Nesp realiza “Jornada da Soberania Alimentar” para discutir tema da Campanha da Fraternidade nas unidades da PUC Minas
Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – 17/05/2023
O Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) está realizando a Jornada da Soberania Alimentar, organizada pela Casa Comum: Formação Política de Cristãos Humanistas. Cada um dos cinco eventos que compõem essa jornada está ocorrendo, presencialmente, em uma das unidades da PUC Minas (Coração Eucarístico, Barreiro, Contagem, Betim e Poços de Caldas). Também está sendo transmitido pelo canal do Nesp no YouTube, onde estão disponíveis integralmente os encontros já realizados.
A Jornada de Soberania Alimentar tem o objetivo de discutir maneiras de se combater a fome, que aflige milhões de brasileiros atualmente. O papel dos poderes públicos municipais é um dos temas mais debatidos nos encontros.
Por meio da Campanha da Fraternidade, neste ano, a Igreja Católica convocou seus fiéis a discutirem e a promoverem, em todo o país, formas de enfrentar as causas sociais e econômicas dessa situação de injustiça. O texto da campanha menciona: “a fome no Brasil é um escândalo! A alimentação saudável não pode ser considerada apenas questão de solidariedade. Ela é um direito. E, como tal, deve ser garantida pelo Estado a todos os seus cidadãos”.
De acordo com os mais recentes dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), na América Latina e no Caribe 56,5 milhões de pessoas passavam fome em 2021. No Brasil, não há dados oficiais sobre essa situação. No entanto, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional calculou que, em 2022, 33,1 milhões de brasileiros enfrentavam o pior grau de insegurança alimentar, a fome total. Isso corresponde, praticamente, à população de Minas Gerais e Bahia juntos. Chama atenção também que 125,2 milhões de pessoas – mais da metade da população brasileira – convivem com algum grau de insegurança alimentar.
O primeiro nível, leve, ocorre quando a alimentação não supre as demandas do organismo, embora a pessoa consiga sobreviver com tal limitação. Estão nesse patamar as pessoas que trocam o almoço por lanches para baratear o custo da refeição.
O segundo grau, moderado, se refere àquelas pessoas que começam a ter complicações físicas em razão da falta de vitaminas, proteínas e minerais. Nesse estágio, já se manifestam os primeiros sinais de anemia, doença decorrente da ausência de ferro e zinco.
Há grau alto quando a pessoa não consegue prover sequer uma refeição ao longo do dia. Em tal condição, a pessoa emagrece sobremaneira e passa a desenvolver doenças em decorrência de sua situação.
Em Minas Gerais, em março deste ano, havia 4,7 milhões de pessoas pobres ou extremamente pobres. São cidadãos cuja renda mensal não ultrapassa R$ 200. Aproximadamente 21% da população se encontram nessa situação, de acordo com os dados do governo federal.
Em nível macroeconômico, é o governo federal que possui mais condições de promover políticas em prol da equânime distribuição de renda, do estímulo à geração de emprego, entre outras ações. Há, porém, várias medidas que estão ao alcance dos estados e que, em princípio, poderiam ser implementadas também pelos municípios.
No caso de Minas, o Fundo de Erradicação à Miséria é um instrumento à disposição do governo para combater à fome. Porém, como mostrado pelo Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp recentemente, os recursos desse fundo podem não estar tendo a aplicação devida. Paradoxalmente, num momento de aumento da pobreza no estado, o governo não aplica integralmente os recursos disponíveis para o combate à miséria, pelo menos a julgar pelos dados publicados pelo próprio estado no Portal da Transparência.
Já as prefeituras, especialmente as menores, enfrentam maiores dificuldades para promover políticas de erradicação à fome em razão da insuficiência de sua arrecadação tributária. Analisando as 28 cidades onde a Arquidiocese de Belo Horizonte está presente, vê-se que a maioria delas investe pouco em assistência social, área que abarca as políticas de combate à fome.
A tabela abaixo foi produzida a partir de informações da Fundação João Pinheiro, com dados referentes a 2021. A primeira coluna mostra o percentual de pobres e extremamente pobres em relação à população. A segunda apresenta o percentual do orçamento destinado para ações de assistência e cidadania.
Município | Pobres em relação à população – 2021 (%) | Orçamento destinado a ações de assistência e cidadania – 2021 (%) |
Belo Horizonte | 10,23 | |
Belo Vale | 26,96 | 1,56 |
Betim | 24,22 | |
Bonfim | 32,46 | 1,87 |
Brumadinho | 12,03 | 2,26 |
Caeté | 13,57 | 1,01 |
Confins | 16,21 | 1,34 |
Contagem | 14,87 | 1,36 |
Crucilândia | 25,02 | 14,57 |
Esmeraldas | 31,71 | |
Ibirité | 21,15 | 2,66 |
Lagoa Santa | 12,89 | 2,66 |
Mário Campos | 21,39 | |
Moeda | 31,45 | 1,77 |
Nova Lima | 9,87 | |
Nova União | 33,05 | 2,96 |
Pedro Leopoldo | 12,08 | 1,85 |
Piedade dos Gerais | 34,05 | 4,35 |
Raposos | 11,82 | 3,66 |
Ribeirão das Neves | 20,94 | 2,67 |
Rio Acima | 14,02 | 1,87 |
Rio Manso | 20,24 | 2,83 |
Sabará | 15,44 | 1,16 |
Santa Luzia | 24,98 | 0,9 |
São José da Lapa | 25,79 | 2,53 |
Sarzedo | 15,93 | 1,96 |
Taquaraçu de Minas | 33,5 | 1,11 |
Vespasiano | 22,61 | 2,08 |
Na maioria dos casos, os municípios com mais pobres, percentualmente, em relação à população realizaram mais investimentos em assistência e cidadania. Vê-se, porém, que quase todos eles destinaram, para essas áreas, menos de 5% de seus orçamentos, com exceção de Crucilândia que investiu 14,57% para esse fim.
A baixa arrecadação de um município implica baixo nível de investimento em assistência. Existem cidades cuja principal política de assistência é a aplicação do programa Bolsa Família, do governo federal. Na figura a seguir é apresentado o Índice de Desenvolvimento Tributário e Econômico (IDTE) dos mesmos 28 municípios, calculados pela Fundação João Pinheiro em 2021. O índice mostra quanto da arrecadação total do município provém de seus próprios tributos. Municípios com menor IDTE são mais dependentes de recursos dos governos federal e estadual.
Em razão disso, cidades nessa situação não conseguem promover políticas robustas, uma vez que as transferências de outros entes está sujeita a intermitências, dependendo, sobretudo, de negociações políticas.
Município | IDTE |
Belo Horizonte | |
Belo Vale | 60,91 |
Betim | |
Bonfim | 30,97 |
Brumadinho | 69,08 |
Caeté | 33,34 |
Confins | 65,87 |
Contagem | 24,19 |
Crucilândia | |
Esmeraldas | 35,93 |
Ibirité | 54,28 |
Lagoa Santa | |
Mário Campos | 26,94 |
Moeda | |
Nova Lima | 27,2 |
Nova União | 46,08 |
Pedro Leopoldo | 24,83 |
Piedade dos Gerais | 26,8 |
Raposos | 37,91 |
Ribeirão das Neves | 58,46 |
Rio Acima | 24,43 |
Rio Manso | 41,44 |
Sabará | 36,63 |
Santa Luzia | 36,44 |
São José da Lapa | 51,5 |
Sarzedo | 25,7 |
Taquaraçu de Minas | 43,44 |
Vespasiano |
Por essa razão, a Jornada da Soberania Alimentar tem reunido experiências que vêm sendo realizadas em diversas partes do país para apontar possibilidades. Cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, agricultura urbana agroecológica, bancos de sementes e muitas outras alternativas estão sendo discutidas como maneiras de se enfrentar a fome.
Tem-se destacado, nos vários encontros promovidos pela Casa Comum, o fato de que a solução do problema exige medidas mais consequentes do que a simples “obra de caridade”, se com isso se entende fazer doações pontuais. A caridade pode ser importante em situações pontuais, mas ela não basta. É preciso pensar em políticas de curto e longo prazos.
O primeiro passo é assumir a alimentação saudável como um direito humano inalienável. Isso exige do poder público a criação de políticas que deem conta de um atendimento que contemple organicamente – para além da alimentação – também a saúde, a educação, o saneamento, a moradia e todos os outros aspectos da inclusão econômica e cidadã.
Redação: Claudemir Francisco Alves e Marcelo Gomes