Privilégios e poder político nas carreiras jurídicas ajudam a explicar desigualdade salarial entre servidores públicos em Minas

Sede do Tribunal de Contas de Minas Gerais em Belo Horizonte. Fonte: Assessoria de Comunicação do Tribunal de Contas.

Por: Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos – 31/05/2023

Em matéria anterior, o Monitoramento dos Poderes Públicos do Nesp iniciou uma análise da folha de pagamento do Estado de Minas e encontrou grande desigualdade salarial na administração pública, sobretudo no Poder Executivo. Outra constatação que se impõe na leitura daqueles números são os altos salários pagos a algumas carreiras do funcionalismo, especialmente as vinculadas ao universo jurídico, ao passo que outras recebem sistematicamente as piores remunerações.

Desde 1988, ano que inaugurou a nova ordem constitucional no país, as carreiras jurídicas foram ganhando, paulatinamente, muito prestígio, como constata a socióloga Luseni Aquino, autora de um trabalho sobre o assunto, publicado recentemente pelo Ipea. A Constituição da República garantiu ao cidadão uma série de direitos e impôs ao Estado outro rol de deveres para com os cidadãos. Nesse processo de revisão das relações entre Estado e sociedade, as áreas responsáveis por operar tais garantias constitucionais tiveram um aumento em sua capacidade de influência.

Tal fortalecimento se deu não apenas no assentamento da relevância desses setores na vida social, mas também na hipertrofia de sua capacidade de se consolidar como carreira profissional e de defender seus interesses corporativos. Por exemplo, houve exponencial crescimento do Ministério Público e da Defensoria Pública. “Esse desenho institucional ensejou, em contrapartida, o robustecimento das organizações que administram a justiça e o aprofundamento da inserção privilegiada das carreiras jurídicas na estrutura do serviço público”, diz Luseni Aquino.

O protagonismo das funções jurídicas públicas tornou esses setores da Justiça e os órgãos correlatos politicamente fortes, e isso se reflete na remuneração que parte dos servidores recebe. Em seu trabalho, Luseni Aquino apresenta a tabela, abaixo reproduzida, onde se mostra a evolução das remunerações nas carreiras jurídicas federais.

Fonte: Luseni Aquino. Trajetórias da burocracia na Nova República. IPEA, 2023.

Também no caso de Minas Gerais, conforme verificado em matéria anterior, é na Justiça e em seus órgãos vinculados que há as maiores remunerações. No âmbito do governo, é na Secretaria de Fazenda que se encontram os salários maiores. Boa parte do quadro de funcionários da pasta é composto por integrantes das carreiras jurídicas.

Vale sublinhar que, por terem autonomia financeira, Legislativo e Judiciário não estão subordinados ao governador do ponto de vista da garantia de receitas. Pela Constituição de Minas, o governo é obrigado a repassar aos dois Poderes os valores requisitados , desde que respeitados os limites legais. Na hipótese de descumprimento desses repasses mensais, o chefe do Executivo pode sofrer impeachment.

Um exemplo de prestígio das carreiras jurídicas são os reajustes salariais concedidos aos servidores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do Ministério Público. Embora o Estado esteja enfrentando uma crise financeira, os servidores do Poder Judiciário tiveram um aumento salarial de 12,13%, que passou a valer no início deste ano, mas retroativo a maio de 2022. Não se trata apenas de um reajuste salarial A inflação de 2022 ficou em 5,79%, segundo o IBGE. Logo os funcionários da Justiça tiveram aumento real de 6,34%.

O impacto financeiro do reajuste concedido aos servidores do TJMG não foi divulgado. No entanto, segundo uma na matéria publicada pela assessoria de comunicação do Parlamento, o aumento concedido aos trabalhadores do Tribunal está dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. De acordo com a lei, o Judiciário não pode ultrapassar, com tais gastos, 6% da Receita Corrente Líquida (RCL). Com o aumento, a folha do TJMG está em 5,27% dessa receita, que corresponde, genericamente, ao que o estado arrecada com impostos.

No início deste ano começou a valer, também para os servidores do Ministério Público, o reajuste de 12,13%. Dessa forma, atualmente o MP gasta 1,66% da RCL com sua folha de pagamento; pela lei, o limite é de 2%. De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023, a Procuradoria de Justiça (outro nome para designar o Ministério Público) tem 4.903 servidores ativos e inativos contemplados com o reajuste.

Conforme informações da Assembleia Legislativa, o impacto orçamentário desse reajuste concedido ao Ministério Público será de R$ 96,2 milhões, mesmo valor aplicado pelo governo em 2022 no programa de transferência de renda aos mais pobres, como informa o Portal da Transparência.

De acordo com o Caged, 3,6 milhões de pessoas estão na extrema pobreza neste momento em Minas Gerais. O dinheiro que falta a milhões de pessoas em pobreza extrema serve ao pagamento de salários muito superiores à média nacional. De acordo com o IBGE, o salário médio no Brasil. neste último trimestre, foi de R$ 2.891. Portanto, algumas carreiras ganham de 10 a 15 vezes o valor recebido, na média, pelos demais cidadãos brasileiros.

O infográfico abaixo apresenta as maiores remunerações do Estado de Minas Gerais. Esses salários aqui considerados são o básico, mas eles tendem a se elevar. Sobretudo às carreiras jurídicas é concedida uma série de benefícios, como auxílios e indenizações, que elevam ainda mais os salários. Um exemplo notório disso ocorreu no Tribunal de Contas estadual, em abril deste ano: nenhum dos oito conselheiros auferiu a remuneração básica. Um desses conselheiros, por exemplo, ganhou o salário líquido de R$ 198,2 mil, como consta nos dados publicados pelo Tribunal de Contas.

Redação: Claudemir Francisco Alves e Marcelo Gomes

Colaboração: Ana Camila Moreira