenas três deputados. Seria muito difícil governar com essa desproporção de forças, tendo apenas três aliados no universo de 77 deputados que compõem a Assembleia Legislativa. Os apoiadores eram os deputados do mesmo partido que o governador: Bartô (hoje no PL), Guilherme da Cunha e Laura Serrano.

Enquanto Zema relutava em alinhar-se aos parlamentares, na Assembleia foram constituídos, pela primeira vez, quatro blocos. Até então, havia sido comum a formação de, no máximo, três blocos: a oposição, os “neutros” (assim autodenominados) e os governistas. A partir de 2019, diversamente, formaram-se dois blocos “neutros” (ao invés de um), além dos oposicionistas e dos governistas.

Os “neutros” eram liderados, cada um, pelo MDB e pelo PSD. No total, ambos os grupos políticos começaram a legislatura com 40 das 77 cadeiras do Parlamento. Logo, qualquer movimento do governo dependia, sobremaneira, de articulação com os dois conjuntos de deputados. Nos casos em que a oposição se alinhou, por convergência de interesses, com esses grupos que se diziam independentes, não havia qualquer chance de o governo fazer aprovar seus projetos.

Para ter um mínimo de governabilidade, Zema se aproximou do PSDB, principalmente. Com sua vasta experiência e com habilidade política, esse partido conseguiu atrair outras siglas para a base governista. Assim, no primeiro semestre de 2019, o governador chegou a ter ao seu lado 21 parlamentares. A oposição, liderada pelo PT, tinha 16. Era o bloco minoritário, portanto. 

A aliança com o PSDB se estreitou ao longo de 2019. Em boa parte do mandato de Zema, esse partido foi importante para o governo. Vale lembrar que Zema havia vencido a eleição, no segundo turno, disputando com um candidato do PSDB (o ex-governador Antonio Anastasia, hoje no TCU). Assistiu-se, portanto, a um caso não muito comum em que um partido derrotado na eleição passa a ter, em seguida, um papel central na condução do governo eleito.

No primeiro semestre de 2019, Custódio Mattos (PSDB) assumiu a Secretaria de Governo, órgão responsável pela interlocução entre a Assembleia e o Executivo. Também Luiza Barreto (PSDB), tornou-se subsecretária de Planejamento. Hoje ela chefia a pasta.

Apesar de ter conseguido compor uma base, Zema ainda tentava manter sua postura de não praticar “conchavos”. Entende-se com isso, pelo menos aparentemente, que não seriam envidados esforços para constituir uma base parlamentar, pois muitos outros acordos foram sendo feitos no processo de composição do governo. Sem a adesão ou identificação com o Executivo, os parlamentares impuseram duras derrotas ao governador, cujos projetos para readequar a máquina pública tendiam a ser impopulares e implicavam, em muitos casos, a extinção de políticas ou de serviços públicos. O único projeto do governo de maior impacto aprovado em 2019 foi a reforma administrativa, que reorganizou a estrutura do governo.

Essa situação de fraqueza política do Executivo não é comum na história recente, exceto em ocasiões bastante pontuais. A Assembleia começou a dar o tom da política em Minas. Além de ter aprovado o projeto da mineração, o Parlamento também encabeçou a discussão em torno da dívida pública de Minas e das perdas de receitas em decorrência da Lei Kandir. Aumentou também seu poder sobre as contas públicas ao inserir na Constituição estadual a obrigação do governo de executar as emendas orçamentárias de parlamentares e dos blocos.

Além disso, a Assembleia tentou intensificar ainda mais sua fiscalização sobre o governo, quando instituiu, em 2019, a prestação de contas, a cada quatro meses, por parte dos secretários de estados.

Ainda em 2019, foi enviado ao Parlamento um projeto considerado pelo governo como da maior importância para o estado. Trata-se da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), estabelecido pela Lei Complementar 159 de 2017. A suposta intenção do RRF é ser uma ajuda financeira ao estado. Em síntese, ele é uma suspensão temporária da cobrança da dívida que Minas possui com o governo federal. Em contrapartida, o Estado deverá adotar uma série de medidas impopulares, entre elas a venda de empresas como a Cemig e a Copasa, bem como a proibição de reajustes salariais por longo tempo.

A adesão ao RFF está parada até hoje na Assembleia e enfrenta sérias dificuldades para ser votada ainda nesta legislatura.

Em 2020, com a pandemia, o governo abandonou sua defesa do RRF. Os esforços se concentraram em outras frentes, sobretudo a saúde. Em razão do momento de calamidade, muitas das pautas do governo foram aprovadas. Contudo, aquelas sem pertinência direta com a pandemia, como a destinação e a fiscalização dos recursos oriundos do acordo com a Vale, foram travadas ou alteradas.

Com o início do abrandamento da pandemia, no fim de 2021, o governo retomou a defesa do RRF. Sua fraca articulação política não lhe permitiu avançar, porém. Então, o governador solicitou urgência na tramitação do regime fiscal. Esse instrumento regimental impede que outros projetos em Plenário sejam apreciados enquanto a matéria urgente não for avaliada. No entanto, a Assembleia ignorou o pedido e não aceitou colocar esse projeto em regime de urgência.

Diante disso, o governador processou a Assembleia Legislativa, com a alegação de que  o Parlamento teria descumprido a Constituição mineira ao não acatar seu pedido. O presidente do Legislativo, Agostinho Patrus (PSD), atendeu então à solicitação e atribuiu urgência à adesão ao RRF. Diante disso, o governador desistiu do processo judicial. 

Outra confusão foi gerada pelo Executivo ao anunciar um aumento de 37% nos salários dos servidores da segurança em 2019. Zema foi alvo de crítica até mesmo fora do estado por essa decisão considerada temerária. Instalou-se um conflito que só encontrou solução recentemente, já em 2022. Depois de intensas negociações, o governo chegou a um reajuste de 10,06%.

O Parlamento estadual entendeu que esse reajuste não poderia ser aplicado apenas aos servidores da segurança.  O governador recorreu, então, à Justiça mais uma vez para tentar suspender o aumento extra de salários concedido pela Assembleia.   Além da expansão dos grupos que receberiam o aumento, os percentuais sugeridos pela Assembleia chegavam até 40%. Esse conflito só teve fim quando o Supremo Tribunal Federal acatou o pedido de Zema e impediu a aplicação dos índices mais altos que os deputados haviam imposto.

Nesse intervalo de disputas judiciais, o chefe do Executivo perdeu mais apoio no Parlamento. A base de Zema caiu de 21, em 2019, para 16 neste ano. E, para completar, ela se desintegrou em abril de 2021. Isso porque, com a saída do deputado Neliando Pimenta (PSB), ela caiu para 15 parlamentares. Para que exista como bloco, o regimento da Assembleia impõe que ele seja constituído por, no mínimo, 16 integrantes. 

Todavia, no início de julho, a bancada governista foi recomposta. Isso porque o União Brasil decidiu alinhar-se a Zema. Hoje, portanto, o governador voltou a ter 16 parlamentares ao seu lado.

Agora, os blocos “neutros” se fundiram recentemente num bloco único de 36 parlamentares. É ainda o maior grupo político da Assembleia. A oposição, desde o início da legislatura, ganhou 7 deputados. Hoje, ela tem 23 parlamentares. Ao menos desde a redemocratização do país, a oposição nunca teve tantos membros. E, também pela primeira vez,  os governistas são a minoria no Legislativo mineiro.

No boletim Contextus, a Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp aprofunda suas análises a respeito da conjuntura da Assembleia neste legislatura. A abordagem centra-se nos projetos aprovados pelos deputados bem como a transferência de recursos promovida por eles.