REVISTA PUC MINAS: O QUE QUEREMOS PARA O PRATES?

Universidade promove formação política e presta assessoria técnica a movimentos de moradores da região do Aeroporto Carlos Prates

Luzia Barcelos, cofundadora do coletivo Atingidos pelo Prates, relata que o sentimento é de alívio com o fechamento do aeroporto | Foto: Raphael Calixto
Luzia Barcelos, cofundadora do coletivo Atingidos pelo Prates, relata que o sentimento é de alívio com o fechamento do aeroporto | Foto: Raphael Calixto

Ana Paula Pimenta

Era tarde de sábado, 11 de março de 2023, quando os moradores da Região Noroeste de Belo Horizonte acompanharam, mais uma vez, um acidente envolvendo aeronaves que decolavam ou pousavam no Aeroporto Carlos Prates, localizado no bairro Padre Eustáquio. Um avião monomotor caiu sobre duas residências da região, causando a morte do piloto. Infelizmente, esse não foi um caso isolado, mas soma-se às muitas ocorrências que já foram registradas na região. Há quase quatro anos, movimentos promovidos por moradores e organizações da região pediam pela desativação do Aeroporto e um reaproveitamento consciente da área de 547 mil metros quadrados.

Diante das muitas etapas que envolvem o longo caminho até a desativação, que só veio a ocorrer em 1º de abril de 2023, em 2021, o Coletivo Atingidos pelo Prates – uma das organizações que está à frente do movimento, procurou a Universidade, por meio da Escola Casa Comum – Formação Política de Cristãos Humanistas, do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (Nesp). Desde então, a Escola vem atuando junto aos coletivos, oferecendo assessoria técnica e promovendo atividades que buscam a mobilização social e educação política com os moradores da região.

“Fomos procurados para prestar uma assessoria técnica, a fim de que pudéssemos criar as melhores propostas para aquele espaço. Além disso, o nosso foco é uma educação política a partir do direito à cidade”, explica a Profª Drª Rachel de Castro Almeida, coordenadora da Casa Comum.

Além da parceria entre o Coletivo Atingidos pelo Prates e a Escola Casa Comum, a ação conta com o apoio da Paróquia Nossa Senhora Rainha da Paz e do Coletivo Cultural Noroeste. Buscando potencializar o sentimento de pertencimento e patrimônio ao redor do espaço, a equipe da Escola Casa Comum realizou, durante o ano de 2022, oficinas de cartografia afetiva colaborativa junto aos moradores da região.

“Essas atividades serviram como um instrumento para que as pessoas possam se reconhecer naquele espaço, para que elas vejam como usam o território no cotidiano, quais são as relações de afeto que elas compartilham naquele local, e como elas vão construindo uma rede de sociabilidade ali”, conta a Profª Rachel Almeida.

Contudo, a interrupção das atividades do aeroporto não finaliza as discussões, já que a destinação do espaço agora municipalizado também é pauta importante do movimento. O desejo da população é que o local, que possui o tamanho equivalente a três Parques Municipais, seja transformando em um parque que pudesse abrigar diversas funções, desde possibilidades de sociabilização e descanso, a práticas esportivas.

“A Regional Noroeste é o espaço com menor número de áreas verdes de Belo Horizonte. Então, uma demanda forte é a criação de áreas verdes na região, com parques e cuidado ambiental, para aumentar essa proporção. Além disso, do ponto de vista cultural, a regional quase não tem espaços destinados a esse fim, tornando também essa demanda muito forte”, conta a Profª Rachel.

Após a desativação, a Prefeitura de Belo Horizonte reuniu-se com os moradores da Região Noroeste para tratar da destinação do território. Estes, por sua vez, foram uníssonos nos desejos em relação aos espaços: a demanda por áreas verdes, e para utilização nos setores social, cultural e desportivo e saúde são os principais tópicos levantados pela comunidade.

Para a Profª Rachel, a participação popular neste processo é de extrema importância: “Para criar consensos sobre os novos usos e as novas formas de ocupação desse espaço, é essencial que a comunidade do entorno da área do aeroporto participe do processo de planejamento. É importante destacar que os moradores receberão novos vizinhos. Para garantir que o processo de ocupação seja bem-sucedido, é necessário resgatar e valorizar a história dessa comunidade e entender as demandas já existentes nessa região. É crucial atender à demanda atual antes de pensar em novos usos e ocupações, caso contrário, podemos criar pontos de tensão no território”, ela pontua.

Para a Profª Rachel Almeida, coordenadora da Casa Comum, a participação popular neste processo é de extrema importância | Foto: Raphael Calixto

Antes, medo. Hoje, alívio.

Para quem mora próximo ao aeroporto, um som frequente e incômodo era o forte barulho vindo das aeronaves, o que se transformou em uma das principais queixas para os moradores da região.

Luzia Barcelos é aposentada pela Prefeitura de Belo Horizonte e cofundadora do Atingidos pelo Prates. Ela, que é vizinha do Aeroporto desde que nasceu, conta que o som alto sempre foi bastante incômodo para quem passa mais tempo em casa. Hoje, com o encerramento das atividades, o sentimento é de alívio. “Recebemos a notícia com muita satisfação, pois era algo desejado há muitos anos pelos moradores atingidos por aquelas atividades. Sinto um grande alívio com relação à supressão dos altos e contínuos ruídos das aeronaves. Finalmente, fomos ouvidos e aqueles sobressaltos acabaram”, declarou Luzia.

Além do barulho, um outro incômodo que se fazia presente é o sentimento de medo e insegurança. A jornalista Thayane Domingos, de 28 anos, também integrante do coletivo conta que, por muito tempo, evitou passar pelas ruas que já foram atingidas por algum acidente aéreo. “Tenho medo de passar na rua Minerva, no ponto em que os dois aviões caíram. Eu fiquei muito tempo mesmo sem passar nessa rua, o que dificultou muito pra mim, pois muitos lugares que eu preciso passar atravessam ali, como o trajeto para o supermercado, farmácia, salão e academia”, disse.

Thayane Domingos conta que, por muito tempo, evitou passar pelas ruas que já foram atingidas por algum acidente aéreo | Foto: Raphael Calixto

Memória e patrimônio: O que queremos para o Prates?

Na busca de construir, junto à comunidade, um senso de pertencimento e direito à cidade, permitindo a visualização de novas possiblidades para o espaço antes ocupado pelo Aeroporto, a Escola Casa Comum realizou o Festival Cultivando Sonhos para o Prates: Agenda 2030. O evento foi organizado em parceria com o Coletivo Atingidos pelo Prates, recebendo também o apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais, da Paróquia Nossa Senhora Rainha da Paz, e da Escola Estadual Professor Morais, local em que o evento foi sediado, em outubro de 2022.

O Festival, que integrou o Circuito Urbano 2022, do Programa ONU-Habitat, contou com a participação de pessoas da comunidade e dos alunos da Escola Estadual Professor Morais, localizada em frente ao Aeroporto Carlos Prates.

“Nós organizamos várias oficinas temáticas, que tinham o propósito de trabalhar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) previstos na Agenda 2030 da ONU, mas sempre pensando na destinação do aeroporto. Nós buscávamos, então, articular como que a destinação dessa área poderia contribuir para melhorar e atingir os nossos objetivos”, explica a Profª Rachel Almeida.

A manutenção da história e das memórias guardadas por aquele espaço também é uma preocupação dos moradores, que sugerem também a criação de um museu no local. “Nós achamos muito importante manter um Museu que conta a história do aeroporto e da aviação, criando um espaço interativo e lúdico para a sociedade. Esse tipo de ação e manutenção é fundamental”, pontua a Profª Rachel.

Além das oficinas, o Festival contou também com um painel dedicado à discussão acerca do futuro do aeroporto, em que estiveram presentes diversas representações de movimentos e organizações sociais. Dentre estas, a cofundadora do Coletivo Atingidos pelo Prates, Luzia Barcelos. “Conhecer e participar do Festival foi muito importante para o nosso movimento, pois ele levou a nossa luta até mais pessoas. E o fato de termos uma instituição como a PUC Minas nos auxiliando, enriquece ainda mais o nosso projeto, trazendo força e credibilidade. Esperamos continuar com essa parceria com a Universidade, promovendo novas discussões e eventos, pois temos um longo caminho pela frente e muito ainda a avançar”, declarou Luzia.

SAIBA MAIS

O Aeroporto Carlos Prates foi inaugurado em 1944 e é considerado um dos mais antigos aeroportos em operação no Brasil. Ele recebeu esse nome em homenagem a Carlos Prates, um piloto brasileiro que faleceu em um acidente aéreo em 1932.

Inicialmente, o aeroporto era utilizado como base de operações para a Força Aérea Brasileira e para atividades de aviação esportiva. Nos anos seguintes, passou a ser utilizado também para voos comerciais regionais.

Fonte: https://revista.pucminas.br/o-que-queremos-para-o-prates/